terça-feira, 27 de outubro de 2015

Um Passo do Tamanho da Perna

"Suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que você veja toda a escada. Apenas dê o primeiro passo."
Martin Luther King


Pensando em uma frase do último post, "o correto, mesmo que pelos motivos errados, talvez baste" e também após uma conversa com um colega de trabalho sobre um professor de filosofia avesso a regras, foi que eu tive a inspiração para esse texto. (Inspiração? Esse negócio de escrever está subindo pra cabeça.)

Eu sei que estamos no Outubro Rosa, mas vou falar de outro tipo de doença que acomete as mulheres, o câncer de colón de útero. Esta enfermidade está relacionada diretamente ao vírus HPV e as estimativas 2014/2015 do INCA (Instituto Nacional de Câncer) giram em torno de 16.000 novos casos anuais no Brasil. As principais formas de contágio são início precoce da atividade sexual, elevado número de parceiros sexuais, parceiro com vida promiscua, baixa da imunidade, tabagismo e más condições de higiene. Como um método de prevenção, o Ministério da Saúde implementou no calendário vacinal, em 2014, a vacina contra o HPV para meninas de 9 a 13 anos de idade. Outro fator para reduzir os riscos de contaminação pode ser a circuncisão. Um estudo realizado em Uganda, de 2003 a 2006 e publicado pelo "The Lancet" em 2011, indicou que as parceiras dos homens circuncidados foram 28% menos propensas a serem infectadas com o vírus do HPV do que as parceiras dos homens não circuncidados.

Desviando: Eu julgo que existem três coisas que movem um ser humano em seu caminho, a obediência, a consciência e o instinto. Já citei aqui a diferença entre uma criança que é apenas obediente a ordens e uma criança que é consciente porque já ralou o joelho no chão. Poderíamos falar também da tentativa de explicar para uma criança os motivos pelos quais ela precisa comer verduras e legumes. Ela poderá até entender as explicações, mas ainda assim continuará comendo salada porque é uma ordem e não porque é uma escolha. Apenas com o amadurecimento intelectual, a escolha passará de obediência para consciência. Porém, quando madura, ainda há a possibilidade do instinto falar mais alto. Aquele adulto, mesmo que consciente, talvez prefira reforçar estímulos neurais que lhe dão prazer a atender a voz daquele "anjinho", que fica em cima de seu ombro direito, suplicando ao ouvido para que preste atenção na distribuição das cores no prato.

Voltando: Em um dos livros do Pentateuco, escrito aproximadamente 3.000 anos atrás, mais precisamente em Levítico capítulo 12, versos de 2 a 3, a circuncisão foi estabelecida como lei para os hebreus. Todos os meninos, ao oitavo dia do nascimento, deveriam ser circuncidados como sinal de que pertenciam ao povo de Deus. Diferente do que se possa imaginar, aquela lei não foi criada naquele período de tempo, ela já existia antes, mas era considerada apenas como uma regra, até que Moisés a registrou no livro das leis dos hebreus. A origem da regra data de aproximadamente 4.000 anos, quando Deus prometeu a Abraão que criaria uma nação a partir de sua descendência e pediu para que ele estabelecesse a circuncisão como um sinal desta promessa. Aqui vale um paralelo. O que transforma um grupo de pessoas em uma nação? Uma cultura ou modo de vida em comum, um conjunto de leis e também uma terra. Historicamente, a terra está sendo disputada até hoje.

E por que a circuncisão deveria ser realizada ao oitavo dia do nascimento? Bem, isso não foi explicado por Deus, ou pelos hebreus em seus livros. Era apenas uma ordem que deveria ser cumprida. Porém...

"Com base na consideração das determinações de vitamina K e de protrombina, o dia perfeito para se realizar uma circuncisão é o oitavo dia." (citação de "Nenhuma Dessas Doenças", Dr. S. I. McMillen, 1986, pág. 21, em inglês).

A vitamina K é também conhecida como vitamina anti-hemorrágica e a protrombina é um elemento de coagulação sanguínea, ou seja, seguir a regra do oitavo dia ajudava a evitar o perigo de hemorragia, isso segundo os conhecimentos contemporâneos.

Os hebreus, em seu início como povo há 4.000 anos, possuíam bagagem técnica ou intelectual suficientes para entender a relação da circuncisão com a saúde pública da época? Eles sabiam o que era profilaxia? Ou melhor, já tinham consciência de que algumas doenças poderiam ser causadas por maus hábitos de higiene? Eles conheciam doenças sexualmente transmissíveis? Ao menos conheciam o organismo feminino? Sabiam o que era um útero e quais as consequências de uma higiene masculina inadequada? Será que aprenderam com a observação? Quantos anos foram necessários para que a observação deixasse a relação entre higiene e saúde tão clara em suas mentes? Onde os resultados dessas observações teriam sido registrados para que geração após geração fosse possível chegar a derradeira conclusão? Minha opinião é que eles não passavam de crianças que não sabiam os motivos pelos quais deveriam comer saladas. Eles eram mais obedientes do que conscientes.

Desviando: Alguém estava além do tempo e sabia que um povo, que estava tentando se estabelecer como nação, não poderia se dar ao luxo de ter suas progenitoras mortas ou estéreis e também seus genitores dizimados por maus hábitos de higiene. Em uma época tão remota, cuidados simples poderiam fazer toda a diferença entre a evolução de um povo e o seu completo extermínio. Alguém sabia que a humanidade ainda não tinha uma consciência evoluída e que naquele período da história ela deveria apenas ser obediente. Esse alguém, além de ter claro o conceito de medidas profiláticas, de saúde e de medicina há 4.000 anos atrás, também conhecia a psicologia humana e suas limitações. Assim como um pai sabe como lidar com uma criança a cada fase de sua evolução, esse alguém soube quando foi necessário apenas estabelecer regras. A questão que fica é, quem? Um viajante do tempo? Um ser extraterrestre, arquiteto da vida e da humanidade? Uma consciência (ou inconsciente) coletivo? A mãe Natureza? Talvez um único homem muito sábio? Quem sabe Deus? Não será hoje que falaremos disso. Aliás, acho que não será em outra ocasião também, pois já falei bastante sobre escolhas em outros textos.

Voltando: Por mais que nos esforcemos, não é possível conscientizar todo mundo a usar o cinto de segurança. Não é possível fazer com que todos decidam pela escolha certa só porque é a escolha correta a se fazer. Sempre será necessário limitar por baixo. Será necessário definir regras e leis.

"CTB - Lei nº 9.503 de 23 de Setembro de 1997
Institui o Código de Trânsito Brasileiro.
Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65:
Infração - grave;
Penalidade – multa de R$ 127,69;
Medida administrativa - retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator."

Existe um relato que me deixa muito, muito curioso. Aliás existem dois relatos que me deixam muito inquieto. É como se eu quisesse acordar de um sonho, mas não conseguisse. Em determinado momento Jesus é questionado por Pilatos sobre o que é a verdade, mas fica em silêncio. (Poxa vida, não fique em silêncio. Por favor, responda. Não me deixe com essa curiosidade.) Em outro momento, aliás anterior a esse que citei primeiro, Jesus diz que há muito o que dizer, mas que não podemos suportar agora. (Ah! O que não estamos enxergando? O que é demais para nós?)

Enfim, existem momentos que tentar explicar os motivos pelos quais ele não deve deixar a toalha molhada em cima da cama não vai resolver. Na maioria das vezes, ela não irá entender porque não pode "investir" em sapatos usando aquelas economias que foram poupadas para uma emergência. Muito provavelmente sua vovó nunca vai entender porque você não gosta de carregar o guarda-chuva, e a experiência dela nunca será suficiente para convencê-lo de que muitas dores de cabeça podem ser evitadas ao se proteger de uma chuva. Não haverá itens suficientes na lista de boas ações de seus amigos que possam convencer seu pai de que eles são "maneiros", assim como você nunca conseguirá imaginar seu pai como um adolescente em uma roda de amigos, cercado de todo tipo de pessoas, fazendo exatamente o que você faz hoje e por isso conhecendo todas as desculpas que você pode dar. Nestes momentos e em outros, algumas regras deverão ser estabelecidas, a relação deverá ser definida de acordo com critérios de obediência, mas não de consciência, e todos teremos que estar conscientes pelo menos disso.

Não dá para explicar tudo sempre. Existirão momentos que você terá que simplesmente mandar ou obedecer, confiar. E se não o fizer, terá que lidar com as consequências. Não vai dar para culpar a ciência, a religião, os homens maus (ou até os bons) ou o mundo sempre. Quando não há evolução, seguir ordens pode ser o suficiente, ou pelo menos deveria ser o primeiro passo.

Menção: Abraço ao RS, colega de trabalho com que troquei algumas ideias sobre as regras serem ou não serem relevantes.

sábado, 17 de outubro de 2015

Teto de Vidro

"Eu temo pela minha espécie quando penso que Deus é justo."
Thomas Jefferson

Para começar esse texto, lembrei-me da narrativa de Marcelo Gleiser em "O Fim da Terra e do Céu – O Apocalipse na Ciência e na Religião" que descreve a queda de um cometa há 65 milhões de anos, teoria mais aceita no meio científico para explicar a extinção dos dinossauros. Transcrevo as partes mais interessantes.

"(...) com um diâmetro estimado de dez quilômetros, viajou ao encontro da Terra com a velocidade de vinte quilômetros por segundo, atravessando a maior parte da atmosfera em menos de dois segundos. A temperatura do ar à sua frente, comprimido a pressões enormes, atingiu temperaturas por volta de cinco vezes mais altas do que a temperatura na superfície do Sol. (...) A energia liberada pelo impacto foi (...) 10 mil vezes maior do que a energia que seria liberada se todas as bombas termonucleares armazenadas no clímax da guerra fria fossem detonadas simultaneamente. (...) o bólido cavou uma vala de quarenta quilômetros de profundidade e duzentos quilômetros de diâmetro (...) Terremotos como nós nunca presenciamos, atingindo dez pontos na escala Richter, fizeram tremer o solo por centenas de quilômetros, causando o desmoronamento da costa e mais maremotos. Quando atiramos uma pedra em um lago, observamos que a colisão é seguida por um pico central, cuja altura aumenta com a energia do impacto. O impacto que dizimou os dinossauros foi tão violento que uma coluna de água e rochas elevou-se até a metade da distância entre a Terra e a Lua, despencando com uma fúria terrível, que devastou uma área de milhares de quilômetros quadrados. (...)

Qualquer ser vivo a uma distância de centenas de quilômetros do ponto de impacto foi (...) vaporizado. (...) a milhares de quilômetros, os animais viram um clarão luminoso de incrível intensidade acompanhado por uma sucessão de tremores de terra devastadores. A onda seguinte de destruição foi causada pelos detritos que caíam dos céus, que queimaram áreas de dimensões continentais. (...)

(...) Europa, África, Ásia e América do Sul (...) sofreram as consequências secundárias do impacto, nem por isso menos fatais. Uma enorme quantidade de poeira foi suspensa na atmosfera, como se milhares de vulcões houvessem entrado simultaneamente em erupção (é possível que alguns tenham entrado). A poeira espalhou-se pela atmosfera superior, bloqueando completamente a luz do Sol por meses: a escuridão era total e a temperatura global caiu de maneira dramática. (...) Com as chuvas, a poeira em suspensão foi lentamente removida e a temperatura começou a subir. A maior parte do solo ao redor do local de impacto era composta de pedra calcária, rica em carbonato de sódio. O calor gerado pelo impacto decompôs o carbonato, que se combinou com o oxigênio para formar o dióxido de carbono (...), o excesso de dióxido de carbono e vapor d’água em suspensão aprisionou o calor do Sol junto à superfície terrestre por milhares de anos. Para completar o horror, o nitrogênio e o enxofre (...) combinaram-se com o oxigênio e o hidrogênio, formando quantidades enormes de ácido sulfúrico e ácido nítrico, os quais retornaram a Terra em chuvas ácidas que duraram décadas."

Desviando: É estranho pensar que a consciência não seja uma consequência intrínseca da evolução, pois os dinossauros dominaram o planeta por 100 milhões de anos sem nunca a terem desenvolvido. As poucas espécies de mamíferos que sobreviveram ao cataclismo tiveram a sua chance de evoluir e adquiriram consciência em um intervalo de tempo bem menor, aproximadamente 65 milhões de anos. Aqueles seres que provavelmente não passavam de uma boa refeição aos grandes répteis foram moldados e lapidados pelas condições que o planeta Terra ofereceu a partir de então e, por alguma razão, um dia se perguntaram, "quem somos nós?" Falei um pouco sobre a teoria da evolução de Darwin neste post. (Pensei agora como algumas coisas são repetidas tantas e tantas vezes que acabamos nos esquecendo de que ainda há algumas dúvidas e de que tudo não passa da melhor explicação que se consegue dar até o momento).

Voltando: Se a regra da evolução descrita por Darwin é favorável aos mais adaptados, por que não continuamos o que a Natureza começou a partir da queda daquele meteoro? Por que não continuamos a usar a força para superar aqueles que estão no nosso caminho? Por que não limpamos a casa, não eliminamos quem está a margem do sistema que construímos? Eu consigo pensar em duas respostas. Primeiro, a definição de força está atrelada a estrutura do ambiente onde o ser está inserido, por tanto eliminar pode ter vários significados. Coloque um empresário muito bem preparado e de sucesso em uma reunião de negócios e espere para ver quem irá "sobreviver". Depois, coloque esse mesmo empresário de frente com um leão em um campo aberto e faça as suas apostas. Consequentemente, chego a segunda resposta, nós fazemos isso, nós eliminamos.

Mas por que eliminar? As condições que se apresentam já não são por si só demasiadamente difíceis de superar? Dizer que a lei da sobrevivência do mais adaptado está associada a definição de força na ocasião do meio em que o ser está inserido, significa dizer que ela está associada aos recursos disponíveis. Portanto, a lei que Darwin "descobriu" existe em qualquer meio onde os recursos são escassos. Finalmente, o caminho de menos esforço é eliminar as fontes consumidoras e não aumentar a disponibilidade de recursos. De forma inconsciente, sem saber explicar muito bem, nós sabemos disso e aplicamos em tudo, desde as estratégias para obter um cargo melhor (uma única vaga para vários concorrentes), até na luta pelas moedas para os pães da padaria (aliás, não compro pães com moedas há muito tempo).

Assim como a consciência não é resultado inequívoco da evolução, poder se perguntar "quem somos nós" também não significa que as regras irão mudar, tendo em vista que continuamos a construir estruturas que eliminam os "fracos" e privilegiam os "fortes". Nós criamos um mundo de possibilidades, mas colocamos preço em tudo. Um pai ou uma mãe levam o seu filho a uma praça no final de semana e com a mesma sensação de nó na garganta como se o estivessem segurando pelas pontas dos dedos para impedi-lo de cair de um penhasco, abrem a carteira e tentam apanhar as únicas moedas que tem na carteira para poder atender ao desejo da criança de ganhar um balão de ar, mesmo sabendo que agora terão que caminhar alguns quilômetros para voltar para casa. Por que não conseguimos resolver esse tipo de situação? Tente responder.

Desviando: Imagine que uma empresa não se preocupa com a saúde de seus funcionários. Se ela passasse a se preocupar, o gasto dela seria 50.000 reais a mais por ano. Agora imagine que a cada dez anos a probabilidade é que apenas um funcionário entre com uma ação contra a empresa (eu estou chutando alto). Nesse caso, a empresa deverá desembolsar 200.000  reais ao funcionário. Se a cada dez anos um funcionário ganhar uma causa contra a empresa, ela terá economizado 30.000 reais por ano, ou 300.000 reais em dez anos, ao escolher em não investir no bem estar de seus funcionários. O que nos impede de usar o mesmo raciocínio para a decisão de fazer o que é certo sem ganhos, contra o que não é cem por cento digno com ganhos? (Tem uma escala para dignidade?)

Voltando: Por que eu deveria ajudar o pai e a mãe do garoto a voltar pra casa? Talvez porque serei castigado no pós-vida se eu não for bondoso, ou talvez para colocar no currículo que sou engajado com ações sociais. Puro pragmatismo. O correto não seria ser bondoso por que faz parte da minha natureza? Mas não faz parte da minha natureza. Opa... Parece haver outro conceito de evolução, mas que estamos considerando menos importante do que o conceito de evolução de Darwin, pelo menos é o que inferimos do jardim que temos construído, bem como dos frutos das árvores plantadas.

Eu não consigo me lembrar onde eu li, ou de quem eu ouvi essa frase:

"As palavras obrigado e por favor foram criadas por que acreditamos que somos donos de algo."

Se eu perdesse o emprego, não tivesse como pagar minha casa e fosse despejado, se não tivesse com o que comprar comida, pagar minhas contas e passasse a ser um morador de rua, o que eu gostaria que um estranho que está vivendo sua vida padrão fizesse por mim? Pois é, está cheio de Andrés nessas situações por aí e eu estou aqui vivendo minha vida padrão como um estranho. Talvez eu esteja sendo utópico demais e entre o tudo e o nada, quem sabe o correto, mesmo que por motivos errados, seja o suficiente.

Enfim, o cometa que vai provocar o próximo apocalipse não vem de cima. Ele está gradualmente sendo construído aqui embaixo e sendo catapultado para o alto, pela "grande" e atual "espécie dominante". Enquanto ele sobe, as vezes alguns escombros menores se desprendem e atingem o solo causando consequências desesperadoras como redução de margens de lucro, quedas nas vendas, altas no dólar, inflação, desvalorização de bens, bolhas estourando, corrupção à tona, calores e frios extremos, atentados, queimadas, inundações etc. Quando a grande pedra cair, ela vai derrubar o castelo de areia. A minha maior curiosidade é saber quem serão os "insignificantes" e "marginalizados" seres que irão sobreviver e ter a sua chance de dominar o planeta. Eu sei que é clichê terminar assim, mas... a casa vai cair. Ela caiu todas as vezes na historia das grandes potências, por que seria diferente desta vez? E agora será como foi para os dinossauros, será global.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O Cumulo da Covardia

"Não faça da lógica uma religião, pois com a passagem do tempo a razão pode lhe falhar; e quando isso ocorrer você poderá se descobrir procurando refúgio na loucura."
Anne Rice

Desta vez, eu vou introduzir o assunto falando um pouco dos bastidores. Quem sabe ser, se não espontâneo, menos... Previsível? Há um tempo atrás eu escrevi o texto Teste de Visão do Pica-Pau. Um leitor (talvez não seja mais um leitor desde aquele texto) respondeu ao assunto. Eu sei quem é a pessoa, mas não a conheço. Fato é que, de alguma forma, a resposta chegou até mim e dizia que acreditar em Deus é como acreditar em conto de fadas. Também recebi essa reportagem com o astrofísico Neil Degrasse Tyson. Então, os meus dois textos subsequentes foram Diga-me o Que Ouves e Te Direi Quem Tu És e Sobre Ateus, Crentes e Preguiças. Eu também já tinha escrito Deuses Tomam Sopa no Topo do Monte Olimpo, mas é provável que não fora lido.  Para quem gosta deste tipo de discussão, Deus versus Ciência, esse outro link é uma boa pedida (uma moeda só é uma moeda, porque ela tem dois lados).

Essa questão voltou a minha mente, mas não preocupado com o vão embate entre Deus e Ciência e sim curioso em saber por que alguém se sentiria confrontado com um texto meu, a ponto de querer responder nos moldes que o fez. Nunca direcionei meus textos a ninguém, apesar de as vezes imaginar escrever para algumas pessoas (escrever para o computador é muito impessoal). Só consegui chegar a uma conclusão: a lógica. Também costumamos ficar arredios quando reconhecemos o que realmente somos, mas vamos ficar com a lógica por hoje.

Cada um de nós deve ter uma lógica na mente, uma estrutura onde tudo se encaixa muito bem e que fundamenta todas as nossas decisões, escolhas e o que dizemos acreditar. Uma observação pertinente é que, apesar de ser exatamente sobre Deus a sugestão do texto do "Pica-Pau", em nenhum momento eu citei isso. A sugestão foi bem sucedida apenas porque Ele está na mente de quem leu. Se o conceito de Deus não existisse, a interpretação do texto talvez fosse outra. Ou se estivéssemos interessados em olhar para dentro e não para fora, perceberíamos que aquele texto está tentando falar sobre nós. Já falei aqui sobre a capacidade limitada de reconhecermos um universo puro justamente porque nosso cérebro é o produto deste universo que queremos explicar.

É bem provável que o caro leitor, o que se sentiu confrontado, tenha vislumbrado alguma lógica em meu texto e por isso se sentiu impelido a responder. Afinal, como algo que não se encaixa na minha lógica pode parecer tão lógico? O primeiro ponto é que não há lógica no que eu escrevo, no máximo as coisas se encaixam. O segundo ponto já citei outras vezes, a questão não é a lógica, mas sim a escolha. Se a verdade fosse a lógica, ela teria um dono e o resto seria apenas sofisma. E sabemos que não existem "donos da verdade", ou será que existe? Enfim, o que mais existe por aí são lacunas, por isso a importância da escolha.

"(...)
Neo: Só há duas explicações possíveis, ou ninguém me disse, ou ninguém sabe.
(...)
Neo: Escolha. O problema é a escolha."
Matrix Reloaded (2013)

Desviando: Vamos falar um pouco de lógica então. Meu irmão compartilhou uma história que ele ouviu, ou leu em algum lugar. Imagine que você precisa de uma camiseta. Então, você vai a uma loja e encontra uma por 40 reais. No momento de pagar, o atendente muito gentil te avisa, sutilmente, que uma loja cinco quadras adiante vende a mesma camiseta por 20 reais. A maioria das pessoas, assim como eu, provavelmente andaria mais cinco quadras para pagar menos. No dia seguinte, você, que juntou dinheiro durante anos, finalmente vai comprar seu carro. Você chega na concessionária e o carro que você escolheu custa 30.000 reais. Na hora de pagar, o atendente muito gentil te avisa, sutilmente, que uma concessionária cinco quadras adiante vende o mesmo carro por 29.980 reais. E agora? Você anda mais cinco quadras? A minha resposta é não, só não sei ainda porquê.

OK, você pode tentar explicar a questão falando de proporção. 20 em 40 representa metade, enquanto 20 em 30.000 representa apenas 0,07%. Mas você pode não ter levado em consideração que, os 20 reais economizados com o carro poderiam ter feito toda a diferença se fossemos comprar a camiseta após a compra do carro e não antes. Você também pode não ter ouvido ainda o presidente do Uruguai, José Mujica, no documentário Human Vol. 1. Ele diz que quando compramos algo, não compramos com dinheiro, mas compramos com tempo de vida. Ou você acha que conseguimos dinheiro de alguma outra forma? Esse negócio de dinheiro é uma cortina de fumaça. No âmago da coisa, nós estamos falando de horas de vida. Por isso, continuo não sabendo porque 20 reais do meu tempo é mais valioso na primeira ocasião e menos valioso na segunda.

Voltando: É possível que minha crença não passe mesmo de conto de fadas (há muitas lacunas no Universo, lembra?), mas entre o seis e a meia-dúzia, eu escolhi acreditar que a realidade que vemos diante de nossos olhos é pura ilusão, infelizmente construída por nós mesmos para não precisarmos olhar para o que estamos nos tornando.

Eu perdi a esperança em nós. Há quantos milênios a humanidade está tentando evoluir e se tornar algo melhor? Os dias de hoje são menos bárbaros do que séculos atrás? Nós precisamos de campanhas para convencer as pessoas a ajudar outras pessoas. Nós ainda estamos discutindo sobre pena de morte e maioridade penal sem dar estudo aos envolvidos para que possam argumentar também. Nós ainda invejamos, mentimos, matamos, estupramos, decapitamos, roubamos, corrompemos, persuadimos, oprimimos, substituímos pessoas, servimos instituições como se fossem mais importantes que nós. Nós varremos o lixo para debaixo do tapete, nos orgulhamos por fazer isso melhor do que nossos antepassados e a isso damos o nome de evolução. Como se não bastasse, no último século, passamos a destruir nossa casa. E lá do alto, bem lá do alto, olhamos para baixo e nos perguntamos, como Deus pode existir sem fazer nada. Pois é, como podemos não fazer nada?

Desviando: O mundo que construímos está nos consumindo. Ou somos workaholic, ou somos hippies. Uma pessoa sem ambição não tem lugar no nosso mundo. Tente dizer em uma entrevista de emprego, ou para o seu chefe, que você não almeja nada além do cargo que está tentando conquistar, ou que já alcançou. Se você não quer mais, ou você é acomodado, ou você é derrotado. Pense em um empacotador que gosta do que faz. É difícil, segundo a lógica atual, achar que ele goste do que faz. Até podemos concordar que ele seja uma pessoa feliz, mas precisamos de muito esforço mental para acreditar que ele teve sucesso na vida. No mesmo trecho do documentário que já citei, José Mujica também diz que criamos uma sociedade consumista, que inventamos uma série de motivos supérfluos para acreditarmos que a economia tem que girar, caso contrário seria um tragédia.

Voltando: Eu gostaria de, tantas vezes quanto me desse vontade, mergulhar em um lago de águas geladas ao pé de uma cascata e me esquentar ao sol deitado sobre uma pedra. Eu gostaria de me levantar de manhã sem me preocupar em qual dia da semana estamos. Eu gostaria de parar tudo o que eu estivesse fazendo para poder ajudar alguém a carregar seu peso, sem ter quem me cobrasse resultados. Eu gostaria que todos tivessem as mesmas oportunidades de vida. Eu gostaria mesmo é de ter uma bagagem bem pequena para poder aproveitar a viagem, pois não vai dar para repetir o passeio. Mas infelizmente, ou o mundo que criamos não permite espaço para quem acredita em conto de fadas, ou eu não acredito tanto assim no que eu digo que acredito. É Deus quem não existe, ou sou eu quem não existe?

É hipocrisia de nossa parte insistir em falar que nossas crenças e escolhas tenham alguma coisa a ver com lógica. Ela só serve para nos iludir, para nos convencer de que não somos os responsáveis. Ou nós temos alguma alternativa frente ao que é lógico? Lavo minhas mãos.

Mas se ainda assim existisse alguma lógica, eu diria com o pesar da insignificância que seria aceitar que não se pode vencer.

"Às vezes, quando já não nos vemos como o herói do nosso próprio drama...
Sabe, esperando vitória atrás de vitória.
E percebemos profundamente que isto não é o paraíso.
De alguma forma somos especialmente privilegiados.
De certa forma abraçamos a noção de que este vale de lágrimas pode ser perfeito.
Descobri que as coisas se tornavam bastante mais fáceis quando...
Quando eu já não esperava vencer."
Leonard Cohen – I’m Your Man (2005)

Sabe qual é o cumulo da covardia? O medo de um dia ter coragem de seguir com nossas escolhas até as últimas consequências.


Agradecimentos: Ao meu irmão MAS pela história da compra da camiseta e ao meu amigo PER que compartilhou seu questionamento sobre o que é ter sucesso.