sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

E se Alice tivesse Nascido no País das Maravilhas?

"O começo de todas as ciências é o espanto de as coisas serem o que são."
Aristóteles

Você já parou para pensar que dentro de jogos de videogame existe física? Pelo menos segundo as regras definidas pelos desenvolvedores de cada game. Por exemplo, pensemos em uma personagem cujo alcance dos pulos é limitado, sempre caindo de volta ao nível base de acordo com um valor constante, a gravidade daquele mundo. Considere também que a personagem precisa abrir portas, escalar muros e paredes para poder seguir seu caminho. Se ela não pode ocupar o mesmo espaço que outro corpo ao mesmo tempo, então temos a matéria naquele universo. Quando o herói conversa com outras personagens, há um tipo de interação e que representa o som, a menos que interpretemos o diálogo como telepatia (nesse caso, eu diria que não só há física, como também pode existir metafísica).

Cada jogo possui suas próprias constantes. Alguns, inclusive, tentam simular o mais precisamente possível a física do nosso mundo. Um deles é muito famoso nesse sentido e chama-se Gran Turismo. Ele procura tornar as corridas de carro digitais o mais real possível, para que o jogador sinta como se estivesse pilotando super máquinas de verdade. É muito divertido.

Se olharmos para um dado de outubro de 2015, onde consta que o mercado dos games movimentam em torno de US$ 66 bilhões por ano no mundo, não é de se surpreender que existam até cursos de graduação voltados para o desenvolvimento de jogos eletrônicos. A grade curricular contempla, por exemplo, a disciplina de "Física Para Jogos Digitais", cujo objetivo é capacitar os desenvolvedores na aplicação de conceitos de física dentro do mundo virtual.

Pois bem, o ambiente da personagem dentro do jogo eletrônico pode ser considerado uma realidade? Tenho para mim que pode sim, mas restringe-se a ser o universo dela. Do nosso ponto de vista, não é o todo, mas apenas uma parte e bem particular. Extrapolando a reflexão, e se a personagem virtual criasse consciência? Como ela explicaria ou definiria o seu mundo? Como perceberia em que tipo de universo está confinada? Como saberia da existência de processadores, discos rígidos e de um jogador em um universo paralelo influenciando a existência dela?

Imagine que, uma vez consciente de sua existência, o homenzinho eletrônico passasse a fazer medidas e a definir constantes e equações que explicassem a "Natureza" onde vive. Ele conseguiria concluir que está dentro de um game, dentro de um mundo digital? Ele conseguiria concluir que está confinado aos limites da programação dentro de um computador ou videogame?

Desviando: Quando era adolescente, eu vi um filme chamado "Meia-Noite e Um", de 1993. No enredo, ao ser atingido por um raio, o protagonista percebe que diariamente, à meia noite e um, o mesmo dia recomeça novamente. Ninguém percebe que está vivendo em loop, mas apenas ele, por motivos que o filme explica. É interessante pensar que ninguém percebia que estava vivendo em um ciclo fechado e infinito, uma vez que todas as vezes, em determinado horário, o dia era literalmente apagado. Naquela época fiquei muito perturbado com essa possibilidade. Aliás, estou até hoje. E se nós vivêssemos em ciclos que se repetem, seja lá com que frequência for? Como poderíamos descobrir que estaríamos confinados à eternidade?

Outras duas boas pedidas sobre esse tema são: este vídeo, de Carl Sagan, que mostra como é difícil "caber" em nossa mente realidades alternativas, mesmo matematicamente possíveis, que eventualmente existam ao nosso redor; e um filme chamado "Cidade das Sombras" (DarkCity), de 1998, que mostra o grande poder de confinamento que é possível exercer através da ausência de memória, ou melhor, da ausência de passado. Apenas preste atenção, pois existem dois filmes chamados "Cidade da Sombras". Eu falo daquele cujo original é "Dark City" e não "City of Ember".

Voltando: Como nós podemos ter a certeza de que todas as pistas que estamos seguindo, por mais que sejam mensuráveis, equacionáveis, reprodutíveis e previsíveis, não são falsas, ou não são apenas uma parte bem pequena? Por exemplo, os cientistas verificaram um comportamento digno de espanto no nosso Universo. Tudo o que é visível (planetas, estrelas, poeiras cósmicas, gases etc) representam apenas 5% do que existe. Os 95% restantes, chamados de matéria e energia escuras, não podemos ver, mas podemos apenas verificar a influência interferindo no comportamento do que é visível. Se voltarmos à analogia do videogame, podemos dizer que somos a matéria e a energia escuras da personagem dentro do jogo digital, exercendo algum tipo influência que parece extrapolar os princípios físicos do universo dela.

Como podemos dizer que sabemos algo sobre o Universo ou que não sabemos? Como podemos dizer que tudo veio do nada ou que veio de algum lugar? Como podemos dizer que estamos interpretando certo ou errado tudo o que é medido e calculado? Como podemos saber se o Universo é pequeno ou grande? Já tratei desta pergunta aqui. Como saber se somos parte ou o todo? Se parte, completamos o quê? Se o todo, parece-me que o infinito é bem pequeno.

Desviando: Há uma ideia muito interessante no livro "Ortodoxia" de Chesterton. Tomo a liberdade de dar a minha versão. Quando foi que o fato de uma maçã cair, ao desprender-se do talo que lhe fixa à árvore, fez com que achássemos tão natural que árvores dessem frutos? Imagine como poderia maravilhar-se um ser de outro planeta, no nosso mundo, se visse árvores dando frutos, uma vez que no planeta dele a coisa mais natural do Universo seriam árvores dando pirulitos. Quando foi que tudo deixou de ser um mistério e ficou tão normal?


Voltando: Todos na Terra, sem absolutamente nenhuma exceção, tem mais fé do que imaginam, ou confessam, ou compreendem, ou jamais se perguntaram. Para nós é absurdo que o herói de um jogo eletrônico faça medidas dentro dele e conclua que tudo o que existe se resume à sua realidade, mas não é absurdo que nós façamos a mesma coisa do lado de cá. Sabe o motivo desta diferença, ou da semelhança? Tendemos a acreditar que as respostas que possuímos são absolutas, principalmente aquelas que envolvem números.

Se Alice tivesse nascido no País das Maravilhas, coisas como gatos que se comportam como fumaça, soldados feitos de cartas de baralho, chapeleiros malucos, poções que encolhem e que agigantam seriam todas normais, uma aventura não teria sido contada e ela não acreditaria em milagres.

"Os problemas vieram
Salvei o que eu poderia salvar
Um fio de luz
Uma partícula, uma onda
Mas haviam correntes
Então eu apressei em me comportar
Haviam correntes
Então eu o amei como um escravo"

Sugestão: A quem interessar, essa produção é bem pertinente, promovida pelo filósofo Luiz Felipe Pondé. Aliás, agradeço ao EFS por ter compartilhado o vídeo.

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