domingo, 27 de dezembro de 2015

Olha a Onda, Olha a Ondaaa

"Todo o homem luta com mais bravura pelos seus interesses do que pelos seus direitos."
Napoleão Bonaparte


O telefone celular foi inventado em 1947 pelo laboratório Bell, nos Estados Unidos. Em 1973, a Motorola lançou a primeira geração (1G) de celulares, o DynaTAC 8000, mas ele só passou a ser comercializado dez anos mais tarde. Em 1991, com a primeira transmissão de sinais 2G, já foi possível se comunicar através de mensagens SMS. Em 2001, no Japão, foi lançada a rede 3G. Em 2007 a Apple lança o iPhone, em um formato que revolucionou a aparência de todos os aparelhos que seriam lançados a partir de então. Em 2008, a Google lança o sistema operacional Android, o mais utilizado até o momento. E finalmente em 2010, foi lançada a tecnologia 4G.

Os telefones celulares estão tão avançados em suas tecnologias, que existe até uma piada sobre o assunto. Quando alguém lista para outra pessoa os recursos de seu aparelho, termina observando que ele também faz ligações telefônicas. Para termos uma boa ideia da capacidade disponível em nossas mãos, o computador de bordo da espaçonave de Neil Armstrong tinha apenas 2kb de RAM. Isso remete a outro raciocínio, alguns homens com um computador de 2kb nas mãos foram os primeiros humanos a pisarem na Lua, outros bilhões de pessoas com celulares de 1 a 2Gb de RAM tornaram-se especialistas no compartilhamento de fotos, vídeos e piadas.

Conversando com alguns amigos sobre os altos preços dos aparelhos hoje em dia, chegamos a conclusão de que não se vendem celulares há muito tempo. O que se vendem são interesses. O "querer" não tem preço. Ao semear um interesse na minha mente, uma empresa pode fazer com que eu pague um preço exorbitante por algo que vai além das minhas necessidades. É algo muito parecido com aquele discurso sobre São Paulo, por exemplo: "Eu gosto de São Paulo, porque se você quiser comer em um restaurante Tailandês as duas horas da manhã, você tem essa possibilidade". Convenhamos... Em 11 milhões de habitantes, aposto que é possível contar nos dedos o número de pessoas que um dia saíram durante a madrugada procurando um restaurante Tailandês (desconsiderando os desejos de grávidas). Somos capazes de passar uma vida inteira pagando por algo que nunca iremos precisar. Por quê? Simplesmente porque plantaram mais que uma ideia nas nossas mentes, plantaram um interesse.

Desviando: Um colega de trabalho compartilhou uma observação muito interessante que um bombeiro lhe fez certo dia. Tomo a liberdade de adaptá-la do universo fabril para a vida cotidiana. Todos os dias ficamos sabendo de acidentes de carros nas ruas e nas estradas. Em alguns casos, as vítimas não conseguem se desvencilhar sozinhas das ferragens que sobraram dos automóveis, mas precisam de ajuda de pessoas especializadas. Já em segurança, quando os sobreviventes tem a oportunidade de encontrar os bombeiros que fizeram o resgate, não há palavras que podem expressar o agradecimento pelo ato de salvamento dos oficiais. Em contra ponto, quantas vezes ouvimos pessoas reclamando de autoridades ao serem multadas por não usarem o cinto de segurança, ou por dirigirem após tomar uma lata de cerveja, por exemplo? Indústria da multa? Por que quem me segura ao cair de uma escada salva a minha vida e quem me alerta para tomar cuidado com o degrau é um chato? Não basta salvar minha vida, tem que ser do meu jeito. Quem colocou essa ideia na minha cabeça?

Voltando: Algumas semanas atrás foi divulgado um vídeo na internet com o seguinte título, "Meu corpo, minhas regras" (clique no link, veja o vídeo). Alguns atores famosos narram o que parece ser quase um poema, pró aborto. As justificativas para a prática não são apresentadas de forma tão explícita, mas é possível inferir que seria desde um estupro até o fato de simplesmente não querer ter o filho. As palavras são muito bem usadas, alguns assuntos, inclusive religiosos, são citados de forma que quem não está a par dos detalhes pode tomar o falso por verdadeiro. Damos a isso o nome de falácia. Não chega a ser um sofisma, pois não acredito que a intenção de quem produziu o vídeo tenha sido enganar. Acredito que eles tenham mesmo aquela opinião.

Um dia já julguei e condenei pessoas que são a favor do aborto, mas hoje não faço mais isso. Acredito que só quem passa por qualquer situação sabe o que o leva a tomada de decisão. Tampouco quero entrar no mérito sobre o que é certo ou errado, se é que há algum mérito nisso. O que quero destacar é ter percebido que eu mesmo não tinha a minha opinião sobre o assunto. Então, fui pesquisar e descobri este outro vídeo, apresentando dados que sugerem (ou provam?) que aborto é uma estratégia de países desenvolvidos para estabelecerem controle populacional sobre países em desenvolvimento (veja o vídeo).  Será mesmo? "Meu corpo, minhas regras" não passa de interesse, não de pessoas simples, que vivem seu dia-a-dia simples, mas de alguém ou algo maior? Os atores do primeiro vídeo só fazem parte do plano, mesmo sem saberem? O ideal não é deles? Pelo menos esse último vídeo parece se preocupar mais com o que as mulheres precisam e menos com o que elas querem, ao contrário do primeiro.

Ocorreu-me um sentimento de impotência muito forte. Quanto das minhas vontades, dos meus interesses e dos meus ideais não são meus? Será que eu apenas estou sendo levado pela onda? Nesse caso, qual a onda correta? Percebi que uma ótima estratégia para qualquer plano é semear desejos, vontades, interesses, pois eles dignificam atos. Já ouvi alguém dizer, "se eu quero, eu posso, se eu posso, então faço". Os dias, os meses e os anos vão passando e temos cada vez mais dificuldade em encontrar argumentos contra o "eu quero".

Nós somos muito suscetíveis, podemos ser controlados, ao mesmo tempo em que batemos no peito, orgulhosos por acreditar que estamos lutando por "nossos interesses". Será que não passamos de marionetes? Talvez por isso alguém resolveu dizer que as perguntas movem o mundo, mas não as respostas. Só espero que isso também não seja apenas mais uma estratégia de controle.

"Wilson Fisk: Acha que essa divagação na internet mudará alguma coisa?
Ben Urich: As pessoas buscam a verdade, não importa onde a encontrem.
Wilson Fisk: Pode ter sido o caso quando éramos jovens. Este mundo ao nosso redor está preocupado com casamentos de famosos e vídeos de gatos. Assuntos complicados, assuntos que importam... Eles requerem muita concentração. Tomam muito tempo para serem compartilhados por mensagens de celular (...).
Ben Urick: Acho que tenho mais fé na humanidade.
Wilson Fisk: Cristo também teve, se me recordo."

Demolidor – Temporada 1 Episódio 12 (2015)

Como saber qual deve ser o meu interesse? Qual o ideal que merece ser almejado? Se eu tivesse o poder de convencê-lo a não querer alguma coisa, ou a mudar de ideia, o que você escolheria? Como reconheceria o que não merece sua atenção e seu esforço? Se reconhecesse, escolheria não desejar? Escolheria mudar de ideia?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Não Sei Se Vejo TV ou Se Compro uma Lamborghini

"Pois todo o que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado."
Jesus (Lucas 14.11)

No mês de Outubro do ano de 2014, foi publicada uma reportagem sobre algumas mães que abriram duas páginas em redes sociais denunciando serviços de má qualidade no "Hospital Municipal Ronaldo Gazolla", no Rio de Janeiro. A luta delas é contra a qualidade dos serviços de atendimento que resultaram na perda de seus filhos. Uma das páginas chama-se "Mamães que perderam bebes na maternidade Ronaldo Gazolla".

Mais de um ano depois, no mês de Dezembro de 2015, uma outra reportagem, desta vez em um telejornal, divulgou que o Ministério Público possui indícios de que a organização social Biotech é suspeita de fraudar mais de 48 milhões de reais de hospitais públicos no Rio de Janeiro, entre eles o "Hospital de Acari", como é popularmente conhecido o mesmo "Hospital Municipal Ronaldo Gazolla". Na operação, foram confiscados quatro apartamentos que valem juntos 24 milhões de reais, 20 quilogramas em joias de ouro e 10 carros de luxo.

Em uma das conversas gravadas, entre uma médica e um dos sócios da organização Biotech, é possível perceber que pelo menos uma criança pode ter morrido em função da falta de óxido nítrico, que foi racionado por contenção de custos. Qual o motivo da contenção? Seria possibilitar que o hospital seja sustentável em suas atividades, assimilando algumas perdas para que muitas outras vidas possam ser salvas? (Pensamento cruel de minha parte, mas tentando ao menos buscar alguma humanidade nas decisões da organização administradora). Ou seria para maximizar a geração de lucros destinados a cofres particulares? (Consta no site da organização que a Biotech não tem fins lucrativos). Uma das mães entrevistadas, ao narrar o descaso com sua filha morta, chorou.

Desviando: Um dia conheci um funcionário muito dedicado, que fazia mais do que lhe era conferido em sua atribuição. Passou anos tratando a empresa como se ela fosse sua própria, defendendo-a como defenderia sua casa. Defendendo seus colegas de trabalho como se defendesse sua própria família. Em determinado dia, uma atividade não foi bem sucedida e o resultado ruim superou os esforços. Sua dedicação foi colocada em cheque, da mesma forma como quando os resultados eram positivos (estranho). Neste dia ele se cansou, surtou e pela primeira vez na vida, em anos de trabalho, foi sincero e disse tudo o que ele via como problema, para quem quisesse ouvir. Afinal de contas, ninguém tem "sangue de barata", mesmo o mais paciente dos homens. Nesse dia ele passou a fazer parte do problema. Então ele se questionou. Ao chegar em casa, pela primeira vez se perguntou, "o que eu produzi hoje, o que produzi em todos esses anos?" Ele percebeu que não tinha nem mesmo o direito de chorar.

Voltando: Nós podemos ver muitas coisas na TV, desde um programa inútil, sensacionalista, que explora as dificuldades alheias em troca de alguns pontos da audiência, até um bom documentário, com muito a acrescentar ao caráter e intelecto de uma pessoa. Podemos ver também o noticiário, que nos apresenta um mundo bem maior que o bairro onde vivemos. E foi justamente em um telejornal que uma imagem chamou muito a minha atenção recentemente. Foi a entrevista com um senhor, com marcas de expressão no rosto que deixam dúvida se pela idade ou pela labuta, que teve sua casa destruída pela lama de uma barragem rompida. Enquanto "engolia o choro" e desviava os olhos da câmera como quem não tem coragem de mostrar que homens também choram, ele disse que agora sua família está incompleta, que não tem mais casa e não tem mais emprego. Não aguentei. Aproveitei que eu estava sozinho em frente a TV e não "engoli o choro". Chorei por ele.

Em Agosto de 2015 a UNESCO publicou que, com a destruição de um templo romano do século XVII em Palmira, utilizando explosivos, o Estado Islâmico cometeu crime de guerra. Sou somente eu quem fica indignado com esse tipo de publicação? Não está faltando nessas contas algumas dezenas de decapitações, esquartejamentos, estupros, afogamentos, torturas, pessoas queimadas vivas, fuziladas, afogadas e explodidas, que aliás ocorreram meses antes da destruição do templo romano, sem que nenhum órgão mundial tenha feito algum tipo de classificação oficial como a UNESCO fez pelo patrimônio cultural? As pessoas envolvidas com essas perdas estão bem longe do bairro onde moro, por isso tive um pouco de dificuldade para vê-las chorarem. Aliás, pensando agora, vi muita gente chorar na França recentemente (o mínimo que a humanidade poderia fazer pelas vidas perdidas), mas tenho visto poucas pessoas chorarem por vítimas do Boko Haram na África.

Desviando: Lembro-me que, quando eu era pequeno e fazia alguma coisa errada, meus pais me repreendiam firmemente. Como qualquer criança, eu começava a chorar ao que instantaneamente ouvia, "engole o choro". Só uma vez eu não engoli e foi o suficiente para saber que deveria engolir todas as outras vezes. Hoje em dia parece que os papéis estão invertidos. Eu perdi as contas de reportagens que vi na TV mostrando pais que "engolem o choro" para que o filhos não sofram nenhum tipo de frustração. Talvez isso explique muita coisa, mas não tenho como mensurar. Pode ser apenas uma observação volátil de minha parte.

Voltando: Essa próxima eu não vi na TV, eu vi no Youtube, mas é quase a mesma coisa. Eu estou tentando decidir se aposto ou não, que o relato foi feito por uma pessoa cujas horas vividas em frente a uma TV podem ser contadas utilizando os dedos das mãos.

"Na verdade, durante o genocídio...
Vou contar o que mais me fez sofrer.
Nós fugimos.
Depois, fui separada dos meus pais.
Depois desta separação, fiquei vivendo só nos campos de sorgo. Passei pelo menos duas semanas lá.
Depois, uma pessoa me achou. Perguntou quem eu era. Mas como eu era muito menina, não sabia distinguir os hutus dos tutsis. Eu não sabia bem.
A pessoa me observou e tocou em meus dedos e minha pele.
Eu disse que eu era tutsi ou mestiça.
Ela mandou umas pessoas me matarem a tiros. Eu perguntei por quê, o que eu tinha feito de mal.
Depois teve muito tiro. Eu fugi.
Por todos lados havia cadáveres e sangue. Então me sentei e disse a Deus:
'Seja feita a Tua vontade'.
Eu tive a sorte de sobreviver.
(Choro)"

Ao acessar o linkedin recentemente, eu li um post que dizia, "Sabe por que você nunca viu o comercial de uma Lamborghini? Porque as pessoas que podem pagar por ela não estão sentadas assistindo TV". Fiquei pensando em outros tipos de pessoas que também não assistem TV, mas não consegui entender por que elas não tem uma Lamborghini. Pensei, por exemplo, em um gari que faz dois turnos correndo atrás de um caminhão de coleta de lixo, um para pagar a comida da família e outro para pagar água e energia elétrica, que quando chega em casa só tem tempo para dormir até a próxima jornada. Talvez ele tenha tempo também para um carinho nas crianças enquanto dormem. Pensei também em uma mãe, viúva, que vi um tempo atrás, ironicamente na TV, que trabalha como faxineira, ao mesmo tempo que cuida de seu filho em estado vegetativo (não lembro o que ocorreu com o garoto). Sabe-se lá o que ela consegue fazer quando para por alguns instantes. Talvez o gari e a mãe tenham tempo pelo menos para chorar, sozinhos, quem sabe enquanto tomam banho, para ninguém perceber.

Hoje minha fé enfraqueceu. Quando chegará o dia em que o humilde será exaltado e o que se exalta será humilhado? Alguém, por favor, ajude-me a chorar com essas pessoas, pois minhas esperanças estão se desvanecendo ao passo que vejo-as chorando sozinhas. Aliás, já nem sei mais por quem devo chorar, se pelo humilde ou pelo orgulhoso, pela vítima ou pelo criminoso. Talvez eu deva mesmo parar de ver TV, quem sabe um dia eu consiga comprar uma Lamborghini.


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Se Escondendo Como Criança, Tapando os Olhos

"Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo."
Luis Fernando Veríssimo

Como sabemos, o espelho é um objeto que reflete a luz e por consequência imagens. Os primeiros de que se tem conhecimento datam de 7.000 anos atrás e eram feitos de cobre. Mais adiante no tempo, os espelhos também passaram a ser construídos com prata e bronze polidos. Atualmente os espelhos são feitos de três camadas, uma de vidro na parte da frente, uma de prata com alguns produtos químicos e a última de tinta na parte de trás, para bloquear a passagem da luz. Possivelmente, a superfície da água tenha inspirado a construção do primeiro espelho.

Pode parecer trivial podermos reconhecer a nossa imagem em um espelho, mas não são todas as espécies do planeta que possuem essa habilidade. Aquelas que se tem conhecimento que podem reconhecer a própria imagem são, por exemplo, os golfinhos, os chimpanzés (importante frisar que não são todos os primatas que possuem essa habilidade) e os humanos. Se não estou enganado, li em algum lugar que os pinguins também possuem essa habilidade. Este vídeo é bem interessante, mostra a reação de alguns animais selvagens diante de um espelho.

Um espelho reflete o que somos por fora, os aspectos físicos que possuímos, mas a influência deles é tamanha que quase podemos ver também o que não está lá. É como se eles pudessem nos mostrar o que queremos ver e não o que é. De qualquer maneira, em nenhuma situação somos capazes de ver o que há por dentro. Nem tudo fica exposto diante de um espelho. Isso nos remete ao pensamento de que temos a incrível habilidade de mostrar apenas o que nos interessa que seja visto.

Desviando: Lembro-me que por volta de 1997 o SBT trouxe uma série americana para o Brasil que se chamava Blossom. Era uma comédia, que relatava a vida de uma adolescente cujo nome dava título ao seriado. Em um dos episódios, a protagonista se encontra com alguém, e dá um grito escandaloso. Não me lembro se foi porque acabou descobrindo algo, ou se porque admirava o garoto com quem se encontrou, lembro-me vagamente da cena. O ponto é que depois de dar o grito, a cena muda para o inicio novamente e ela pergunta para a pessoa a sua frente, "eu gritei?", ao que a outra personagem responde que não e ela fica aliviada. O objetivo da cena foi mostrar o que a protagonista viveu por dentro de uma forma cômica. O que chamou minha atenção foi a vida secreta que vivemos dentro da nossa mente e a naturalidade com que a vivemos, em contraponto a estranheza que sentimos ao ver a vida secreta de outra pessoa sendo exposta. Não estamos preparados para aceitar o que as pessoas são no íntimo, muito provavelmente pelo fato de que não estamos preparados para expor a nós mesmos, por mais natural e comum que o íntimo possa ser.

Voltando: Tenho pra mim, que o nosso medo da exposição está intimamente ligado ao medo de expor nossas falhas, fraquezas e limitações, ou expor o que realmente somos. É quase que um medo de reconhecermos a nós mesmos (fiquei na dúvida se deixava ou tirava o "quase que" desta última frase). Talvez seja medo do ridículo, mas fiquei pensando, qual o problema de ser ridículo, aliás quem ou o que definiu o que é ridículo? Enfim, cada um de nós vive duas vidas, uma que acreditamos que somente nós conhecemos, mesmo que não necessariamente a aceitemos, e aquela que vivemos diante do resto do mundo, essa sim politicamente aceita. É como se disséssemos, "eu finjo que sou e você finge que eu sou mesmo."


"Eu sorrio quando estou com raiva
Eu engano e minto
Eu faço o que eu tenho que fazer
Para sobreviver
Mas eu sei o que está errado
E eu sei o que está certo
E eu morreria pela verdade
Na minha vida secreta
Aguente, aguente, meu irmão
Minha irmã, aguente firme
Eu finalmente tenho minhas ordens
Eu marcharei através da manhã
Marchando através da noite
Atravessando as fronteiras
Da minha vida secreta
Examinado através do papel
Faz você querer chorar
Ninguém se importa se as pessoas
Vivem ou morrem
E o mercador quer que você pense
Que isso é preto ou branco
Graças a Deus que não é assim tão simples
Na minha vida secreta"

Desviando: No mesmo documentário da Philos TV, "À procura da religião", que eu já citei aqui, um pastor (não entendi bem de qual religião) deu um ponto de vista interessante. Enquanto ele narra alguns momentos de crise que viveu com sua fé, em virtude de perdas duras, ele menciona que a cruz é um símbolo religioso que existe há mais tempo do que se imagina (não pesquisei para ter certeza se isso é verdade, portanto não estou totalmente confiante desta afirmação) e que esse objeto, com uma trave horizontal e outra vertical, representa a conexão entre o "céu" e a "terra". Então, ele observa que os cristãos foram os primeiros a adicionar um terceiro item a este símbolo, bem no meio, um homem nu e exposto publicamente gritando, "Pai, por que me abandonou?". Ele conclui que a dúvida e o desamparo fazem parte da fé, fazem parte do elo entre o "céu" e a "terra", entre o "perfeito" e o "imperfeito". Completa dizendo que não podemos nos encontrar com Deus enquanto não olharmos para nós mesmos, não reconhecermos nossas dúvidas e limitações e, principalmente, enquanto não nos expormos.

Voltando: Pode parecer bom que, durante nossa evolução biológica, nós não tenhamos conseguido desenvolver a capacidade de ler pensamentos. Seria aterrorizante se alguém pudesse saber o que se passa na minha vida secreta. No entanto, faço essa avaliação sob o aspecto atual, de um mundo que foi moldado por pessoas que não podem ler os pensamentos alheios. É uma avaliação análoga a daquela tia neurótica por limpeza. Ela fala que se ganhasse na loteria não compraria uma casa grande, pois daria muito trabalho para limpar. Ela avalia a situação sob o aspecto de quem não tem dinheiro, mas se esquece que com muito dinheiro ela poderia pagar para uma equipe de pessoas limpar a grande e bonita casa nova. Portanto, talvez se tivéssemos desenvolvido a capacidade de ler pensamentos, se não tivéssemos outra alternativa que não a exposição do que realmente somos, teríamos evoluído segundo o verdadeiro sentido da palavra evolução. Sermos nós mesmos talvez não seria tão ruim.

Chega de pensar no "se". Não lemos pensamentos e não temos coragem de nos expor. Eu também não tenho a esperança de que um dia construiremos um mundo melhor sobre o aspecto da transparência e ingenuidade. Não tenho a esperança de que um dia todos nós aceitaremos, sem julgamentos, a sinceridade nas outras pessoas e, portanto, teremos coragem de sermos autênticos também. Aliás, o que vem primeiro, a aceitação da autenticidade no outro ou a coragem de nós mesmos sermos sinceros? Deixa pra lá. Enfim, então qual a medida? Talvez a melhor resposta que possamos dar seja parte daquela do homem nu preso a cruz, sermos sinceros pelo menos cada um consigo mesmo. A imagem no espelho não é um leão e não há nada que possamos fazer sobre isso.

Curiosidade ou dica? Jesus, após se expor, entre os vários nomes que recebeu, também foi chamado de leão.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O Que a Cara Nunca Diria Para a Coroa?

"Enquanto houver você do outro lado, aqui do outro eu consigo me orientar."


Imagine que desejemos tomar um grupo de pessoas garantindo que pelo menos duas delas façam aniversário no mesmo mês. Qual o número mínimo de pessoas necessário para atender a essa condição? O primeiro ponto é observar que um ano compreende doze meses. Se o grupo for formado por duas pessoas, elas podem fazer aniversário no mesmo mês ou em dois meses diferentes cada uma. Então, com apenas duas pessoas não conseguimos ter a certeza que desejamos. Se o grupo for formado por seis pessoas, algumas delas podem fazer aniversário no mesmo mês, ou cada uma delas pode fazer aniversário em seis meses diferentes, ou seja, mais uma vez não conseguimos ter a certeza que desejamos. Porém, se o grupo for formado por no mínimo treze pessoas, então conseguiremos ter a certeza de que pelo menos duas delas fazem aniversário no mesmo mês, ou seja, no caso mais extremo, doze delas fazem aniversário em meses diferentes cada uma e a décima terceira repetirá algum mês.

Esse mesmo raciocínio funciona para a retirada de cartas de um baralho que contenha 52 cartas no total. Quantas retiradas de carta são necessárias para garantir que em algum momento uma carta irá se repetir? A resposta fica mais fácil se imaginarmos que todas as cartas estão ordenadas e que cada uma retirada volta para o fundo do baralho. Após retirarmos todas as 52 cartas, apenas quando fizermos a quinquagésima terceira retirada uma carta se repetirá, no caso a primeira carta do baralho novamente.

Conseguimos ter um vislumbre de um limite mínimo. Agora vamos usar o mesmo baralho para tentar avaliar um limite máximo. Se nós ficarmos infinitamente retirando cartas do baralho (uma situação um pouco pior do que aqueles dias chuvosos na praia), quantas vezes cada carta será retirada? Sempre que algumas cartas já tiverem sido retiradas milhões, bilhões, trilhões, "zilhões" de vezes, nós ainda estaremos suficientemente longe do "fim" do teste, de forma que todas as cartas terão sua chance de serem retiradas incontáveis vezes. Resumindo, cada carta será infinitas vezes retirada do baralho.

Vamos começar a "fritar" alguns neurônios? Imagine que o Universo seja infinito no tempo, seja um Universo estacionário que sempre existiu, ou seja um Universo cíclico confinado entre infinitas repetições de Big-Bang e de Big-Crunch. Se considerarmos que cada possibilidade de acontecimento equivale a retirada de uma carta do baralho, em um Universo infinito, quantas vezes cada carta já foi retirada? Nesse caso, quantas vezes eu já escrevi esse mesmo texto? Quantas vezes você já o leu? Quantas vezes eu já existi e quantas vezes eu nem sequer fui imaginado? Quantas vezes a minha vida deu certo e quantas vezes eu passei por aqui apenas por alguns dias? Quantas vezes eu ganhei e quantas vezes eu perdi? Quantas vezes eu estive do lado de cá e quantas vezes eu estive aí no seu lugar? Aliás, por que eu estou aqui e você está aí?

Desviando: Claro que para nossas aproximações estamos considerando um Universo, ou diversos Universos infinitos no tempo. As melhores teorias que temos hoje já defendem que o tempo não é infinito, mas teve um começo e terá um fim. Antes disso e depois disso, nada. (Ufa, meu cérebro estava entrando em "tilt"). Uma boa referência para as teorias de que o tempo tem um começo e um fim é o "Universo em uma casca de noz" de Stephen Hawking.

Voltando: Pensando nestes limites mínimos e máximos, começo a questionar-me sobre o que é parte e o que é tudo. Por exemplo, que número é 0,99999... (infinitos noves após a vírgula)? Vamos fazer algumas contas? Vamos falar que A é igual a 0,99999... (infinitos noves)

A = 0,99999...

Se multiplicarmos A por dez, teremos:

10 x A = 9,99999...

Se subtrairmos A de 10 vezes A teremos:

9 x A = 9

Que número satisfaz essa condição? O número 1. Então, A é igual a 1. Porém, A também é igual a 0,9999.... Eita, infinito é igual a inteiro? Onde estão as fronteiras?

Ainda falando de matemática, uma circunferência pode ser considerada como um polígono de N lados, se N for um número infinito. Ou seja, uma circunferência é um polígono de infinitos lados. Outro exemplo? Uma reta pode ser considerada como um arco de circunferência com raio infinito. Mais um exemplo, será que duas retas paralelas e distintas podem se encontrar em um ponto no infinito?

Quais são os limites? O que sou eu e o que é você? O que é meu e o que é seu? O que é a minha vida e o que é a sua vida? Quem separou os lados? Quem definiu que eu teria a vida que tenho e que você teria a vida que tem? Por que alguns podem e outros não podem? Por que alguns tem e outros não tem? Por que alguns são e outros não são? Felizmente, nunca precisaremos dessas respostas, mas elas tem sua relevância, para nos lembrarmos de que são bem poucos os motivos pelos quais podemos nos orgulhar.

Desviando: Na casa em que moro, o quintal é separado da cozinha por uma porta de vidro. Lembro-me que, logo que nos mudamos, nos confundíamos se ela estava aberta ou fechada, inclusive nossa cadelinha de estimação. Um dia a cadelinha foi atravessar a porta, se confundiu e deu de cara com o vidro. Ela se assustou e não entendeu nada por alguns segundos. Depois desse evento, vimos ela testar algumas vezes, com a pata, se a porta estava mesmo aberta quando queria passar. De vez em quando ela ainda testa. Eu, mais orgulhoso, não faço o teste, por isso as vezes ainda acerto a porta pensando que ela está aberta. Então ponderei, se fico atrapalhado com um limite físico transparente, não é de se admirar que eu me confunda com fronteiras que não se podem definir.

Voltando: Podemos aprender muito com uma moeda. A "cara" nunca conseguiu olhar diretamente para a "coroa", talvez cada uma delas até duvide que a outra exista. Elas jamais conseguirão definir ou entender o limite que as separa. Porém, nenhuma delas jamais deixaria a outra em alguma enrascada. Já pensou se, quando a "coroa" estivesse diante de um perigo, a "cara" gritasse lá do outro lado, "se vira".

Antes de terminar gostaria de recomendar as palavras de Roslin, que mora para lá da linha do Equador.