sexta-feira, 30 de junho de 2017

Em Boca Fechada Não Entra Mosca

"Preciso aprender a andar sozinho, para ouvir minha própria voz."


O som é uma onda mecânica que se propaga em meios materiais, como sólidos, líquidos e gases. No ar, por exemplo, a velocidade do som é de aproximadamente 1247 km/h. Isso equivale a dizer que, viajando a essa velocidade, levaríamos aproximadamente 24 minutos para nos deslocarmos da cidade de São Paulo à cidade do Rio de Janeiro. E mais, que leva somente 0,0006 segundos para ouvirmos nossa própria voz. Se é que somos mesmo capazes de escutar o que sai de nossas bocas.

Recentemente tivemos o caso do garoto que, supostamente, tentou roubar a bicicleta de um deficiente físico. Ele foi pego em "flagrante" por um tatuador, vizinho do dono da bicicleta, que gravou em sua testa as seguintes palavras: "eu sou ladrão e vacilão". Tudo foi registrado em vídeo por uma terceira pessoa que, ironicamente, já cumpriu pena por roubo.


Descrevi a ocorrência levantando a dúvida, pois tudo o que se sabe foi o que o vídeo mostrou e o que o tatuador disse na gravação. São as palavras de um contra as palavras do outro. Qual é a verdade? Não quero entrar nessa discussão. Tampouco quero estender-me demais nesse assunto, pois acredito que existam tantas outras pessoas sofrendo problemas tão sérios quanto, e sem haver quem grite por elas.

Minha intenção é citar outra situação. Uma pessoa que conheço, ao ler que estavam arrecadando doações para remover a tatuagem da testa do garoto, disse: "Estão preocupados com um ladrão? Esse moleque tem que sofrer mesmo. Bandido bom é bandido morto. Tem que deixar a tatuagem na testa dele." Esclareço que não foi necessariamente essa opinião que deixou-me pasmo. Não é a primeira vez que testemunho uma pessoa ser mais influenciada pelo que dizem do que pelo que é fato. O que intrigou-me mesmo explicarei a seguir.

Segundos depois (eu disse segundos depois) de tecer aqueles comentários, essa mesma pessoa viu um vídeo, quase uma pregação, sobre não julgar os outros pela aparência. Um belo discurso sobre olhar além da casca, ver sempre o valor das pessoas além de suas falhas e de suas fraquezas. Ao terminar de ver o vídeo, essa pessoa falou em alto e bom som: "Poxa, que mensagem bonita. Realmente, nosso mundo está precisando de mais amor, mais compreensão, mais compaixão, mais pessoas querendo melhorar o mundo."

Não consigo usar palavras para expressar minha sensação melhor do que a imagem abaixo consegue fazê-lo.


Não estou relatando o que me contaram. Eu estava lá. Eu vi e ouvi. Fiquei chocado. Fiquei quieto. Fiquei tentando pensar em todas as porcarias que eu devo falar sem perceber, para poder arrepender-me delas.

Desviando: Imagine que existam dois lojistas concorrentes na mesma rua. O primeiro lojista adquire, com seus fornecedores, produtos sem notas fiscais, sonegando impostos. O segundo lojista exige notas completas e, consequentemente, acaba vendendo os produtos a um preço mais elevado do que o primeiro. Um cliente qualquer, comparando os preços, sai da loja mais cara e, dirigindo-se a loja mais barata, diz: "o dono dessa loja é um ladrão, explora o povo, vende os produtos duas, até três vezes mais caros que o comerciante lá do fim da rua." No fim do dia, já em casa, ao ver as notícias do país, o mesmo consumidor se pergunta, em voz alta: "como nossos governantes conseguiram afundar nossa nação nessa crise política sem precedentes?"

Há uma ideia, não consegui descobrir o autor, que diz o seguinte: "ao avaliarmos uma situação, nós não procuramos por respostas, mas procuramos pelas respostas que queremos encontrar."

Voltando: Nós ouvimos as nossas próprias palavras? Talvez procuramos por verdades circunstanciais, úteis para validar nossas escolhas e ficarmos seguros delas. O quanto acreditamos em uma verdade absoluta e o quanto queremos adaptar a verdade às nossas necessidades? O quanto algo é e o quanto forçamos que seja?

Enquanto fazia essas perguntas, lembrei-me do vídeo abaixo, do historiador Leandro Karnal, falando muito bem sobre verdades customizáveis. E como já fiz aqui, aqui e aqui, uso menos das  minhas palavras neste texto, assim poderemos apreciar o vídeo à tempo de conferir no celular a cacatua dançando ao som de Bob Marley.


Enfim, fico imaginando o que pode haver dentro de minha boca que obrigue-me a fechá-la para impedir que moscas sejam atraídas para dentro dela.

2 comentários:

  1. Muito bom esse post Sandrini! Gostei desse trecho "ao avaliarmos uma situação, nós não procuramos por respostas, mas procuramos pelas respostas que queremos encontrar." É muito adequado ao mundo corporativo. Eu fiquei feliz essa semana pq eu estava sem tempo para entrar na internet e agora q entrei vi que tinha dois posts seus que eu não li. Muito bom. Me fazem refletir bastante. Obrigado por compartilhar com a gente os seus pensamentos e colocações. Um grande abraço Sandrini.

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    1. Oi Luciano. Sou eu quem lhe agradece por separar um tempo para ler os textos. Um abração.

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