domingo, 3 de maio de 2015

Caindo no Próprio Blefe, ou Aposta Conveniente?


"O homem não é nada em si mesmo. Não passa de uma probabilidade infinita. Mas ele é o responsável infinito dessa probabilidade." Albert Camus


No Brasil, o jogo de loteria (ou o que chamamos especificamente de Mega-Sena) consiste em escolher seis números em um total de 60 disponíveis. A probabilidade de acertar os seis números sorteados é de 1 em 50.063.860.

Vamos supor que um grão de arroz pese 0,01 grama. Então, 50.063.860 grãos de arroz juntos pesam 500 kg aproximadamente. Isso significa que acertar os seis números da loteria seria o mesmo que “pescar” de primeira um único grão de arroz marcado e escondido dentro de 100 sacos de 5 kg de arroz, sem estar olhando.

Em 2009 o NSC (National Safety Council – Conselho Nacional de Segurança), órgão público americano, divulgou alguns dados curiosos. A probabilidade de que uma pessoa morra em um acidente de carro como ocupante é de 1 em 492, já como pedestre é de 1 em 723. A chance de uma pessoa morrer atacada por um cachorro também foi calculada, 1 em 103.798. Então, a probabilidade que uma pessoa morra por qualquer uma dessas três opções é de 1 em 292. Tabela completa.

Em teoria, se alguém nos sugerisse arriscar um palpite na loteria, deveríamos achar isso uma loucura, pois a chance de morrermos a caminho da casa lotérica em um acidente de carro (como ocupante ou como pedestre) ou atacados por um cachorro é 171.452 vezes maior do que a chance de acertarmos os seis números que serão sorteados. Mas por algum motivo (não me pergunte qual) ainda assim saímos para arriscar o palpite. Então, convenhamos de que não acreditamos somente no que é calculado ou no que é medido, caso contrário estaríamos afirmando que acreditamos em uma coisa, mas vivemos outra. Talvez nem tenhamos pensado ainda no que acreditamos.

Desviando: Um amigo costumava fazer uma piada, de que a probabilidade de ganharmos na loteria é de 50%. Ou se ganha, ou não se ganha. As vezes eu acho que acreditamos mesmo nisso.

Voltando: Apesar de você já ter me convencido de que não acredita tanto assim na matemática, ou pelo menos de que age diferente do que diz que acredita, eu gostaria de insistir um pouco mais no assunto. Vamos aumentar a ordem de grandeza dos números, ou diminuir muito as probabilidades (infelizmente não teremos como realizar cálculos). Tente imaginar a cadeia de eventos desde a criação do universo que culminou no surgimento dessa massa orgânica e que você chama de corpo. Façamos um exercício rápido, sem muito critério e do fim para o começo: um espermatozoide em algumas centenas ou milhares; duas pessoas desconhecidas que em virtude de acontecimentos alheios foram colocadas frente a frente e se apaixonaram (muitas combinações de eventos foram necessárias para que muitos pares se formassem até chegar no seu código genético); algumas condições climáticas especificas na ordem correta para que um planeta suporte a vida; muitos corpos celestes distribuídos no universo com a velocidade, com o tamanho e com as composições corretas; e assim sucessivamente até chegarmos a singularidade que chamamos de Big-Bang (já falei dele aqui).

Continuo pedindo desculpas por insistir em lançamento de dados com você, mas eu gostaria que você também tentasse considerar qual seria a probabilidade de que a consciência que viesse a ocupar esse corpo fosse a sua e não outra, ou seja, como já não bastasse a probabilidade do corpo existir, ele poderia ser ocupado por qualquer consciência, mas por algum motivo você é o inquilino (o software é para a máquina ou a máquina para o software?).

Desviando: Caso você tenha interesse em imaginar como a simples queda de um alfinete na hora errada poderia impedir que você existisse um dia, sugiro você ler o assunto relacionado a Teoria do Caos de Edward Lorenz. Nos seus estudos, quando Edward Lorenz colocou os dados das condições climáticas de hoje no modelo matemático que ele desenvolveu, foi possível “acertar em cheio” o clima do dia seguinte. Então ele teve a ideia de colocar os resultados obtidos dentro do mesmo modelo novamente, tentando prever as condições climáticas do terceiro dia. E assim sucessivamente. Ao tentar prever o clima dias a frente, os resultados não foram aplicáveis, pois imprecisões insignificantes nos dados iniciais (o bater de asas de uma borboleta nos EUA) resultaram previsões catastróficas dias a frente (um tufão no Japão). Por isso a Teoria do Caos de Edward Lorenz também pode ser chamada de Efeito Borboleta.

Voltando: Alguma coisa nos impele a querer continuar, a não desistir, a apostar mesmo que os cálculos mostrem o contrário, a acreditar no que não se pode ver. Eu não vou tentar usar palavras para definir essa coisa, pois se eu usar aquela que eu gostaria, algumas portas, que eu prefiro que permaneçam abertas na sua mente, poderiam ser fechadas. Vamos nos ater apenas ao conceito (talvez um dia desses eu cite essa palavra).

Nesse momento seria esperado que eu dissesse o que eu acredito e que desse a você argumentos irrefutáveis, tentando convencê-lo de que você deveria acreditar também. Mas seriam argumentos de um qualquer apenas. Provavelmente você não se convenceria (com certeza você não se convenceria). Que argumento seria forte o suficiente para falar de coisas subjetivas e pessoais a alguém que não acredita nem mesmo no que pode contar com os próprios dedos? (não se esqueça que você acha a coisa mais normal do mundo ir até a loteria arriscar um palpite) Então, vou usar a resposta de alguém que provavelmente tem credibilidade com você, que possivelmente você já entendeu e concordou (no mínimo aceitou).

"Agente Smith: Por que, Sr. Anderson? Por que, por quê? Por que você faz isso? Por que, por que se levantar? Por que continuar lutando? Você acredita que está lutando... por alguma coisa? Por mais do que sua sobrevivência? Você pode me dizer o que é? Você ao menos sabe? É por liberdade? Ou verdade? Talvez pela paz? Poderia ser por amor? Ilusões, Sr. Anderson. Caprichos da percepção. Construções temporárias de um intelecto humano fraco tentando desesperadamente justificar uma existência sem sentido ou propósito. E todos eles artificiais como a Matrix por si mesma, embora... somente a mente humana poderia inventar algo tão insípido como o amor. Você deveria ser capaz de perceber isso, Sr. Anderson. Você deveria saber disso agora. Você não pode vencer. É inútil continuar lutando. Por que, Sr. Anderson? Por quê? Por que você persiste?

Neo: Porque eu escolhi."
Matrix Revolutions

Eu não tenho certeza sobre as respostas para as perguntas acima, mas sei que há momentos em que temos que fazer algumas escolhas críticas e na maioria das vezes essas escolhas não vão ter relação com as contas que se é capaz de fazer na ponta do lápis, ou em softwares ultramodernos. Já que estávamos falando de jogo, você aposta todas as suas fichas de que tudo se resume ao caos embaralhar as cartas e a probabilidade as distribuir? Você já parou para avaliar se tem mesmo todas as fichas que seriam necessárias para essa aposta? Ou você está um passo a frente dos outros integrantes da mesa e tudo não passa de uma jogada perfeita?

Agradecimentos: A querida DUS pela sugestão da citação inicial e aos grandes amigos RLC e FOS, pela recomendação do tema Teoria do Caos e pela piada dos 50%, respectivamente. O resto eu assumo, são minhas apostas.

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