domingo, 27 de setembro de 2015

O Gênio da Lâmpada

"Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele."
Adriana Falcão

Aladim é uma personagem fictícia de um conto chamado "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa", parte da coletânea árabe "As mil e uma noites" A aventura consiste na busca por tesouros preciosos, ocasião em que a personagem principal, resistente a responsabilidades e preocupado apenas em se divertir, encontra acidentalmente uma lamparina. Ao esfregar a lâmpada, um gênio é liberado, ser fantástico e poderoso capaz de conceder desejos. Talvez você já tenha ouvido falar dessa história, há uma versão ocidental muito conhecida no formato de animação.

O caso curioso é que o conceito original de gênio (ou Jinn) da mitologia árabe remete a seres que estão entre anjos e humanos, mas não são nenhum dos dois. Eles teriam sido criados antes dos humanos e não teriam aceitado se curvar diante da nova criatura. Como punição pela rebeldia, eles teriam sido lançados à Terra, onde passaram a interferir no destino das pessoas de forma asquerosa e perversa, por pura retaliação. Os gênios seriam feitos de ar e fogo e por isso poderiam assumir o formato de qualquer objeto inanimado, como pedras, madeiras, garrafas, lamparinas etc. Ao longo da evolução do mito, ele se tornou o equivalente ao Satanás da tradição judaico-cristã.

Falando em tradição judaico-cristã, sem perder de vista o atendimento a pedidos por um ser fantástico e poderoso, lembrei que depois de me tornar uma pessoa religiosa, uma questão passou a atormentar a lógica dos meus neurônios: eu sempre fiz orações, mas eu nunca tinha a certeza de que elas estavam sendo atendidas. Sempre pedia em favor de mim mesmo, pedia em favor de familiares, pedia em favor de amigos. Eu tentava consultar a Deus sobre as decisões corretas, solicitava ajuda frente as injustiças e doenças, fazia tudo que supostamente uma pessoa religiosa faz. Até ocorreram alguns casos muito curiosos, qualquer dia desses posso contar essas experiências, mas no cerne da questão permanecia aquele sentimento de impotência, análogo aquela expectativa que fica ao tentarmos medir a força certa e a posição correta para um lançamento de dardos, tentando atingir o alvo. O que deveria ser dito? Como deveria ser feito? Que ritual deveria ser seguido? O que me permitiria ser ouvido e ter o desejo atendido? Por que parecia que eu falava sozinho?

Poxa, se Deus existe, se Ele é bom, se Ele é onipotente e se Ele me ouve, por que Ele não atende aos meus pedidos? Caramba! Será que Deus não existe?

Desviando: Interessante, acabei de me lembrar de uma anedota curiosa. Os três patetas (originalmente não era com eles, mas fica politicamente correto desse jeito) resolveram fazer alguns experimentos com uma aranha. Eles colocaram-na sobre uma mesa e um deles disse, "aranha, ande". Então, a aranha andou normalmente. Cruelmente, eles retiraram uma das oito pernas da aranha e falaram novamente, "aranha, ande". Acredito que a aranha tentou correr, mas vamos nos ater a história que diz que ela andou normalmente mais uma vez. Pois bem, os três patetas fizeram isso com as oito patas da aranha (são uns patetas mesmo) e a cada perna retirada eles repetiam o pedido, "aranha, ande". A aranha conseguiu andar em todas as vezes, mas de fato com muita dificuldade quando com apenas duas e uma perna. Após tirar a última perna da aranha, os três patetas tiveram que repetir por três vezes, "aranha, ande", até garantirem que ela não estava andando (não faça perguntas, são os três patetas). A conclusão a que chegaram? Quando a aranha não tem mais nenhuma pata, ela fica surda.

Voltando: De repente (não me pergunte quando ou como, pois eu não sei), eu percebi que, na minha mente, Deus não passava de um tipo diferente de trevo de quatro folhas, de um chaveiro de pata de coelho, uma ferradura de cavalo, sementes de romã dentro da carteira, pular sete ondas no Réveillon, o gênio da lâmpada. Eu tinha transformado Deus em um amuleto da sorte.


Eu não estava preocupado com o que, ou quem era Deus. Eu era (e possivelmente muito de mim ainda seja) simplesmente uma pessoa religiosa, uma pessoa ritualística. Eu nunca havia parado para pensar o que, ou quem poderia ser Deus. Que interesse Ele poderia ter em mim? Que tipo de relacionamento eu poderia ter com Ele? Onde Ele ficaria? Como poderia reconhecê-Lo? Se avaliarmos friamente (custa um pouco reconhecer isso), eu não estava interessado em Deus, mas estava apenas interessado em atender as minhas vontades.


Depois desta auto avaliação, as coisas pareceram ter mudado um pouco, foi como descobrir que não é que os pedidos não eram atendidos, mas parece que os pedidos feitos não eram os corretos. Foi como perceber que não é que Deus está lá e eu estou aqui, mas é que Deus parece querer ser reconhecido em cada um de nós. Uma coisa é pedir para que a fome seja extinguida do mundo, outra coisa é pedir para que sempre tenha condições financeiras e um coração generoso para dividir o que tem com quem precisa.

"Encontramos espelhos de nós mesmos em todas as partes e não nos identificamos com nenhum deles".
Leonardo Boff – Eu Maior (2013)

Então, aconteceu algo muito estranho (entre tantas coisas estranhas que pude identificar de antes e depois). Imagine que sua vida foi se desenvolvendo ao longo de vários anos, desde a infância até a fase adulta, decisão após decisão, escolha após escolha, parecendo que tudo estava caminhando bem, que tudo estava dentro do plano. Em determinado momento, você percebe que chegou em um ponto em que tudo ficou muito difícil, ou pelo menos você acredita nisso. Você não está mais conseguindo lidar com as situações. Você questiona se suas escolhas foram as corretas, ou como não pôde perceber onde tudo iria parar.

Agora suponha que você acredita em Deus e resolve fazer uma oração (entre tantas outras que, até então, você julgava não terem sido atendidas). Desta vez você diz na conversa com o Criador que nem mesmo você sabe o que seria bom para si próprio, que não sabe mais o que pedir, afinal de contas, todas as suas decisões, que sempre pareceram tão claras, resultaram em um momento bem duro, segundo o seu julgamento. De qualquer forma você dá sua opinião sobre o que você acha que poderia ser melhor agora, mas diz que confia Nele e que tem a certeza de que Ele te conhece melhor do que você mesmo. No fim daquela mesma semana, você faz uma ligação para falar sobre qualquer assunto aleatório com um amigo do outro lado da linha, mas inesperadamente recebe uma proposta que pode mudar toda a sua vida e exatamente da forma como você disse que achava ser o melhor nesse momento. Você fica de "boca aberta" e resolve mergulhar de cabeça. Não é todo dia que acontece uma coisa dessas.

Enfim, poucos dias após a oração tudo mudou, você já está em uma vida completamente diferente. Qual sua conclusão? Se você acreditar que Deus não passa de um gênio da lâmpada, você vai concluir que Ele está lá apenas para atender aos seus caprichos e a pergunta seria, quem é o deus dessa história? Mas se você considerar que é Deus quem tem um plano, então você vai perceber que a melhor forma de convencer uma pessoa a tomar a decisão correta é fazê-la acreditar que ela desejou por aquilo, leve quanto tempo levar. (Já falei aqui sobre a dificuldade em reconhecermos o que somos nós e o que não vem de nós).

Eu tenho algumas convicções sobre a existência de Deus (você pode chamar de fé se quiser, pois é só uma palavra tentando explicar um conceito, já falei algo sobre isso aqui e aqui). Entre essas convicções, não existe gênio da lâmpada e não sou eu quem dita as regras.

Sobre o que é Deus? É uma busca bem pessoal, a única coisa que posso e consigo dizer hoje é que eu sigo algumas pistas.

"Disse Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta.
Jesus respondeu: Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: Mostra-nos o Pai?"
João 14, versos 8 e 9

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