quarta-feira, 22 de junho de 2016

Fisgados pelo Nariz

"Nenhum preço é alto demais quando se paga pelo privilégio de ser dono do próprio nariz."
Friedrich Nietzsche


O conceito entre o bem e o mal não é tão antigo quanto aparenta. Começou a despontar com Demócrito, através de seus significados absolutos, em 400 A.C., período da filosofia pré-socrática. Resume-se a avaliação de objetos, pessoas e comportamentos sob um espectro dualístico. O bem refere-se a aspectos pró vida, continuidade e felicidade, enquanto o mal destaca-se pelas características contrárias a estas. Porém, atualmente, está cada vez mais difícil separar os dois lados. Às vezes encontramos motivações maldosas no bem que é praticado e outras vezes até conseguimos identificar alguma nobreza em situações de cunho negativo. Não é à toa que os anti-heróis tem feito muito sucesso. Uma mistura entre o bem e o mal, o dia e a noite, deuses e homens. Tenho a opinião de que essa mescla é vital para que os Homens elevem-se à condição de deuses. Precisamos dar um jeito de explicar um Universo em que seus senhores podem ser imperfeitos. O que fazemos? Fundimos o bem com o mal.

Nesta matéria, sobre os dez momentos nos quais o "politicamente correto" passou dos limites, entre as várias situações bem intrigantes, uma chamou mais a minha atenção. Uma atleta brasileira foi assaltada e levou um tiro dos agressores. Ela foi entrevistada e questionada sobre o que gostaria de dizer aos bandidos...

"Entrevistador: Você diria alguma coisa aos rapazes que lhe assaltaram?
Vítima: Só consigo pensar em desculpas. Eu sinto muito, porque, infelizmente, o que aconteceu comigo é reflexo da sociedade em que vivemos.
Entrevistador: Você gostaria de pedir desculpas a eles?
Vitima: Sim.
Entrevistador: Por quê?
Vitima: Porque assim como fui vítima, eles são vítimas de tudo que vivemos hoje. É muito frustrante passar por uma situação como essa e ver que as pessoas se colocam nessas posições para sobreviver."

Uma dúvida me ocorreu, que tipo de discursos temos ouvido para que passemos a questionar o mal? Por que estamos ficando em dúvida sobre o que realmente é mau e o que de fato é bom? Quem tem feito esses discursos? São conclusões inevitáveis, ou são ideias alicerçadas tijolo a tijolo nas nossas mentes?

Desviando: Existe uma história antiga que diz que o Homem vivia na inocência. Naquele período, ele habitava o Paraíso. Em algum momento, por quaisquer que tenham sido as razões, o Homem deixou a pureza e fez distinção entre o bem e o mal. Conta a história que, a partir daquele instante, o Homem iniciou seu processo de decadência. Continuando na linha do tempo, agora olhando para o futuro, o mesmo livro faz uma previsão. Diz que chegarão tempos em que o Homem não mais distinguirá o bem do mal, mas os dois conceitos irão misturar-se em sua mente, por consequência, reverberando em tudo que seja proveniente de sua mão. O livro conclui que esse período será o último estágio da decadência. Será o período da autodestruição.

Voltando: Imagine que você possui um amigo que, frente a atual crise política e econômica, passa por sérias dificuldades financeiras. Ele acaba sendo despejado de casa, pois deixou de pagar as parcelas do financiamento imobiliário. Você, sensibilizado com a situação, oferece abrigo a ele e família até que possam equilibrar-se novamente. Poucos dias após instalarem-se na sua casa, acontece algo inesperado. O filho deste amigo faz um mal terrível ao seu(sua) filho(a). Algo chocante, "imperdoável" (imagine o que quiser). Você não sabe se chora de tristeza ou de raiva. Emocionalmente, você não consegue separar a responsabilidade do garoto da responsabilidade do amigo. Racionalmente, você sabe que precisa ponderar tudo com muita calma para chegar a melhor solução possível. Ou vice-versa. A culpa é do garoto, ou é do pai dele? O garoto é malvado, ou ele é a consequência da criação que recebeu? Do ponto de vista do seu(sua) filho(a), a culpa poderia ser sua, por ter aberto a porta de casa para "estranhos"? Ou foram todos vitimas da situação econômica e política do país?

Tudo bem, você poderia responder que nunca passaria por uma situação assim. Por que deveria ficar imaginando situações como esta? Talvez você tenha razão. Porém, os governantes europeus não podem dar essa mesma resposta, pois são justamente situações como estas que eles estão enfrentando, com as imigrações a partir de países do Oriente Médio. Algumas pessoas que fugiram de crises civis de seus países, que receberam abrigo, fizeram muito mal a mulheres europeias (filhas de alguém). Como resolver essa questão? Por mais que não aconteça diretamente conosco, é uma situação da qual fazemos parte. E o ponto é, nossos julgamentos estão distorcendo a fronteira entre o bem e o mal, ou esse limite nunca existiu de fato?

Sabe o que acontece quando o Homem perde-se em seus valores, tomando aquilo o que lhe é conveniente como certo ou errado? Abre-se a brecha para outro Homem apresentar um interesse que possa ser compartilhado. Então, o primeiro Homem, confuso, pode ser guiado cegamente. Já ouviu aquela famosa frase do conto "Alice no Pais das Maravilhas" que diz, "se você não sabe para onde vai, qualquer caminho serve"? Enfim, será que eu estou exagerando? A última experiência que tivemos com esse tipo de situação foi no período da Segunda Guerra Mundial, com Adolf Hitler. Aliás, a Segunda Grande Guerra foi uma das consequências das ações de um povo que deixou-se guiar, levianamente, por um líder que dizia conduzi-los à grande guinada para fora do caos.

Desviando: Sabe o que é interessante? O mesmo livro que citei no "desviando" anterior conta que quando os seres humanos, globalmente, perderem-se em seus valores, um homem surgirá com a resposta e os guiará ao seu próprio extermínio. Você acha que isso nunca mais poderá acontecer de novo? Então recomendo-lhe assistir o filme "A Onda", informar-se sobre a cadeia de eventos que embasaram o Terceiro Reich e comparar com o que tem acontecido nos dias de hoje, mundialmente. Não sei você, mas eu fico muito espantado com essas coisas. Se fosse eu quem tivesse escrito o livro que venho citando, eu colocaria essa frase no final, incluindo a interrogação: "Isso é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência (?)". Ou, talvez, eu apenas desse o nome de profecia.

Voltando: Nós não aceitamos mais fazer o que tem que ser feito apenas porque é o correto a se fazer. Nós relativizamos os conceitos, pois sempre há alguma conveniência. Nós não nos guiamos mais nem pela razão, nem pela emoção. Não nos guiamos mais nem pelo ceticismo, nem pela fé. Já falei aqui que, mesmo sabendo que temos 171.452 vezes mais chances de morrer a caminho da lotérica do que de ganhar na Mega-Sena, nós ainda assim escolhemos sair de casa para fazer uma aposta. Outro exemplo? Um religioso que segue uma vida reta porque tem medo de passar a eternidade sofrendo e não porque é o que deveria ser feito. Os ideais são avaliados em função de nossos interesses. Infelizmente, isso nos trará o caos um dia. Basta que a situação fique crítica o suficiente, então estaremos suscetíveis a liderança de alguém que apresente um caminho coletivo, que nos guie por entre os vales das nossas dúvidas, mesmo que não saibamos bem onde iremos chegar.

Minha conclusão? Não é que o bem e o mal não são tão bom e mau, respectivamente, mas o verdadeiro bem é muito mais sublime do que podemos imaginar e todo o resto é mau. Nós sentimos isso, mas não assumimos, pois é mais conveniente que tudo seja circunstancial. Pensar assim nos dá a sensação de que somos donos do próprio nariz, seja qual for o preço. Uma pena que não consigamos enxergar as consequências um palmo a frente deste mesmo nariz.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Um Otimista Idealista ou Pessimista Sem Expectativas?

"O que esse país realmente precisa é que alguém apague a luz no fim do túnel"
Millôr Fernandes


Semanas atrás, almoçando com amigos, eu fui questionado por um deles (é importante contextualizar que, naquele dia em específico, o processo de impeachment da até então presidente do Brasil seria analisado). A pergunta foi, "seus textos são somente filosóficos, ou você vai aproveitar a atual situação política do país e dar sua opinião?" Eu respondi, "não sabia que meus textos eram filosóficos." Aquele meu amigo conseguiu criar a inquietação em minha mente. A pergunta ficou lá, coletando informações, formando e estruturando uma raciocínio, até que finalmente, três ou quatro semanas depois, acabou virando um texto. Tudo bem, irei dar minha opinião sobre política, mas não sem ir mais além.

Desviando: Há muito tempo, vendo o programa Show do Milhão no SBT, eu ouvi o Silvio Santos fazer um comentário que nunca mais esqueci. O objetivo do jogo era responder perguntas de conhecimentos gerais, acumulando dinheiro a cada acerto. Quando o participante tivesse somado um montante considerável, as regras do jogo forçavam-no a arriscar nas perguntas seguintes o que ganhara nas anteriores. Um dos participantes, tendo acumulado uma quantia significativa em dinheiro, abandonou o jogo praticamente na reta final. Ele ficou com o que tinha conquistado e desistiu de seguir em frente até a pergunta de um milhão. Foi aí que o Silvio Santos fez o comentário. Não lembro exatamente as palavras, mas foi praticamente isso: "Você começou o jogo com algum dinheiro? Tudo o que você ganhou até aqui era seu? Então porque você está com medo de arriscar aquilo que você nunca teve na tentativa de conquistar mais?"

Voltando: Recentemente, um pensamento veio a minha mente. Se eu fosse eterno, provavelmente viveria todos os meus dias sempre iguais, pois as possibilidades de viver um dia diferente seriam infinitas. Eu teria incontáveis chances de escolher diferente quando quisesse. Continuei ponderando... Se eu fosse eterno e tentasse imaginar uma vida finita, provavelmente eu diria que, nesse caso, aproveitaria ao máximo a minha vida diariamente, sabendo que ela poderia acabar a qualquer momento.

Eu aprendi três lições com esse raciocínio. Primeiro, eu vivo uma vida finita como se ela fosse infinita. Segundo, o meu planejamento nunca condiz com a realidade, ou seja, quando a situação idealizada se torna realidade, não faço o que digo que faria. Eu penso em possibilidades diferentes apenas pelo prazer de imaginar outro contexto. Terceiro, eu tenho muito medo de perder o que nunca foi meu.

Desviando: Em certo trecho de um discurso, Steve Jobs fala sobre o fim da vida. Transcrevo as palavras dele.

"Pelos últimos 33 anos, eu olho-me no espelho toda a manhã e questiono-me: 'e se hoje fosse o último dia da minha vida, eu faria o que eu estou prestes a fazer hoje?' E mesmo que a resposta tenha sido não para muitos dias seguidos, eu sei que preciso mudar alguma coisa. Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que encontrei para ajudar-me a fazer grandes escolhas na vida. Porque quase tudo, todas as expectativas externas, todo orgulho, todo medo do constrangimento ou fracasso, essas coisas simplesmente somem frente a morte, restando apenas o que é verdadeiramente importante. Lembrar-se que você vai morrer é a melhor maneira que conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu, não há razão para não seguir seu coração. (...)"

Voltando: Eu particularmente não acredito em "vida loka". Então, o que eu projeto como vida plena? Deixe-me refletir um segundo... Ah sim. Pense em tudo o que existe no mundo e que é bom, mas que não foi construído pelo homem, ou não sofreu sua interferência. Não vou dar exemplos, pois não quero ser tendencioso. Eu sinto-me desapontado comigo mesmo, por ajudar a esculpir um mundo em que as coisas que consideramos boas estão sendo fabricadas. E fico mais frustrado ainda em reconhecer que tenho medo de apostar o que eu nunca tive para conquistar o que é bom de fato. Paradoxalmente, se eu tivesse a vida que idealizo, provavelmente eu ainda iria querer construir um mundo diferente.

Onde eu quero chegar com todo esse discurso? Eu estou tentando dizer que, como ser humano, é de minha natureza acreditar que "a grama do jardim do vizinho é sempre mais verde que a grama do meu jardim", mesmo que o vizinho não tenha um jardim. E para continuar acordando de manhã, levantando da cama, eu transfiro o vazio que eu sinto para causas tangíveis, como um emprego, um cargo, uma casa, um relacionamento, a política. Tão logo um objetivo seja conquistado, outro propósito precisa ser criado, para que o ciclo se reinicie. Quando isso vai terminar? Nunca, pois eu tenho uma fome e uma sede que não serão saciadas por nada que eu possa fazer. Cortinas de fumaça, iludindo-me a acreditar que um dia o ciclo se encerrará. Tudo isso para que eu não precise olhar para dentro, para o meu próprio jardim, para a verdade, de que eu sou limitado.

Talvez agora seja a hora de dar a minha opinião sobre política. Pense nas principais civilizações humanas da história. Tenha em mente os Sumérios, Babilônios, Assírios, Egípcios, Hebreus, Persas, Fenícios, China Antiga, Grécia Antiga, Roma Antiga, Império Bizantino, Império Mongol, Idade Média, Império Otomano, América Pré-Colombiana, Europa, Alemanha, Rússia, EUA e até o Brasil. Dentro do Brasil vamos nos lembrar do Império, da Republica e da Ditadura Militar. Pense no primeiro presidente brasileiro após a Ditadura e que foi deposto. Pense na presidente atual, do partido de esquerda, a esperança de mudança e que também está sofrendo processo de impeachment. Responda, quando o ciclo se encerrará? Quando vai melhorar? Com quem vai melhorar? A partir de qual governo as coisas serão mesmo diferentes? A humanidade está mesmo evoluindo? Os dias de hoje são menos violentos? Passa-se menos fome? Respeita-se mais? Os interesses atuais são mais nobres do que foram nas civilizações passadas? Que plano, que ação, que revolução foi realmente eficaz? Tudo bem, atualmente temos o sofá, a TV, o controle remoto, o celular, a Internet e o quarto com banheiro (para quem pode tê-los). Talvez as coisas realmente tenham melhorado um pouco (espero que tenha entendido que tentei ser irônico).

Por piores que sejam e mereçam mesmo a punição, os depostos de todas as civilizações não passaram e não passam de "bois de piranha", mais uma vez a cortina de fumaça, para que um novo ciclo possa recomeçar. Assim tira-se a atenção do verdadeiro responsável pelo mundo construído, nós mesmos. Nós ficamos sempre lutando contra um vilão que está lá fora, pois se ele está lá, não pode estar aqui. Se o bicho-papão é ele, não pode ser eu. Todos os problemas deveriam ter sido resolvidos por ele, mas não foram, então é hora de colocar outro ele no lugar. Assim, não precisamos assumir o fato de que não conseguiremos.

Enfim... Se eu não consigo transformar a minha essência através das minhas próprias forças, assim como a humanidade nunca terá um futuro diferente do que teve nos últimos dez mil anos, então a última opção é algo além, para que sejamos completos, para que sejamos plenos, para que a humanidade evolua no mais absoluto do sentido da palavra. Não adianta mais continuar me enganando, o mundo nunca ficará melhor através das minhas mãos, o que me conduz a uma última esperança, de que a solução só poderá vir de longe.

"Eis que eu lhes digo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados. Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade."
1 Coríntios 15:51-53

Talvez eu não seja tão pessimista, mas seja um baita de um otimista, visto que eu não tenho mais a expectativa sobre as promessas dos homens, porém esteja susceptível as promessas excelsas. Ou eu sou mesmo um pessimista sem expectativa nenhuma, ou eu sou um otimista bem idealista. No entanto, não descarto a possibilidade de que os dois conceitos sejam meros sinônimos.

Agradecimento: ao FOS, que perguntou-me se eu escreveria um texto sobre a atual situação política do Brasil e que acabou inspirando o texto de hoje.

Abraço: aos amigos RLC, PB e RT, que também estiveram junto no almoço relembrando tempos bons.