"A expectativa é o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente"
Sêneca
No conto "A História da Sua Vida", Ted Chiang faz menção ao Princípio de Fermat. Resumidamente, ao se deslocar entre dois pontos, a luz percorre o
caminho cujo tempo seja o menor possível. Pense no trajeto da figura abaixo, traçado
do ponto A (no ar) para o ponto B (na água). Como o índice de refração da água
é diferente do índice do ar, o feixe de luz é desviado ao atravessar a
interface. A trajetória que a luz cruza é indicada pelo número 1 e é a de menor
tempo entre todas as possibilidades. O caminho hipotético de número 2 é o mais
curto (uma linha reta). Porém, uma percentagem maior do trajeto total é
executado na água, onde a luz levaria mais tempo para se deslocar. Já o caminho
3 reduziria o percentual executado na água, mas desta vez a distância total é
maior, culminando também em mais tempo.
Entre todos os aspectos que Ted Chiang trata no conto, para esse princípio,
está aquele que é transcendental, quase teológico. Como se a luz soubesse o
caminho que irá percorrer antes de iniciar a sua jornada e, então, decidisse
por aquele que leva menos tempo. Contudo, eu não consegui deixar de lembrar que
o mesmo autor, desta vez no conto "Divisão por Zero", disse que a matemática é uma ilusão. Não como um mágico que esconde
cartas dentro da manga da camisa, mas como alguém que usa os nós dos dedos das
mãos para saber quais meses possuem 30 ou 31 dias.
Desviando: William P. Young disse em seu livro "A Cabana" que acreditar em
Deus é a experiência de maior força de liberdade, pois não podemos oferecer
nada capaz de acrescentar ou diminuir o que Ele é. Isso traz, então, uma grande
sensação de alívio, pois elimina qualquer exigência ou padrão de comportamento.
"Pensar em desastres
naturais me levou a refletir sobre a questão do sofrimento dos inocentes. Uma
variedade enorme de conselhos foi dada a partir de uma perspectiva religiosa
para aqueles que sofrem, e parece claro que não há uma resposta única que possa
satisfazer a todos; aquilo que conforta uma pessoa inevitavelmente parece
ultrajante para outra. Considere o Livro de Jó como exemplo.
Para mim, um dos
aspectos insatisfatórios sobre o Livro de Jó é que, no fim, Deus o recompensa.
(...) Por que Deus, afinal, devolve a sorte de Jó? Por que o final feliz? Uma
das mensagens básicas do livro é que a virtude nem sempre é recompensada;
coisas ruins acontecem com pessoas boas. Jó, no fim, aceita isso, demonstrando
virtude, e é recompensado depois. Isso não enfraquece a mensagem?"
Cheguei a um conflito pensando sobre esses dois raciocínios, de Young e
de Ted Chiang. Se eu disser que não há obrigação que me prenda a Deus e mesmo
assim eu for uma pessoa abençoada, a questão pode ser revertida para: "Deus faz
acepção de pessoas, uma vez que eu tenho uma vida abençoada e o outro não?" Porém, se eu associar uma vida abençoada ao cumprimento de obrigações, então eu
tiro o mérito de um amor incondicional da parte de Deus e coloco em cheque Sua
perfeição. Partindo da consideração de que Deus é perfeito, a contradição entre
os dois raciocínios acima só pode resumir-se a um ponto, ao conceito que tenho
sobre bênçãos, ou o significado que dou a elas. Em resumo, o problema só pode
ser a expectativa. Também podemos assumir simplesmente que Deus não existe,
nesse caso não temos mais nada o que evoluir e esse texto termina aqui.
Voltando: A luz simplesmente segue sua trajetória sem preocupar-se onde
vai chegar, sem mesmo ao menos saber que está indo. Tentar encontrar uma
resposta metafísica para o Princípio de Fermat seria o mesmo que acreditar que
a água de uma cascata escolhe descer, pois sabe que se decidisse subir ela escaparia
do planeta. Nós tentamos usar a matemática para encontrar as causas dos
fenômenos da Natureza e do Universo, mas nunca vamos encontrá-las. A ciência só
pode dizer como são. Interessante, lembrei-me agora como Deus se apresentou a
todos aqueles que perguntaram seu nome, como "Eu Sou".
Não pude deixar de perceber, mais uma vez, que o problema somos nós.
Temos implantado em nossas mentes noções de expectativas, de causa e efeito. Como
se a luz tivesse o objetivo de ir do ponto A para o B, e escolhesse a forma mais
rápida de fazer isso. Como se pudéssemos chegar com nossas próprias mentes,
ferramentas, filosofias e religiões aos motivos pelos quais as coisas são como
são. Como se ao menos fossemos capaz de entender. Como se existisse um padrão.
Nós mesmos construímos as correntes que nos prendem (já falei disso aqui).
Infelizmente, nós vivemos presos às expectativas. Tente imaginar a
viagem que poderíamos experimentar se fossemos livres delas. Porém, no mundo
que construímos para nós, falar em ausência de expectativas é quase um
sacrilégio. Ou você é acomodado, ou é deprimido. E entenda bem, não estou falando
de cultivar expectativas negativas para ser surpreendido por resultados
positivos, pois isso também é ter expectativas, mas com um viés diferente.
"Por que chorar por fatos da vida quando toda ela é motivo de lágrimas?"
Sêneca
"Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens."
1 Coríntios 15:19
Já falei aqui que não há nada que nossa
realidade possa nos oferecer que venha a preencher plenamente o vazio que temos.
São apenas vislumbres da plenitude. Agora percebo que saber disso me faz
experimentar uma noção maior de liberdade, mesmo que também seja apenas uma
sombra.
Enfim, a galinha não atravessa a rua, mas fomos nós que construímos a pista,
separando dois lados e criando a distração de ter que atravessá-la.
Nenhum comentário:
Postar um comentário