“Um mosquito é uma pequena criação da natureza para nos fazer pensar melhor sobre as moscas.” André Guillois
O formato mais frequente com os quais as
engrenagens se apresentam é o circular, operando em pares, com os dentes de uma
se encaixando nos espaços entre os dentes da outra. E elas servem para
transmitir energia de uma fonte motora, para uma fonte consumidora.
O conceito matemático que existe por trás das
engrenagens e do funcionamento delas, propriamente dito, não é trivial, apesar
de completamente dominado pelo homem nos dias atuais. Para que a construção e a
eficiência dessas peças atenda a demanda desejada são necessárias algumas boas
horas de cálculos sobre a prancheta.
É provável que as engrenagens tenham sido
inventadas pelos chineses em torno de 5000 anos atrás. Estima-se que seus
primeiros usos foram nas rodas de cerâmicas (aquelas máquinas usadas para
fabricar vasos a partir do barro). Bem mais tarde, o Império Romano utilizou
engrenagens em moinhos para moer o malte na fabricação de bebidas. Já no século
XIII, elas passaram a ser usadas em relógios mecânicos metálicos. A partir do
século XVIII foram usadas nos moinhos de vento para bombear água, teares,
máquinas a vapor etc. Hoje você pode encontras engrenagens em praticamente
todos os tipos de motores elétricos e mecânicos. O seu automóvel tem uma porção
delas. Enfim, não faltam engrenagens construídas pelo homem nesse mundo. (Gear Motor Handbook)
Poderíamos terminar esse texto por aqui e
você concluiria que a humanidade é mesmo uma espécie singular, capaz de moldar
o mundo ao seu redor. Uma espécie criadora, autossuficiente, capaz de guiar o
curso de seu próprio futuro.
Mas, obviamente, não vamos terminar o texto por aqui. Vamos falar agora
de um animal bem pequeno e insignificante para a existência da dita “espécie
singular”. Eu poderia supor que você vivia bem até hoje, sem nunca ter ouvido
falar dele. Nós falamos do Issus coleoptratus, um besouro cuja ninfa (fase do desenvolvimento pós-embrionário de
insetos) tem essa cara:
OK, o que tem ele? Ele tem um conjunto de
engrenagens durante sua fase de ninfa que não foram criadas pelo ser humano.
Opa, quer dizer que...? Isso, quer dizer que... (complete as reticências como
preferir).
As pernas desse minúsculo besouro, nesta fase do ciclo de vida, possuem
engrenagens que permitem que ele salte sem espiralar e alcance grandes
distâncias, guardadas as devidas proporções de tamanho. Parece que alguém se debruçou sobre a prancheta antes de nós.
Tem um ditado que eu acho que condensa bem
tudo o que foi apresentado até aqui (e vou me referir a ele a partir daqui como
“o ditado”):
“O primeiro a apresentar a sua causa parece ter razão, até que outro venha à frente e o questione.” Provérbios 18:17
Desviando: Tenho pra mim que desmontar um
relógio de pulso e descobrir como ele funciona não basta para “roubar” a
autoria do Santos Dumont (vale lembrar que essa autoria também é
questionável, leia aqui).
Por outro lado, também existem pessoas que colocam na cabeça a ideia que só tem
um jeito de construir o relógio de pulso e desmerecem aqueles que gastam suas
horas estudando as outras possibilidades.
Voltando: Você precisa ficar atento. Se não ficar,
você ficará sabendo só o que o primeiro a defender a sua causa apresentou. Até
eu , com meus textos aqui, estou sendo apenas o primeiro a falar no nosso
diálogo. Sua sorte é que meu currículo é bem pequeno, assim você pode aceitar melhor
a vontade de seguir como se não tivesse lido nada, sem pensar muito no assunto,
mesmo que eu eventualmente tenha alguma razão, e acaba evitando a fadiga de se questionar.
Desviando de novo: O que se diz (ou escreve) tem muita da sua
credibilidade associada ao currículo do interlocutor. Isso nos ajuda a aceitar
melhor a opinião que vamos passar a ter quando não temos muita certeza sobre o
assunto, ou nos convence a mudar de ideia mesmo quando “lá no fundo” a nossa
vontade era continuar pensando igual. Mas apesar dessa forma de agir ser a mais
recomendada para uma melhor assertividade das próprias opiniões (ou ser a que oferece menos risco), é sempre bom não assumir
que o currículo é soberano, exemplo.
Com currículo ou não como suporte, questione, não evite a fadiga.
Voltando: Eu consigo dar uma tradução para “o
ditado” da seguinte maneira. Em qualquer civilização, de qualquer época, em qualquer cultura, os conceitos mais modernos são considerados fatos até que se
tornem mitos (ou fantasia) com o aparecimento de um conceito novo. Isso me faz
querer não cometer os mesmos erros das civilizações passadas, mas querer
aprender com elas, de que hoje não temos as respostas (quem sabe um dia não chegue
um monte de gente com roupas estranhas embarcados em algumas caravelas e nos
mostrem que estávamos vivendo nus).
Já que aprendi a lição “do ditado”,
quero vir à frente e começar a fazer perguntas. Quantas vezes é preciso que um
caminhão, carregando todos os ingredientes necessários para fazer um bolo,
tombe de forma que os ingredientes se misturem na proporção certa, sofram ações
das intempéries na medida certa e um bolo seja produzido igualzinho ao
delicioso bolo da vovó (eu estou desconsiderando os esforços necessários para
produzir os ingredientes, armazená-los no compartimento de carga e colocar o
caminhão para andar).
Vou te dizer o ingrediente secreto do bolo da vovó, mas vou sussurrar
para só você ouvir. O segredo é a vovó.
Show! Essa Vovó é muito inteligente! Assim como as formigas vivem em colônias e cada uma faz parte dessa engrenagem que as mantém em perfeita organização e sobrevivência, cada ser humano precisa descobrir qual o sentido da sua "engrenagem" no bolo da Vovó!
ResponderExcluirIsso me fez lembrar um pensamento que eu tinha quando era criança.
ResponderExcluirNaquela época eu ficava olhando as nuvens ao céu e vez ou outra eu dizia:
“ahh aquela nuvem parece um cachorro”, mas depois me vinha um pensamento deprimente, puxa vida será que ela me parecia um cachorro apenas por eu conhecer um cachorro? Quantas nuvens eu não associei a nada pelo fato de não conhecer o que ela parecia? Pra piorar sempre vinha um adulto e dizia: “aquilo é só uma nuvem, você que fica querendo transforma-la em algo que ela não é”.
Será que a ninfa realmente tem uma engrenagem nas pernas, ou será que eu vejo uma engrenagem apenas pelo fato dela parecer com a engrenagem que inventamos? Será que não é apenas a perna da ninfa?
Será que o bolo é tão delicioso mesmo, ou será que ele é por eu só conhecer esse bolo?
Vou mais além, lembrando-se da escala de tempo que você citou no primeiro texto onde estamos nos últimos 15 segundos do ano do universo. Pensando no prazo de validade de cada bolo, podemos estimar que a validade de cada um é da ordem de 10^-4 segundos da história do ano do universo. Assim, será que posso dizer que o bolo realmente existe, ou será que ele não é apenas mais uma desprezível etapa na grande reação que ainda está acontecendo após o caminhão ter tombado? Não sei, o que eu sei é que só conheço bolo, assim eu não consigo afirmar que ele não é só mais uma nuvem passando.
Para mim o ingrediente secreto não é a vovó, mas sim o que conhecemos na cozinha... Mas isso é para mim, eu não quero ser o adulto hoje.
Seu comentário me lembrou muito o mito da caverna de Platão (http://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria_da_Caverna). O link está marcado como não confiável, mas eu li o texto e contém a ideia que me veio a cabeça. O suposto diálogo também é muito bom, resume bem o fato de que hoje parece que a humanidade tem o superficial por essência. O que diriam as baleias sobre o oceano se pudessem falar às crianças que se divertem na praia?
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