"O homem não é nada em si mesmo. Não passa de uma probabilidade infinita. Mas ele é o responsável infinito dessa probabilidade." Albert Camus
No Brasil, o jogo de loteria (ou o que chamamos especificamente de Mega-Sena)
consiste em escolher seis números em um total de 60 disponíveis. A probabilidade
de acertar os seis números sorteados é de 1 em 50.063.860.
Vamos supor que um grão de arroz pese 0,01 grama. Então, 50.063.860
grãos de arroz juntos pesam 500 kg aproximadamente. Isso significa que acertar
os seis números da loteria seria o mesmo que “pescar” de primeira um único grão
de arroz marcado e escondido dentro de 100 sacos de 5 kg de arroz, sem estar
olhando.
Em 2009 o NSC (National Safety Council – Conselho Nacional de Segurança),
órgão público americano, divulgou alguns dados curiosos. A probabilidade de que
uma pessoa morra em um acidente de carro como ocupante é de 1 em 492, já como
pedestre é de 1 em 723. A chance de uma pessoa morrer atacada por um cachorro
também foi calculada, 1 em 103.798. Então, a probabilidade que uma pessoa morra
por qualquer uma dessas três opções é de 1 em 292. Tabela completa.
Em teoria, se alguém nos sugerisse arriscar um palpite na loteria,
deveríamos achar isso uma loucura, pois a chance de morrermos a caminho da casa
lotérica em um acidente de carro (como ocupante ou como pedestre) ou atacados
por um cachorro é 171.452 vezes maior do que a chance de acertarmos os seis
números que serão sorteados. Mas por algum motivo (não me pergunte qual) ainda
assim saímos para arriscar o palpite. Então, convenhamos de que não acreditamos
somente no que é calculado ou no que é medido, caso contrário estaríamos
afirmando que acreditamos em uma coisa, mas vivemos outra. Talvez nem tenhamos
pensado ainda no que acreditamos.
Desviando: Um amigo costumava fazer uma piada, de que a probabilidade de
ganharmos na loteria é de 50%. Ou se ganha, ou não se ganha. As vezes eu acho
que acreditamos mesmo nisso.
Voltando: Apesar de você já ter me convencido de que não acredita tanto
assim na matemática, ou pelo menos de que age diferente do que diz que acredita,
eu gostaria de insistir um pouco mais no assunto. Vamos aumentar a ordem de
grandeza dos números, ou diminuir muito as probabilidades (infelizmente não teremos
como realizar cálculos). Tente imaginar a cadeia de eventos desde a criação do
universo que culminou no surgimento dessa massa orgânica e que você chama de
corpo. Façamos um exercício rápido, sem muito critério e do fim para o começo:
um espermatozoide em algumas centenas ou milhares; duas pessoas desconhecidas
que em virtude de acontecimentos alheios foram colocadas frente a frente e se
apaixonaram (muitas combinações de eventos foram necessárias para que muitos
pares se formassem até chegar no seu código genético); algumas condições
climáticas especificas na ordem correta para que um planeta suporte a vida;
muitos corpos celestes distribuídos no universo com a velocidade, com o tamanho
e com as composições corretas; e assim sucessivamente até chegarmos a
singularidade que chamamos de Big-Bang (já falei dele aqui).
Continuo pedindo desculpas por insistir em lançamento de dados com você,
mas eu gostaria que você também tentasse considerar qual seria a probabilidade
de que a consciência que viesse a ocupar esse corpo fosse a sua e não outra, ou
seja, como já não bastasse a probabilidade do corpo existir, ele poderia ser ocupado
por qualquer consciência, mas por algum motivo você é o inquilino (o software é
para a máquina ou a máquina para o software?).
Desviando: Caso você tenha interesse em imaginar como a simples queda de
um alfinete na hora errada poderia impedir que você existisse um dia, sugiro
você ler o assunto relacionado a Teoria do Caos de Edward Lorenz.
Nos seus estudos, quando Edward Lorenz colocou os dados das condições
climáticas de hoje no modelo matemático que ele desenvolveu, foi possível “acertar
em cheio” o clima do dia seguinte. Então ele teve a ideia de colocar os
resultados obtidos dentro do mesmo modelo novamente, tentando prever as
condições climáticas do terceiro dia. E assim sucessivamente. Ao tentar prever
o clima dias a frente, os resultados não foram aplicáveis, pois imprecisões insignificantes
nos dados iniciais (o bater de asas de uma borboleta nos EUA) resultaram previsões
catastróficas dias a frente (um tufão no Japão). Por isso a Teoria do Caos de
Edward Lorenz também pode ser chamada de Efeito Borboleta.
Voltando: Alguma coisa nos impele a querer continuar, a não desistir, a apostar
mesmo que os cálculos mostrem o contrário, a acreditar no que não se pode ver. Eu
não vou tentar usar palavras para definir essa coisa, pois se eu usar aquela que
eu gostaria, algumas portas, que eu prefiro que permaneçam abertas na sua mente,
poderiam ser fechadas. Vamos nos ater apenas ao conceito (talvez um dia desses
eu cite essa palavra).
Nesse momento seria esperado que eu dissesse o que eu acredito e que
desse a você argumentos irrefutáveis, tentando convencê-lo de que você deveria
acreditar também. Mas seriam argumentos de um qualquer apenas. Provavelmente
você não se convenceria (com certeza você não se convenceria). Que argumento seria
forte o suficiente para falar de coisas subjetivas e pessoais a alguém que não
acredita nem mesmo no que pode contar com os próprios dedos? (não se esqueça
que você acha a coisa mais normal do mundo ir até a loteria arriscar um
palpite) Então, vou usar a resposta de alguém que provavelmente tem
credibilidade com você, que possivelmente você já entendeu e concordou (no
mínimo aceitou).
"Agente Smith: Por que, Sr. Anderson? Por que, por quê? Por que você faz
isso? Por que, por que se levantar? Por que continuar lutando? Você acredita
que está lutando... por alguma coisa? Por mais do que sua sobrevivência? Você pode
me dizer o que é? Você ao menos sabe? É por liberdade? Ou verdade? Talvez pela
paz? Poderia ser por amor? Ilusões, Sr. Anderson. Caprichos da percepção. Construções
temporárias de um intelecto humano fraco tentando desesperadamente justificar
uma existência sem sentido ou propósito. E todos eles artificiais como a Matrix
por si mesma, embora... somente a mente humana poderia inventar algo tão
insípido como o amor. Você deveria ser capaz de perceber isso, Sr. Anderson.
Você deveria saber disso agora. Você não pode vencer. É inútil continuar
lutando. Por que, Sr. Anderson? Por quê? Por que você persiste?
Neo: Porque eu escolhi."
Matrix Revolutions
Eu não tenho certeza sobre as respostas para as perguntas acima, mas sei
que há momentos em que temos que fazer algumas escolhas críticas e na maioria
das vezes essas escolhas não vão ter relação com as contas que se é capaz de
fazer na ponta do lápis, ou em softwares ultramodernos. Já que estávamos
falando de jogo, você aposta todas as suas fichas de que tudo se resume ao caos
embaralhar as cartas e a probabilidade as distribuir? Você já parou para avaliar
se tem mesmo todas as fichas que seriam necessárias para essa aposta? Ou você
está um passo a frente dos outros integrantes da mesa e tudo não passa de uma
jogada perfeita?
Agradecimentos: A querida DUS pela sugestão da citação inicial e aos grandes
amigos RLC e FOS, pela recomendação do tema Teoria do Caos e pela piada dos
50%, respectivamente. O resto eu assumo, são minhas apostas.
Não era piada..
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