"O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado, mas é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro."
Mário Quintana
Em 14 de Julho de 2016, o Passeio dos Ingleses, no sul da França, vivenciou um cruel atentado. Um homem atropelou
centenas de pessoas com um caminhão. O ocorrido se deu durante as festividades
do feriado nacional da Queda da Bastilha. Foram dezenas de
mortos.
Desviando: O burquíni é um traje de banho
desenhado especificamente para mulheres muçulmanas "conservadoras", que não sentem-se
confortáveis com os trajes "reveladores". Ele cobre todo o corpo, exceto
as mãos, os pés e o rosto, mas é leve e confortável o suficiente para permitir
o banho de mar. Os créditos são da designer Aheda Zanetti.
Eu iria escrever que os créditos são da designer libanesa Aheda Zanetti,
mas fiquei pensando, que relevância teria citar a nacionalidade dela? Ou, que
mensagem eu deixaria com essa menção? Melhor ainda, por que eu liguei os pontos
desta maneira? Por exemplo, seria como fazer citações do tipo, o político
brasileiro, o terrorista religioso, o torcedor arruaceiro, a criança de rua, o
casal de vítimas homossexuais. Eu percebi que algumas conexões não são construídas
para especificarem, mas sim para sugerirem ideias. Tomemos novamente o exemplo do
terrorista religioso, convenhamos, terrorista é bandido, é criminoso, assassino.
Por que associar a palavra religioso? Ou ainda, voltando a criança de rua, é normal
que algumas crianças tenham nascido para viverem na rua? Isso faz parte do
mundo? Enfim...
Voltando: Após o atentado em Nice, algumas regiões da Riviera francesa proibiram o uso de burquíni nas praias, já que é uma roupa
usada predominantemente por mulheres muçulmanas e os terroristas
auto proclamam-se adeptos do Islamismo (pois é, conexões). Dias
depois, uma mulher foi revistada por policiais ao usar burquíni em uma das praias da região e retirou-se do
local em seguida. Só não sabemos se retirou-se espontaneamente ou "convidada". Eu
acredito que foi por vontade própria, devido ao constrangimento. Pelo menos é a
minha tentativa de romper com a cadeia de sugerir conexões "pejorativas". Aliás, recentemente, a alta corte francesa suspendeu a proibição do burquíni pelo menos na região da praia de Villeneuve-Loubet. Porém, até a data deste texto, ainda há outras
30 localidades onde a proibição continua válida.
Frente a tudo isso, eu não consegui deixar de lembrar da célebre frase
de Voltaire, "posso não concordar com nenhuma das palavras
que você disser, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las". Eu sei,
já citei essa frase aqui. Foi um texto
inteiramente dedicado a ela. Estou sendo repetitivo. No entanto, já disse o
poeta, "sei que às vezes uso palavras repetidas, mas quais são as palavras que nunca são ditas?".
Longe de mim tentar questionar as ações das autoridades francesas. Entendo
plenamente que estão preocupadas com seus cidadãos. Mas é mais forte do que eu,
preciso colocar alguém em cheque e, nesse caso, será a mim mesmo. Eu morreria
pelo direito de alguém, assim como disse Voltaire? Se fosse preciso enfrentar
perigo de morte na minha cidade para que uma mulher exercesse seu direito de
usar um burquíni em uma praia, eu o faria? O que eu seria capaz de fazer por um "mundo melhor"? Não consigo responder a esses questionamentos, mas sei que negligentemente
estou sendo conivente. Eu estou construindo um mundo em que as pessoas que se
cobrem nas praias tem problemas com a policia e as pessoas que fazem topless
estão na moda e tem que ser toleradas na base do "vão ter que me engolir". Por que
tenho a sensação de que é mais fácil eu lutar pelos direitos de quem quer ficar
nu do que pelos direitos de quem quer se vestir? Por que tenho a sensação de
que algumas coisas estão invertidas? Por que eu acho normal as duas situações
das fotos abaixo? Por que elas não me impactam mais?
Desviando: Eu lembro-me de uma época em que não tínhamos internet,
celular, computadores, jogos eletrônicos e que para ver um bom filme, por
exemplo, era preciso esperar passar na Sessão da Tarde, ou no Supercine, em uma
das únicas três emissoras de TV disponíveis. Aliás, a gente não esperava, só
sabíamos que o filme existia quando passava. Foi uma época em que havia tempo
para "digerir" as coisas. Porém, hoje está tudo muito rápido e independente.
Parece que tudo saiu do nosso controle, que tudo se desenvolve sozinho, sem
nossa interferência, como um imenso "organismo vivo" com suas próprias vontades.
Mario Sergio Cortella disse nesse vídeo que, nos dias de
hoje, os adultos sofrem do mal da impaciência e que nós estamos moldando as crianças
nessa mesma tendência. É o controle remoto, é o forno micro-ondas, é o celular
com o toque do dedo. Ele menciona, por exemplo, que o piano clássico vai sumir
em alguns anos, pois quem quer treinar quatro horas por dia durante nove anos
para ficar bom no estilo? Se pelo menos o piano tivesse uma única tecla
(citação minha). Ele também cita que pesquisas do final do século XX apontavam
que uma criança podia manter a atenção concentrada durante 45 a 50 minutos, mas
que atualmente esse valor caiu para 6 minutos. Basta observar quanto tempo
duram os blocos e os desenhos animados de um canal de TV para crianças.
Mario Cortella diz ainda que uma criança assiste, em média, cinco mil
horas de TV dos 2 ao 7 anos de idade (desenhos, noticiários, propaganda,
pornografia, novela, violência, esporte etc). Então, no primeiro dia de aula, o
professor começa dizendo, repetindo e escrevendo, "a pata nada". Não seria surpresa se a criança se levantasse, fosse ao professor e dissesse, "leve-me
ao seu líder".
Voltando: O que a criança que fui tornou-se hoje? O que a criança de
hoje se tornará amanhã? Como será, aos 30 ou 40 anos, uma criança que viu
mulheres que cobriam o corpo nas praias serem abordadas pela polícia e mulheres
que fazem topless serem "defendidas até a morte" pelo direito a nudez? Eu estou
mesmo preocupado com isso? Ou estou apenas deixando as coisas acontecerem?
Espero que você esteja percebendo que usar roupa, ou não, para tomar
banho de mar é só um exemplo. Que meu objetivo não é ser puritano. O que estou
tentando fazer é provocá-lo, pois as coisas estão acontecendo ao nosso redor e
nem ao menos estamos percebendo. Ou pior, estamos achando tudo muito normal.
Em tempo, cito mais um exemplo de que estamos passivamente deixando que
façam escolhas por nós. Em Abril de 2015, o travesti Verônica foi covardemente espancado por policiais. Ele estava sendo
acusado de agredir uma idosa. Uma agressão não justifica a outra. Existem leis
e justiça para que ele fosse devidamente julgado e sentenciado. Talvez você
tenha ficado sabendo deste caso através da comunidade "Somos Todos Verônica" no
Facebook. Eu fiquei sabendo pela TV, pois não se falava de outra coisa em todos
os telejornais. Pois hoje, acabei de fazer um teste. Digitei "idosa agredida" no
Google e depois "homossexual espancado". "Idosa agredida" apresentou 438.000
resultados, sendo que o primeiro item da lista data de Agosto de 2016. "Homossexual espancado" apresentou 221.000 resultados, sendo que a primeira
página da lista data de Fevereiro de 2016. Eu fiquei realmente intrigado. Por
que eu lembro-me do nome do travesti Verônica, mas não consigo citar um nome
sequer de uma idosa agredida? Não estou falando que um caso é mais crítico e
importante que o outro e, justamente por não estar falando isso, questiono-me,
porque tenho ouvido mais de uma situação e menos de outra?
Como já falei aqui, em outro contexto,
somos sapos dentro de uma panela cheia de água colocada ao fogo. Sem que
percebamos, morreremos fervidos, felizes e satisfeitos, convencidos de que somos
absolutos. Evidentemente enganados, inclusive com relação a nudez, já que somos
a única espécie que se veste.
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