terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Se Escondendo Como Criança, Tapando os Olhos

"Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo."
Luis Fernando Veríssimo

Como sabemos, o espelho é um objeto que reflete a luz e por consequência imagens. Os primeiros de que se tem conhecimento datam de 7.000 anos atrás e eram feitos de cobre. Mais adiante no tempo, os espelhos também passaram a ser construídos com prata e bronze polidos. Atualmente os espelhos são feitos de três camadas, uma de vidro na parte da frente, uma de prata com alguns produtos químicos e a última de tinta na parte de trás, para bloquear a passagem da luz. Possivelmente, a superfície da água tenha inspirado a construção do primeiro espelho.

Pode parecer trivial podermos reconhecer a nossa imagem em um espelho, mas não são todas as espécies do planeta que possuem essa habilidade. Aquelas que se tem conhecimento que podem reconhecer a própria imagem são, por exemplo, os golfinhos, os chimpanzés (importante frisar que não são todos os primatas que possuem essa habilidade) e os humanos. Se não estou enganado, li em algum lugar que os pinguins também possuem essa habilidade. Este vídeo é bem interessante, mostra a reação de alguns animais selvagens diante de um espelho.

Um espelho reflete o que somos por fora, os aspectos físicos que possuímos, mas a influência deles é tamanha que quase podemos ver também o que não está lá. É como se eles pudessem nos mostrar o que queremos ver e não o que é. De qualquer maneira, em nenhuma situação somos capazes de ver o que há por dentro. Nem tudo fica exposto diante de um espelho. Isso nos remete ao pensamento de que temos a incrível habilidade de mostrar apenas o que nos interessa que seja visto.

Desviando: Lembro-me que por volta de 1997 o SBT trouxe uma série americana para o Brasil que se chamava Blossom. Era uma comédia, que relatava a vida de uma adolescente cujo nome dava título ao seriado. Em um dos episódios, a protagonista se encontra com alguém, e dá um grito escandaloso. Não me lembro se foi porque acabou descobrindo algo, ou se porque admirava o garoto com quem se encontrou, lembro-me vagamente da cena. O ponto é que depois de dar o grito, a cena muda para o inicio novamente e ela pergunta para a pessoa a sua frente, "eu gritei?", ao que a outra personagem responde que não e ela fica aliviada. O objetivo da cena foi mostrar o que a protagonista viveu por dentro de uma forma cômica. O que chamou minha atenção foi a vida secreta que vivemos dentro da nossa mente e a naturalidade com que a vivemos, em contraponto a estranheza que sentimos ao ver a vida secreta de outra pessoa sendo exposta. Não estamos preparados para aceitar o que as pessoas são no íntimo, muito provavelmente pelo fato de que não estamos preparados para expor a nós mesmos, por mais natural e comum que o íntimo possa ser.

Voltando: Tenho pra mim, que o nosso medo da exposição está intimamente ligado ao medo de expor nossas falhas, fraquezas e limitações, ou expor o que realmente somos. É quase que um medo de reconhecermos a nós mesmos (fiquei na dúvida se deixava ou tirava o "quase que" desta última frase). Talvez seja medo do ridículo, mas fiquei pensando, qual o problema de ser ridículo, aliás quem ou o que definiu o que é ridículo? Enfim, cada um de nós vive duas vidas, uma que acreditamos que somente nós conhecemos, mesmo que não necessariamente a aceitemos, e aquela que vivemos diante do resto do mundo, essa sim politicamente aceita. É como se disséssemos, "eu finjo que sou e você finge que eu sou mesmo."


"Eu sorrio quando estou com raiva
Eu engano e minto
Eu faço o que eu tenho que fazer
Para sobreviver
Mas eu sei o que está errado
E eu sei o que está certo
E eu morreria pela verdade
Na minha vida secreta
Aguente, aguente, meu irmão
Minha irmã, aguente firme
Eu finalmente tenho minhas ordens
Eu marcharei através da manhã
Marchando através da noite
Atravessando as fronteiras
Da minha vida secreta
Examinado através do papel
Faz você querer chorar
Ninguém se importa se as pessoas
Vivem ou morrem
E o mercador quer que você pense
Que isso é preto ou branco
Graças a Deus que não é assim tão simples
Na minha vida secreta"

Desviando: No mesmo documentário da Philos TV, "À procura da religião", que eu já citei aqui, um pastor (não entendi bem de qual religião) deu um ponto de vista interessante. Enquanto ele narra alguns momentos de crise que viveu com sua fé, em virtude de perdas duras, ele menciona que a cruz é um símbolo religioso que existe há mais tempo do que se imagina (não pesquisei para ter certeza se isso é verdade, portanto não estou totalmente confiante desta afirmação) e que esse objeto, com uma trave horizontal e outra vertical, representa a conexão entre o "céu" e a "terra". Então, ele observa que os cristãos foram os primeiros a adicionar um terceiro item a este símbolo, bem no meio, um homem nu e exposto publicamente gritando, "Pai, por que me abandonou?". Ele conclui que a dúvida e o desamparo fazem parte da fé, fazem parte do elo entre o "céu" e a "terra", entre o "perfeito" e o "imperfeito". Completa dizendo que não podemos nos encontrar com Deus enquanto não olharmos para nós mesmos, não reconhecermos nossas dúvidas e limitações e, principalmente, enquanto não nos expormos.

Voltando: Pode parecer bom que, durante nossa evolução biológica, nós não tenhamos conseguido desenvolver a capacidade de ler pensamentos. Seria aterrorizante se alguém pudesse saber o que se passa na minha vida secreta. No entanto, faço essa avaliação sob o aspecto atual, de um mundo que foi moldado por pessoas que não podem ler os pensamentos alheios. É uma avaliação análoga a daquela tia neurótica por limpeza. Ela fala que se ganhasse na loteria não compraria uma casa grande, pois daria muito trabalho para limpar. Ela avalia a situação sob o aspecto de quem não tem dinheiro, mas se esquece que com muito dinheiro ela poderia pagar para uma equipe de pessoas limpar a grande e bonita casa nova. Portanto, talvez se tivéssemos desenvolvido a capacidade de ler pensamentos, se não tivéssemos outra alternativa que não a exposição do que realmente somos, teríamos evoluído segundo o verdadeiro sentido da palavra evolução. Sermos nós mesmos talvez não seria tão ruim.

Chega de pensar no "se". Não lemos pensamentos e não temos coragem de nos expor. Eu também não tenho a esperança de que um dia construiremos um mundo melhor sobre o aspecto da transparência e ingenuidade. Não tenho a esperança de que um dia todos nós aceitaremos, sem julgamentos, a sinceridade nas outras pessoas e, portanto, teremos coragem de sermos autênticos também. Aliás, o que vem primeiro, a aceitação da autenticidade no outro ou a coragem de nós mesmos sermos sinceros? Deixa pra lá. Enfim, então qual a medida? Talvez a melhor resposta que possamos dar seja parte daquela do homem nu preso a cruz, sermos sinceros pelo menos cada um consigo mesmo. A imagem no espelho não é um leão e não há nada que possamos fazer sobre isso.

Curiosidade ou dica? Jesus, após se expor, entre os vários nomes que recebeu, também foi chamado de leão.

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