"Conhece-te a ti mesmo"
Entrada do templo de Apolo em Delfos, Grécia
Nesta matéria de março de 2016, na revista VEJA, consta que John Kerry, secretário de
Estado Americano, afirmou que os ataques do grupo jihadista Estado Islâmico contra cristãos representam um genocídio. A primeira observação que faço
sobre a reportagem é que o Departamento de Estado Americano está há meses
tentando decidir se classifica os ataques contra os cristãos como limpeza
étnica e genocídio. A segunda observação refere-se a opinião dos funcionários
do governo americano, de que mesmo que os atos sejam classificados como um
extermínio, isso não implicará que os EUA intensifiquem a campanha militar
contra os jihadistas. Sabe o que me intrigou mesmo? Eu me identifiquei com a
segunda observação, mas vamos com calma.
Apenas para adicionar alguns dados, esse texto de 2015, também na VEJA, menciona que em torno de 100 mil cristãos tem
sido mortos por ano no mundo desde 2012. Há também essa outra reportagem do dia 26 de dezembro de 2016, agora do Jornal
da Band, apontando que, apenas no Iraque, a população de cristãos caiu de uma
faixa entre um milhão e meio a dois milhões no ano de 2003 para 350 mil em
2016. Bem, de março de 2016 para cá, eu não acompanhei as conclusões do
Departamento de Estado Americano, para saber se chegaram a alguma conclusão
sobre como classificar o assassinato de pessoas que acreditam em Jesus Cristo.
Aliás, pensando agora, cheguei a uma conclusão, a principal faceta dos cristãos
é que eles morrem por sua crença ao invés de matarem.
Desviando: Já ouviu aquela máxima de que políticos só executam obras que
lhes rendem votos? Raros são os casos de melhorias em merenda escolar, em atendimento
médico, em policiamento, educação, em tributos etc. Sempre faltam recursos.
Porém, basta entrarmos no ano eleitoral e vemos sinalizações de transito serem
pintadas nas ruas, praças serem revitalizadas, gramas serem aparadas nos
canteiros etc. Na eleição de 2016, um governo da região onde vivo trocou todo o
asfalto de uma pista que estava perfeita. Sei disso porque eu passo lá todos os
dias e acompanhei o antes, o durante e o depois.
Voltando: A observação que fiz, sobre os funcionários do governo
americano não verem motivo para intensificar o combate contra o Estado Islâmico,
mesmo que cristão estejam sendo dizimados, fez eu refletir sobre o quanto eu
sei de mim mesmo. Eu sou mesmo o que eu acredito ser? Eu sou do tipo que executa
o que rende votos, ou do tipo que faz o que tem que ser feito? Pois bem, vamos
fazer uma avaliação do que eu chamo de "minha fé", por exemplo. Para ser mais
exato, não é um exemplo, mas sim pertinente.
Eu daria contribuições em dinheiro a uma igreja para que ela pudesse
ajudar os necessitados e pagar as contas de água, energia e aluguel do local
que eu frequentaria aos domingos? Apesar de estar ciente de que hoje eu estou
em "dívida" com relação a esse quesito, mas considerando que já fiz muito disso,
minha resposta é sim, contribuiria. Eu ajudaria pessoas passando por
dificuldade? Sim, já fiz isso também e continuo sempre alerta. Tomando o exemplo
dos cristãos que estão sendo mortos por causa do que acreditam, se alguém
invadisse a minha casa, colocasse uma arma em minha cabeça e pedisse para que
eu negasse a "minha fé", caso contrário eu seria morto, então eu negaria? Eu
concordo, é difícil imaginar por que alguém ameaçaria outra pessoa desta forma,
mesmo sabendo que isso acontece lá no Iraque. Porém, como estamos no campo da
especulação e continuando nele, eu diria que não, não negaria "minha fé" e provavelmente
seria morto. Faço minha autoavaliação sob o seguinte aspecto: "não seja covarde
pelo menos uma vez na vida, nem que seja para ter coragem apenas no seu último
instante de existência".
Interessante, talvez a mensagem que possa ficar seja, "está aí um grande
exemplo de cristão". Porém, cá entre nós, essas provas qualificam-me mesmo como um
cristão verdadeiro? O teste que estou usando para julgar a minha fé é o mais
correto? É o mais completo? É o que valida de fato que eu seja o que eu digo
ser? Acho que não.
Que fique claro que não estou querendo avaliar as pessoas que de fato
estão morrendo por sua fé, colocando em cheque seus feitos, pois além de darem
suas vidas, tenho certeza que elas passam inúmeras outras dificuldades diárias
que ratificam a grandeza de suas convicções. O que eu estou julgando aqui é a
mim, mas não eles. Quem sou eu?
Quando esse tipo de avaliação é aplicada a mim, eu não passo de um
político tentando angariar votos para a próxima eleição, executando apenas
aquelas obras que vão expor o meu nome positivamente aos eleitores. Fiquei
pensando bastante e cheguei a conclusão que o teste correto seria outro. Eu me
manteria humildemente em silêncio quando tivesse aquela enorme vontade de me
gabar com relação a algum feito de sucesso? Eu deixaria de contar alguma "mentirinha"?
As aspas e o diminutivo são porque sabemos bem que, assim como não existe meio
buraco, não existe meia mentira. Eu preferiria sofrer a injustiça ao invés de
revidar, apenas para que a corrente de que o mais forte sempre vence e de que o
mais violento sempre conquista terminasse em mim? Além de morrer pelo
cristianismo, eu morreria por outra pessoa?
Hum, agora parece que não sou tão cristão assim. Não porque eu não queira,
mas porque sei que não conseguirei ser aprovado em todas as vezes, ou na
maioria delas, ou nunca. E neste momento, tão espontâneo quanto incompleto, seria
pensar que eu apenas tenho que melhorar nos aspectos fracos de minha fé. Ééé,
não. O correto mesmo seria passar a avaliar os demais sob o mesmo prisma, de
que talvez todos estejam tentando e igualmente falhando por pura limitação,
seja lá qual for a dificuldade de cada um. Hum, parece começar a querer
despontar um sinal de cristianismo autêntico.
Além disso, nós todos sabemos que o menos necessário é alguém apontando
seus fracassos ao tom de, "eu avisei", "quem diria, justo o senhor cristão" etc.
Alguém disse uma vez que tem gente que não entra no Céu e nem deixa que os outros entrem. E aqui estendo o
conceito de Céu extrapolando para além da religião, até os limites do sucesso,
se é que quem disse essa frase já não o tenha feito exatamente neste sentido
mais amplo. Talvez seja presunção minha tentar adicionar um significado a essa mensagem.
Enfim, ser julgado aprovado baseado em coisas grandes não é tão difícil
como parece, pois dão IBOPE. Difícil é ser aprovado em testes pequenos, no
dia-a-dia. Não é à toa que existe outra frase, de que o órgão mais difícil de controlar é a língua.
Quando você for dizer que possui uma ideologia, uma fé, uma crença, ou o
que quer que seja, inclusive quando desejar dizer que não tem nenhuma delas,
antes de afirmar com tanta certeza, teste-se com as coisas pequenas, aquelas que
ninguém vê, mas somente você sabe. Porém, não fique frustrado com o resultado, passando
a acreditar que você não é o que diz ser, pois eu posso apostar que o resultado
seria o mesmo para qualquer coisa que você atribuísse a si mesmo. O objetivo é
passar a olhar para as outras pessoas e se enxergar nelas, consciente de que existe
mais delas em você do que você imagina. Quem sabe, no melhor dos casos, você acabe
percebendo que pensa diferente do que tem dito, rompendo assim alguns
preconceitos, passando a se aceitar mais, deixando de julgar a si mesmo como se
tivesse a obrigação de ser algo diferente do que você realmente é.
É, eu sei, é difícil aceitar a si mesmo dessa maneira. Quer saber de uma
coisa? Esqueça tudo o que eu falei sobre autoaceitação. Eu sou um péssimo
cristão. Estou aqui refletindo com os "meus botões" sobre o que eu sou e o que
não sou e, na prática, não estou fazendo nada para salvar vidas de cristãos que
estão sendo exterminados. Como imaginei, estou parecendo um funcionário do
governo americano, que independente da intensidade do que acontece do outro
lado do mundo, não pretende fazer absolutamente nada. Um belo de um exemplo de
minha parte.
"Meu
monólogo interno é saturado e análogo
Está
riscado e à deriva, eu tenho me apegado a ideia
É
tudo um sonho de mudança, uma filosofia agridoce
Eu
não faço ideia de como eu cheguei até aqui
Eu
estou ressentido, eu estou tendo uma crise existencial
Quer
felicidade
O
horário de verão não vai arrumar essa bagunça"
Abraço: Ao EFS e às duas DUS, pois tenho certeza que gostarão do título
deste texto.
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