domingo, 14 de julho de 2019

Cara de Um, Focinho de Outro

"Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá."


Às vezes, quando criança, alguns amigos ou parentes viam em meu irmão um comportamento, um gesto, uma expressão facial, ou um tom de voz que lembravam aos meus próprios. Então, logo usavam aquele dito que denota uma hereditariedade comportamental, dizendo a ele: "É incrível como seu irmão 'puxou' a você". Porém, como hereditariedade segue obrigatoriamente o sentido do mais velho para o mais novo, e como ele é o irmão mais novo, as mesmas pessoas, ao perceberem o pequeno equívoco causal, logo se retratavam reformulando a frase direcionada a ele: "Quero dizer, é impressionante como você 'puxou' o seu irmão". (Sinceramente, não me recordo bem, é provável que a história esteja invertida).

Mas por que eu me lembrei disso?

Esta reportagem aqui é uma resenha sobre o filme brasileiro "Divino Amor" (recomendo mesmo que você a leia). Ela conseguiu representar o que é o filme com mais competência do que a sinopse. Quero dizer, a reportagem detalhou os pontos fundamentais para o entendimento da obra, ou da mensagem. De qualquer forma, segue a sinopse:

"Joana (Dira Paes) trabalha como escrivã em um cartório e, profundamente religiosa e devota à ideia da fidelidade conjugal, sempre tenta demover os casais que volta e meia surgem pedindo o divórcio. Tal situação sempre a deixa à espera de algum reconhecimento, pelos esforços feitos. Entretanto, a situação muda quando ela própria enfrenta uma crise em seu casamento."

Se preferir, segue aqui o trailer, mas, mesmo nesse caso, os detalhes não ficaram tão claros como a reportagem conseguiu elucidar.

Minha intenção não é comentar o filme, pois, contra a minha opinião, qualquer um dos seguintes argumentos em prol da película seria mais forte: liberdade de expressão, crítica, obra de arte, ou ficção. Meu juízo perderia força, mesmo que se enquadrasse nas duas primeiras opções da mesma lista de argumentos. E antes de tudo, nem ao menos vi o filme.

Enfim, o que quero destacar especificamente é a definição sobre o cristianismo dada pelo cineasta dentro da reportagem supra citada:

"É uma religião muito sofisticada, complexa e eficiente. Tem um projeto hegemônico. Ela é capaz de se apropriar da cultura pop, da sedução e de práticas que a gente considera de esquerda para radicalizar ainda mais uma agenda conservadora."


Lendo essa ideia do cineasta, veio imediatamente à minha mente as seguintes perguntas: Quem é o irmão mais velho nessa história? O cristianismo, ou a "esquerda"? Quem "puxou" quem? Quem herdou de quem?

Cheguei a uma conclusão própria como resposta e, em função disso, tomei a liberdade de reformular a frase do cineasta:

"A esquerda é uma ideologia muito sofisticada, complexa e eficiente. Tem um projeto hegemônico. Ela é capaz de se apropriar da cultura pop, da sedução e de práticas que a gente considera cristãs para radicalizar ainda mais uma agenda progressista."

Desviando: Nietzsche disse, ou escreveu, certa vez: "O cérebro verdadeiramente original não é o que enxerga algo novo antes de todo mundo, mas o que olha para as coisas velhas e conhecidas, já vistas e revistas por todos, como se fossem novas. Quem descobre algo é normalmente esse ser sem originalidade e sem cérebro chamado sorte."

Voltando: Uma da duas opiniões sobre o cristianismo está errada, ou a do cineasta responsável pelo filme "Divino Amor", ou a minha. Um de nós dois corrompeu o verdadeiro significado em prol de propósitos pessoais. Um de nós dois está enganado. Um de nós dois está desviando a sua atenção da causa principal. Porém, apesar de creditar responsabilidade a quem seja devida, não credito culpa. Eu tendo a crer que aquele que esteja equivocado (ele ou eu), o está de forma inconsciente e com sinceridade. A pergunta é, como você vai saber? Porém, não vou tentar responder essa dúvida. Caso você se interesse por ela, siga em frente.

No fim de todo esse bla blá blá, apenas uma coisa me chateia de verdade. Assim como expliquei no inicio, meu irmão herdou algumas características comportamentais que se assemelham muito às minhas. Isso porque eu também herdei as mesmas características, elas não surgiram em mim. De fato, meu irmão não "puxou" a mim, mas ambos somos "cópias" dos nossos pais. Por isso somos chamados irmãos. E ser irmão implica em unidade, mas não em divisão. Sermos irmãos implica em objetivo comum em prol do bem da família. Da mesma forma, o cristianismo e a "esquerda" possuem objetivos comuns, mas por algum motivo não há unidade e sim divisão. Nesse caso, irmão combatendo irmão, deixando de prestar atenção àquilo que deveria uni-los. Aliás, ambos desviando seus esforços da causa primeira e voltando-os para um novo objetivo, o de querer ser melhor que seu irmão.

A rachadura já abalou o alicerce, mas a casa ainda não caiu. Será que dá tempo?