domingo, 28 de maio de 2017

O Inferno é Cheio de Boas Intenções

"Não basta fazer coisas boas, mas é preciso fazê-las bem."
Santo Agostinho


Recentemente eu li esse texto do economista e escritor Rodrigo Constantino, na página da Gazeta do Povo. Vou transcrevê-lo quase na íntegra, excluindo apenas a opinião do autor, pois quero dar a minha própria.

"Em uma ampla entrevista na última terça-feira, a ícone feminista Gloria Steinem disse à Refinery29 que a mudança climática pode estar diretamente relacionada à falta de aborto. Steinem, de 83 anos, que ajudou a popularizar a controversa camiseta 'Eu fiz um aborto', disse ao site que a mudança climática é uma ‘questão feminista’ porque a superpopulação mundial poderia ter sido evitada se os abortos fossem mais facilmente acessíveis às mulheres.

'Ouça, o que causa a mudança do clima é a população', disse ela. 'Se não estivéssemos forçando sistematicamente mulheres a ter filhos que não querem ou não podem cuidar durante os 500 anos de patriarcado, não teríamos os problemas climáticos que temos. Essa é a causa fundamental da mudança climática. Mesmo que o Vaticano não nos diga isso. Além disso, porque as mulheres são as principais trabalhadoras agrícolas no mundo, e também as portadoras de água e as alimentadoras de famílias e assim por diante, é um fardo desproporcional'.

Durante a entrevista, Steinem também aproveitou a oportunidade para atacar Ivanka Trump, filha do presidente. Quando perguntada pelo entrevistador se ela achava que Ivanka era uma feminista, Steinem disse: 'Ninguém na terra acha que ela é uma feminista, você está brincando comigo?' E observou que Ivanka nem sequer tenta defender o feminismo. 'Eu não a vi levantando e dizendo que as mulheres deveriam ter o direito de controlar seus próprios corpos e decidir quando e se ter filhos, não', disse Steinem.

'Eu a vi sendo entrevistada pela Cosmopolitan, e ela foi perguntada sobre sua política de licença de maternidade, mas é só se você fisicamente dar à luz. Não é para pais adotivos, não é para pais. Essa é a mesma política de qualquer regime autoritário na Terra que conheço, incluindo a Alemanha de Hitler', disse Steinem. 'Eu não estou dizendo que ela sabe disso, mas estavam pagando mulheres para ter filhos. Por acidente, talvez, essa é a sua política'."

Tudo bem, vou expor pelo menos uma das opiniões do autor do artigo, pois coincide com uma das minhas também. Gloria está comparando incentivos a maternidade  com o Nazismo?

Desviando: Suzanne Venker e Phyllis Schlafly, no livro “O Outro Lado do Feminismo”, listam os dez mandamentos feministas.

1 - Faça muito sexo com muitos homens diferentes.
2 - Você é livre para fazer um aborto a qualquer hora por qualquer razão.
3 - Ignore seu relógio biológico e, se necessário, crie novos métodos de concepção.
4 - Invista em carreiras que exijam bastante e pague outras mulheres para criar/educar seus filhos.
5 - Não sinta-se culpada por investir em carreiras que exijam bastante e por pagar outras mulheres para criar/educar seus filhos.
6 - Você é livre para se divorciar a qualquer hora e manter a custódia dos filhos.
7 - Faça inseminação artificial se você não se casar, mas ainda assim quiser ter filhos.
8 - Deprecie os homens até que a masculinidade deles desapareça.
9 - Não tome o sobrenome de seu marido.
10 - Menospreze todas as donas de casa e mulheres conservadoras.

Poxa, o terceiro, o oitavo e o décimo são bem fortes. Porém, não pense que as autoras do livro concordam com os mandamentos. Para esclarecer, segue a sinopse da publicação:

"Rejeitar o feminismo significa rejeitar a igualdade para as mulheres? Suzanne Venker e Phyllis Schlafly dizem que não, porque não é disso que trata o feminismo. Rejeitar o feminismo significa reconhecer que as mulheres não precisam do feminismo para fazê-las iguais aos homens porque já são iguais a eles - elas e eles apenas não são o mesmo. Reconhecer que o feminismo falhou em sua missão, que é baseado em premissas e argumentos falsos, e que ele leva a uma barreira entre homens e mulheres, e até mesmo entre mulheres e mulheres, é um primeiro passo para se recuperar. E cabe às mulheres sensatas pôr um fim nisso tudo."

Desviando do desvio: Há um monumento erguido pela Ordem Rosacruz, no estado da Georgia, EUA. Nele estão expostos os dez mandamentos da Nova Ordem Mundial e o primeiro da lista é, "manter a população mundial abaixo de 500 milhões". Eu poderia perguntar, quem se habilitaria em ceder o seu lugar? Talvez os integrantes da Rosacruz tenham feito essa mesma pergunta e o grupo não exista mais. Aliás, já falei aqui sobre colocar nossos princípios à prova.


Voltando tudo: As declarações de Gloria Steinem, desta vez revestindo o feminismo com um ativismo ambientalista, validam o vídeo que citei neste post, da especialista Isabela Mantovani, apresentando dados que demonstram que a ideologia do aborto é uma estratégia para controle populacional.

Se a senhora Steinem sugerisse a redução de investimentos na saúde ou na produção de alimentos, uma vez que o crescimento populacional está ligado diretamente a esses aspectos, nós os tomaríamos por ideais ao invés do objetivo verdadeiro, a redução do número de pessoas vivas? Por que o aborto tornou-se a causa a ser defendida? Isso é o que me deixa chateado. Nós tomamos os métodos como se fossem os ideais e, nesse caso, passamos a defender interesses alheios. Somos vulneráveis e vivemos como se fossemos donos dos nossos próprios narizes.

Desviando de novo: Se levarem as afirmações e as perguntas até o ponto certo, podem fomentar em nós o ativismo ou o idealismo que desejarem. Eu não tenho uma conta no facebook, mas fiquei sabendo da figura abaixo:


Concordo com a mensagem em gênero, número e grau, mas com uma única exceção, ela está incompleta. E uma vez que seja parcial, ela passa a ser tendenciosa e manipuladora. Ela deixa de defender um ideal e passa a defender um interesse. Explico minha opinião, o que faltou nessa figura foi uma segunda pergunta: "e se você fosse cego, desejaria fazer tatuagens?"

Voltando: Quais são os ideias com os quais concordamos? Pensamos sobre eles? Nós os buscamos, ou eles nos encontraram? Sabemos o que significam, ou queremos ser aceitos? Nossas escolhas tem alguma relação com o número de pessoas que concordam com elas? Refletimos sobre os princípios de outrem, ou suas influências são suficientes? Somos alienados, desinteressados, negligentes, egoístas, ou achamos que o preço não vale a pena? Somos definidos por nossas palavras, nossas ideias ou nossas vidas?

O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
1 Coríntios 13: 4-7

terça-feira, 9 de maio de 2017

Por que a Galinha Atravessa a Rua?

"A expectativa é o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente"
Sêneca


No conto "A História da Sua Vida", Ted Chiang faz menção ao Princípio de Fermat. Resumidamente, ao se deslocar entre dois pontos, a luz percorre o caminho cujo tempo seja o menor possível. Pense no trajeto da figura abaixo, traçado do ponto A (no ar) para o ponto B (na água). Como o índice de refração da água é diferente do índice do ar, o feixe de luz é desviado ao atravessar a interface. A trajetória que a luz cruza é indicada pelo número 1 e é a de menor tempo entre todas as possibilidades. O caminho hipotético de número 2 é o mais curto (uma linha reta). Porém, uma percentagem maior do trajeto total é executado na água, onde a luz levaria mais tempo para se deslocar. Já o caminho 3 reduziria o percentual executado na água, mas desta vez a distância total é maior, culminando também em mais tempo.


Entre todos os aspectos que Ted Chiang trata no conto, para esse princípio, está aquele que é transcendental, quase teológico. Como se a luz soubesse o caminho que irá percorrer antes de iniciar a sua jornada e, então, decidisse por aquele que leva menos tempo. Contudo, eu não consegui deixar de lembrar que o mesmo autor, desta vez no conto "Divisão por Zero", disse que a matemática é uma ilusão. Não como um mágico que esconde cartas dentro da manga da camisa, mas como alguém que usa os nós dos dedos das mãos para saber quais meses possuem 30 ou 31 dias.

Desviando: William P. Young disse em seu livro "A Cabana" que acreditar em Deus é a experiência de maior força de liberdade, pois não podemos oferecer nada capaz de acrescentar ou diminuir o que Ele é. Isso traz, então, uma grande sensação de alívio, pois elimina qualquer exigência ou padrão de comportamento.

Ao comentar seu próprio conto, desta vez "O Inferno é a Ausência de Deus",  Ted Chiang diz:

"Pensar em desastres naturais me levou a refletir sobre a questão do sofrimento dos inocentes. Uma variedade enorme de conselhos foi dada a partir de uma perspectiva religiosa para aqueles que sofrem, e parece claro que não há uma resposta única que possa satisfazer a todos; aquilo que conforta uma pessoa inevitavelmente parece ultrajante para outra. Considere o Livro de Jó como exemplo.

Para mim, um dos aspectos insatisfatórios sobre o Livro de Jó é que, no fim, Deus o recompensa. (...) Por que Deus, afinal, devolve a sorte de Jó? Por que o final feliz? Uma das mensagens básicas do livro é que a virtude nem sempre é recompensada; coisas ruins acontecem com pessoas boas. Jó, no fim, aceita isso, demonstrando virtude, e é recompensado depois. Isso não enfraquece a mensagem?"

Cheguei a um conflito pensando sobre esses dois raciocínios, de Young e de Ted Chiang. Se eu disser que não há obrigação que me prenda a Deus e mesmo assim eu for uma pessoa abençoada, a questão pode ser revertida para: "Deus faz acepção de pessoas, uma vez que eu tenho uma vida abençoada e o outro não?" Porém, se eu associar uma vida abençoada ao cumprimento de obrigações, então eu tiro o mérito de um amor incondicional da parte de Deus e coloco em cheque Sua perfeição. Partindo da consideração de que Deus é perfeito, a contradição entre os dois raciocínios acima só pode resumir-se a um ponto, ao conceito que tenho sobre bênçãos, ou o significado que dou a elas. Em resumo, o problema só pode ser a expectativa. Também podemos assumir simplesmente que Deus não existe, nesse caso não temos mais nada o que evoluir e esse texto termina aqui.

Voltando: A luz simplesmente segue sua trajetória sem preocupar-se onde vai chegar, sem mesmo ao menos saber que está indo. Tentar encontrar uma resposta metafísica para o Princípio de Fermat seria o mesmo que acreditar que a água de uma cascata escolhe descer, pois sabe que se decidisse subir ela escaparia do planeta. Nós tentamos usar a matemática para encontrar as causas dos fenômenos da Natureza e do Universo, mas nunca vamos encontrá-las. A ciência só pode dizer como são. Interessante, lembrei-me agora como Deus se apresentou a todos aqueles que perguntaram seu nome, como "Eu Sou".

Não pude deixar de perceber, mais uma vez, que o problema somos nós. Temos implantado em nossas mentes noções de expectativas, de causa e efeito. Como se a luz tivesse o objetivo de ir do ponto A para o B, e escolhesse a forma mais rápida de fazer isso. Como se pudéssemos chegar com nossas próprias mentes, ferramentas, filosofias e religiões aos motivos pelos quais as coisas são como são. Como se ao menos fossemos capaz de entender. Como se existisse um padrão. Nós mesmos construímos as correntes que nos prendem (já falei disso aqui).

Infelizmente, nós vivemos presos às expectativas. Tente imaginar a viagem que poderíamos experimentar se fossemos livres delas. Porém, no mundo que construímos para nós, falar em ausência de expectativas é quase um sacrilégio. Ou você é acomodado, ou é deprimido. E entenda bem, não estou falando de cultivar expectativas negativas para ser surpreendido por resultados positivos, pois isso também é ter expectativas, mas com um viés diferente.
"Por que chorar por fatos da vida quando toda ela é motivo de lágrimas?"
Sêneca

"Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens."
1 Coríntios 15:19

Já falei aqui que não há nada que nossa realidade possa nos oferecer que venha a preencher plenamente o vazio que temos. São apenas vislumbres da plenitude. Agora percebo que saber disso me faz experimentar uma noção maior de liberdade, mesmo que também seja apenas uma sombra.

Enfim, a galinha não atravessa a rua, mas fomos nós que construímos a pista, separando dois lados e criando a distração de ter que atravessá-la.