"Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las"
Voltaire
Fiquei pensando em que contexto Voltaire esteve inserido que
o fez formular aquela frase. Ele nasceu na França e viveu entre 1694 e 1778,
época em que o país era extremamente absolutista e clerical. Descendeu de uma
família burguesa e aristocrata e estudou com os jesuítas. Logo que iniciou
seus escritos contra os governantes da época, foi preso. Mais adiante no tempo,
para que não fosse preso pela segunda vez, ele precisou se exilar na Inglaterra,
país que considerava mais liberal e avançado que a França da época. Suas ideias
foram tão pertinentes que acabaram por influenciar personagens importantes do Iluminismo e da Revolução Francesa.
Então, aparentemente esse era o contexto, Voltaire era perseguido por
dizer e escrever o que pensava. Alguém queria proibi-lo de manifestar suas ideias,
seus princípios, suas opiniões. Uma vez que o que ele dizia "feria" esse alguém, tentaram
calá-lo usando a criminalidade como subterfúgio. Não importa quem era esse
alguém do ponto de vista do individuo, mas sim o que representou do ponto de
vista de suas práticas, pois dessa forma, esse alguém pode existir ainda hoje.
E de fato, não soa familiar? Não temos a sensação que não é todo mundo que pode
expressar sua opinião?
O que Voltaire fez? Continuou dizendo o que queria e como podia, mas
além disso, ele defendeu quem pensava contrário a ele. Pelo menos é o que
parece dizer sua celebre frase. Podemos inferir através dela que ele chegou à
conclusão de que tão importante quanto ter uma ideia é o direito de manifestá-la.
Para ele, não fazia sentido frases aparentemente nobres como, "podem me calar,
mas não irão tirar de mim os meus princípios". Se tivesse vivido em uma época já
com certo avanço tecnológico, talvez respondesse, "para que serve um aparelho de
som com o alto-falante quebrado, aliás, por que quebraram?"
Porém, qual o limite? Podemos dizer tudo mesmo? Ou só podemos dizer
parte? A resposta para essa pergunta é complicada, se é que existe uma. E já
adianto que não a encontraremos aqui (não procuramos respostas, lembra?). O que
eu sei é que eu sinto dificuldade para falar "discordo" para algumas coisas. Inclusive,
dependendo de quão delicado o assunto possa ser, tem sido prudente não citar
explicitamente ao que nos referirmos enquanto damos nossa opinião, principalmente
se ela for contrária, pois por mais que pensemos em todos os casos e tentemos
nos precaver contra duplos sentidos, ou mesmo contra más interpretações,
equivocadas ou propositadas, sempre haverá alguém que enxergará algo que não
conseguimos enxergar e por conseguinte não pretendíamos dizer. Tarde demais, já
terá sido dito, vamos precisar nos exilar. Confesso, fica até difícil de se
fazer entender. Não se perdeu ainda no meu raciocínio? Às vezes eu me perco.
É estranho que, em um mundo tão cheio de oportunidades e vozes pró democracia, seja possível
silenciar muitas bocas, inclusive legalmente. Seja na democracia, seja na aristocracia, seja na monarquia, seja lá qual for o
tipo de governo, as minorias sempre tiveram o poder de gritar mais alto. A
massa tem o direito de manter suas opiniões, mas em silêncio, sem gritaria. Um
alto-falante quebrado.
Desviando: Ouvi alguém dizer há um bom tempo que a fé é um conceito
criado providencialmente para justificar, ou explicar, uma série de coisas que
não entendemos, de modo que nenhum tipo de esforço mental seja necessário (não
se preocupe, não foi ninguém famoso). É bem possível que seja verdade,
principalmente a parte do "providencial". Quanto dos nossos ideais e conceitos
podem ser apenas providenciais de fato? Por exemplo, a mesma pessoa que tem, ou
tinha, essa opinião sobre fé usava o amor como prerrogativa para sua opção de
vida. Onde quero chegar? Será que o amor também não seja apenas um conceito
criado providencialmente pelo ser humano para justificar uma série de escolhas
que são feitas? Sempre tentando transferir a responsabilidade. Tenho a opinião
particular de que nos comportamos como se toda regra tivesse uma exceção e cada
um de nós fosse a exceção para aquilo que nos é pertinente.
Voltando: Tenho visto alguns pais "retrógrados" e alguns filhos "liberais" usarem a palavra amor
para justificarem suas opiniões (já falei um pouco sobre amor aqui também). Eu tenho
visto pais e filhos que choram e passam por cima de suas escolhas para aceitarem,
ou agradarem ao outro. Tenho visto pais e filhos que não retrocedem, que lutam
até as últimas consequências para serem obedecidos, ou aceitos. Então pergunto-me,
quem tem o interesse de amar de verdade e quem só está usando o conceito como
subterfúgio? Seria aquele que passa por cima de si mesmo pelo bem do outro? Ou
o que luta até o fim para que sua ideia prevaleça custe o que custar? Não sei.
Talvez essa questão fosse irrelevante se concordássemos mais com Voltaire e não
com seus perseguidores.
Quem estamos tentando manter
calado? E por quê? Quem é o "mocinho" e quem é o vilão? Eles existem mesmo? Por
que nos esforçamos tanto para tentar calar aqueles que dizem o que não queremos ouvir?
Por que quando o outro diz algo, isso nos afeta tanto, principalmente se for
contrário ao que pensamos? Por que nossas opiniões não nos bastam, mas
precisamos tanto que os outros concordem com elas? Quão resolvidos estamos com
nós mesmos? A psicóloga Blenda de Oliveira já disse: "Pessoas equilibradas não sentem
necessidade de expressar o que pensam sempre e nem de provar que estão com a
razão. Fazem isso apenas quando julgam necessário e relevante". Isso faz eu me
questionar, que tipo de pessoas são aquelas que levantam bandeiras, de várias
cores? Isso faz eu me questionar, Voltaire era equilibrado ou desequilibrado?
Isso faz eu me questionar, por que eu escrevo em um blog?
Enfim, eu acredito,
mais agora do que antes, que Voltaire tinha razão com sua frase. Morrer pelo
que se deseja ouvir parece ser bem menos difícil do que pelo que não se quer
ouvir. De fato, o que nos mata mesmo, por dentro, é deixar falarem o que não gostaríamos
que fosse dito. Porém, dessa forma, talvez todos nós conseguíssemos viver
melhor. Um baita de um paradoxo.
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