sábado, 30 de janeiro de 2016

O Paradoxo de Voltaire

"Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las"
Voltaire


Fiquei pensando em que contexto Voltaire esteve inserido que o fez formular aquela frase. Ele nasceu na França e viveu entre 1694 e 1778, época em que o país era extremamente absolutista e clerical. Descendeu de uma família burguesa e aristocrata e estudou com os jesuítas. Logo que iniciou seus escritos contra os governantes da época, foi preso. Mais adiante no tempo, para que não fosse preso pela segunda vez, ele precisou se exilar na Inglaterra, país que considerava mais liberal e avançado que a França da época. Suas ideias foram tão pertinentes que acabaram por influenciar personagens importantes do Iluminismo e da Revolução Francesa.

Então, aparentemente esse era o contexto, Voltaire era perseguido por dizer e escrever o que pensava. Alguém queria proibi-lo de manifestar suas ideias, seus princípios, suas opiniões. Uma vez que o que ele dizia "feria" esse alguém, tentaram calá-lo usando a criminalidade como subterfúgio. Não importa quem era esse alguém do ponto de vista do individuo, mas sim o que representou do ponto de vista de suas práticas, pois dessa forma, esse alguém pode existir ainda hoje. E de fato, não soa familiar? Não temos a sensação que não é todo mundo que pode expressar sua opinião?

O que Voltaire fez? Continuou dizendo o que queria e como podia, mas além disso, ele defendeu quem pensava contrário a ele. Pelo menos é o que parece dizer sua celebre frase. Podemos inferir através dela que ele chegou à conclusão de que tão importante quanto ter uma ideia é o direito de manifestá-la. Para ele, não fazia sentido frases aparentemente nobres como, "podem me calar, mas não irão tirar de mim os meus princípios". Se tivesse vivido em uma época já com certo avanço tecnológico, talvez respondesse, "para que serve um aparelho de som com o alto-falante quebrado, aliás, por que quebraram?"

Porém, qual o limite? Podemos dizer tudo mesmo? Ou só podemos dizer parte? A resposta para essa pergunta é complicada, se é que existe uma. E já adianto que não a encontraremos aqui (não procuramos respostas, lembra?). O que eu sei é que eu sinto dificuldade para falar "discordo" para algumas coisas. Inclusive, dependendo de quão delicado o assunto possa ser, tem sido prudente não citar explicitamente ao que nos referirmos enquanto damos nossa opinião, principalmente se ela for contrária, pois por mais que pensemos em todos os casos e tentemos nos precaver contra duplos sentidos, ou mesmo contra más interpretações, equivocadas ou propositadas, sempre haverá alguém que enxergará algo que não conseguimos enxergar e por conseguinte não pretendíamos dizer. Tarde demais, já terá sido dito, vamos precisar nos exilar. Confesso, fica até difícil de se fazer entender. Não se perdeu ainda no meu raciocínio? Às vezes eu me perco.

É estranho que, em um mundo tão cheio de oportunidades e vozes pró democracia, seja possível silenciar muitas bocas, inclusive legalmente. Seja na democracia, seja na aristocracia, seja na monarquia, seja lá qual for o tipo de governo, as minorias sempre tiveram o poder de gritar mais alto. A massa tem o direito de manter suas opiniões, mas em silêncio, sem gritaria. Um alto-falante quebrado.

Desviando: Ouvi alguém dizer há um bom tempo que a fé é um conceito criado providencialmente para justificar, ou explicar, uma série de coisas que não entendemos, de modo que nenhum tipo de esforço mental seja necessário (não se preocupe, não foi ninguém famoso). É bem possível que seja verdade, principalmente a parte do "providencial". Quanto dos nossos ideais e conceitos podem ser apenas providenciais de fato? Por exemplo, a mesma pessoa que tem, ou tinha, essa opinião sobre fé usava o amor como prerrogativa para sua opção de vida. Onde quero chegar? Será que o amor também não seja apenas um conceito criado providencialmente pelo ser humano para justificar uma série de escolhas que são feitas? Sempre tentando transferir a responsabilidade. Tenho a opinião particular de que nos comportamos como se toda regra tivesse uma exceção e cada um de nós fosse a exceção para aquilo que nos é pertinente.

Voltando: Tenho visto alguns pais "retrógrados" e alguns filhos "liberais" usarem a palavra amor para justificarem suas opiniões (já falei um pouco sobre amor aqui também). Eu tenho visto pais e filhos que choram e passam por cima de suas escolhas para aceitarem, ou agradarem ao outro. Tenho visto pais e filhos que não retrocedem, que lutam até as últimas consequências para serem obedecidos, ou aceitos. Então pergunto-me, quem tem o interesse de amar de verdade e quem só está usando o conceito como subterfúgio? Seria aquele que passa por cima de si mesmo pelo bem do outro? Ou o que luta até o fim para que sua ideia prevaleça custe o que custar? Não sei. Talvez essa questão fosse irrelevante se concordássemos mais com Voltaire e não com seus perseguidores.

Quem estamos tentando manter calado? E por quê? Quem é o "mocinho" e quem é o vilão? Eles existem mesmo? Por que nos esforçamos tanto para tentar calar aqueles que dizem o que não queremos ouvir? Por que quando o outro diz algo, isso nos afeta tanto, principalmente se for contrário ao que pensamos? Por que nossas opiniões não nos bastam, mas precisamos tanto que os outros concordem com elas? Quão resolvidos estamos com nós mesmos? A psicóloga Blenda de Oliveira já disse: "Pessoas equilibradas não sentem necessidade de expressar o que pensam sempre e nem de provar que estão com a razão. Fazem isso apenas quando julgam necessário e relevante". Isso faz eu me questionar, que tipo de pessoas são aquelas que levantam bandeiras, de várias cores? Isso faz eu me questionar, Voltaire era equilibrado ou desequilibrado? Isso faz eu me questionar, por que eu escrevo em um blog?

Enfim, eu acredito, mais agora do que antes, que Voltaire tinha razão com sua frase. Morrer pelo que se deseja ouvir parece ser bem menos difícil do que pelo que não se quer ouvir. De fato, o que nos mata mesmo, por dentro, é deixar falarem o que não gostaríamos que fosse dito. Porém, dessa forma, talvez todos nós conseguíssemos viver melhor. Um baita de um paradoxo.

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