sábado, 27 de abril de 2019

A Bolha Vai Estourar

"O início da salvação é o conhecimento da culpa."


De forma muitíssimo resumida, o minério de ferro é extraído das jazidas e transportado para as usinas de pelotização. Em forma de pelotas, o minério, junto com o carvão (ou coque), alimenta os altos-fornos, onde, a elevadas temperaturas, ocorre a formação do ferro-gusa. O gusa, então, pode seguir dois possíveis caminhos: ser enviado para a indústria de fundição, onde será utilizado para a fabricação de peças de ferro fundido; ou passar por um processo de conversão em vários tipos de aço, dentro de uma siderurgia. No caso da produção do aço, os lingotes de metal finalmente destinar-se-ão a diferentes tipos de indústria para a manufatura dos mais variados tipos de produtos.

O aço é utilizado para produção de tubulações, equipamentos industriais, motores, estrutura civis, automóveis, navios, ferrovias, ferramentas, utensílios domésticos etc etc etc. E entre os utensílios domésticos, encontramos a panela.

Em 25 de janeiro de 2019 ocorreu o rompimento da barragem de Brumadinho, sob administração da empresa Vale. O caso dispensa qualquer tipo de detalhamento. Até a data de 24 de abril de 2019 foram identificados 233 mortos e continuavam desaparecidas 37 pessoas.

Peço perdão pela falta da fonte, mas acreditem em mim. Entre 25 e 28 de janeiro de 2019 (não lembro o dia exatamente), enquanto eu acompanhava o noticiário sobre o desastre, vi uma reportagem na TV sobre alguns manifestantes em Brumadinho. Eles protestavam acertadamente pelo ocorrido. Eu revirei a internet buscando essa reportagem, mas não a encontrei. Acho que ficou limitada a TV mesmo. Fato é que eu vi a imagem de algumas pessoas se manifestando contra os responsáveis pela barragem. E por que isso ficou guardando na minha memória? Os manifestantes usavam panelas para protestar. O tal do "panelaço", método recém popularizado pelo povo brasileiro em manifestações.

Eu achei muito irônico, pessoas utilizarem materiais que são extraídos de jazidas como a que se rompeu (senão da própria), protestando contra a empresa que viabiliza a chegada dessas mesmas peças ao mercado. Aliás, mais do que contra a empresa, elas gritavam para que qualquer processo de mineração fosse extinguido. Você não acha isso irônico?

Desviando: Já ouviu aquela discussão sobre a batalha da sociedade contra as drogas, onde se levanta a dúvida: quem são os responsáveis pelo tráfico de entorpecentes, o fornecedor ou o consumidor? Minha opinião?

Voltando: Somos todos Brumadinho? Somos todos Mariana? Somos todos Marielle? Somos todos Garotos do Ninho? Somos todos Charlie Hebdo? Somos todos Bataclan? Somos todos vítimas da Boate Kiss? Somos todos Colégio de Suzano? Somos todos Columbine? Somos todos Realengo? Somos todos Refugiados?

Somos todos culpados! Mas lavamos as nossas mãos. Ops, digo, mas batemos nossas panelas.

Ainda utilizando o exemplo da mineração, mas não limitando-se apenas a ele, desejamos mesmo que as mineradoras deixem de existir? Queremos mesmo que o mundo deixe de ser o que ele é? Acredito que não (com exceção daqueles que perderam seus "corações" na tragédia e não tem mais o que perder), pois esse mesmo mundo alimenta as ilusões que sustentam nosso íntimo, ou pelo menos é isso o que ele promete. De fato, é ele quem fornece as nossas panelas.

O que desejamos é sermos intocáveis, inabaláveis, imunes às falhas da estrutura construída, mas não que essa mesma estrutura seja alterada. Reflita, se o nosso castelo de areia não correr riscos, "pouco importa" se há pessoas sendo exploradas, escravizadas, assassinadas, doentes, famintas, desabrigadas, etc. E "pouco importa" que elas sejam a maioria. Sim, nós pensamos nelas de vez em quando e sinceramente nos consolamos por saber que há alguém cuidando de algumas poucas. Nós conseguimos viver em paz, pois sabemos que onde há injustiça, também há alguém fazendo uma manifestação contra, mesmo que os gritos de ordem sejam apenas um emplastro sobre as trágicas feridas. De fato, mesmo nós, às vezes, praticamos alguns protestos, seja através de uma mensagem no Facebook, de uma postagem em um blog (opa!), ou de uma presença em uma passeata. E sempre sustentamos nossa inocência sobre a justificativa cabal, a crença de que estamos colaborando com a melhoria do mundo através do nosso trabalho.

Desviando: Lembro-me do filme Matrix Reloaded, mais uma vez, quando o super-herói descobre que não é o salvador da humanidade, mas apenas mais um instrumento de controle.

Voltando: Nós não estamos indo em direção ao progresso, mas estamos colaborando com a sustentação da base. Eu particularmente acredito que o mundo só se transformaria, se alterássemos a sua estrutura. Pense na mineração novamente. Para que as mineradoras deixem de existir e não corramos mais riscos de acidentes como aquele de Brumadinho, o que seria necessário alterar na nossa realidade? De que tipo de conforto deveríamos abdicar? Por isso, concordo, é extremamente difícil uma mudança nesse nível partir de nós, de mim. "É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que o rico entrar no reino do Céus" (Calma, pense! Desfaça-se do que você acha que entendeu! Pense na palavra "rico" como alguém que está bem confortável e na palavra "Céu" como uma realidade plena).

Assim, vivo somente uma esperança, talvez uma utopia. Eu vivo esperando o dia que a semente será lançada na terra para morrer e dar origem a uma bela árvore. Fico aguardando a chegada de uma cidade que não tenha sido construída por mãos humanas. Só consigo acreditar em um herói que tenha prometido transformar tudo, mas não viver apenas apagando fogo.

Enquanto isso? De dentro da minha bolha, de meu escudo protetor, também protegendo-me da realidade que não queremos que nos alcance, tento derrubar algumas poucas cartas de baralho, mesmo que não seja suficiente para trazer à baixo o castelo inteiro. De fato, sei que estou apenas dando algumas poucas machadadas, sem sequer conseguir arranhar o alicerce. Se é que estou mesmo dando machadadas. O que quero dizer? Você pode encontrar meus emplastros aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Tudo bem, sem tempo para clicar em todos os "aqui"? Talvez seja suficiente se você separar um tempo para refletir nas possíveis implicações de uma última citação. Reitero, pense nas implicações.

"O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta."


É esse amor, descrito na citação de Paulo, que pode alterar as estruturas, mas não o amor criado por anseios humanos. O verdadeiro amor não luta a favor das bolhas, mas ele as estoura, inclusive e principalmente a sua própria. Inevitavelmente, a bolha de cada um de nós vai estourar e naquele dia em que tipo de mundo iremos nos apoiar.

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