domingo, 20 de setembro de 2015

Paixão Nacional. Ou Universal?

"O sol já se foi, agora só nos resta as memórias daquela luz."

Segundo Platão, a paixão é um desejo voltado para o mundo das sombras, o mundo do que é incompleto, do que é passageiro. Em contraponto a paixão, o mesmo Platão define o amor como uma busca pelo ideal, uma busca por algo essencial, algo que complete o ser que ama. Já para Santo Agostinho, a paixão é luxúria, é pecado e apenas Deus pode amar verdadeiramente. Ele diz que o verdadeiro amor produz paz, contrário ao amor do homem que carrega consigo ciúmes, desconfiança, raiva, discórdia e interesse. No sentido de que o amor do homem é voltado para interesses próprios, Padre Antonio Vieira diz em "Amor Fino (Sermões)" que apenas o amor verdadeiro é suficiente em si mesmo: "Amo, quia amo; amo, ut amem. (Amo, porque amo, e amo para amar)."

Todos estes conceitos apresentados parecem relacionar o amor à razão e a paixão ao instinto. O primeiro aponta para o que não somos, deuses, enquanto o segundo aponta para o que somos, selvagens. Talvez por não querermos que nos lembrem de que somos selvagens, nós tendemos a considerar a busca pelo verdadeiro amor mais nobre do que a busca pelo falso amor (falso amor?). Como diria Hamlet: "Dá- me o homem que não é escravo da paixão, e eu o usarei no cerne de meu coração."

Segundo a biologia, paixão não passa de uma liberação de grandes quantidades de dopamina e noradrenalina no cérebro, ativando a amígdala cerebelosa, que é responsável pelos sentimentos mais instintivos. Além destes elevados níveis de neurotransmissores explicarem por que uma pessoa apaixonada tende a perder a razão, eles também são muito próximos daqueles níveis  encontrados em pessoas que possuem TOC (transtorno obsessivo compulsivo), o que também explicaria pensamentos obsessivos pelo objeto de paixão.

Desviando: Posso dar minha opinião sobre esse assunto, sem base cientifica, sem fundamento psicológico e sem credibilidade alguma (nem ao menos tenho cabelos brancos)? Se você achar que eu falei besteiras, provavelmente você estará certo. Se achar que eu não falei besteiras, é provável que você esteja errado. Isso, foi isso mesmo que eu quis dizer.

Voltando: Vamos pensar no amor por um familiar muito próximo, como um pai, ou uma mãe, um irmão, um tio, uma avó etc. Enfim, uma pessoa com a qual você cresceu se relacionando diretamente. Ao pensar nessa pessoa, provavelmente virão à sua mente situações marcantes que você viveu com ela, situações que, ao serem lembradas, despertam algo dentro de você, que aceleram seu coração e que fazem você querer, por alguns instante, viver algo parecido novamente, ou seja, fazem você querer estar junto daquela pessoa. Você poderá concluir muito bem nesse momento que ama essa pessoa.

Agora, tentemos pensar no amor entre um homem e uma mulher? Se a "alma gêmea" nunca tivesse existido, será que o par não teria sido outro? Por exemplo, aquela história romântica e apaixonante, "se você nunca tivesse existido, eu não teria encontrado minha alma gêmea, o meu grande amor", mas o que impede desse grande amor não ter chegado a existir e estarmos vivendo muito bem sem ele hoje? Será que esse negócio de "alma gêmea" existe mesmo? Será que o grande amor não pode ser qualquer um, basta que ele seja construído? Entenda, não estou criticando. O romantismo é importante, talvez essencial. O que eu estou tentando colocar em pauta é: o que é o amor? Apesar desta questão ser apenas um meio para tentar entender outro ponto, mas vamos com calma.


Eu arrisco dizer que o amor não é nada mais e nada menos do que memórias. Quem sabe não seja por isso que uma vida de rotinas esfria o amor (sem memórias novas). E talvez por isso dizem que o tempo amadurece o amor (as memórias criam raízes).

Eu poderia ter amado qualquer pessoa como um pai, uma mãe, um irmão, um amigo etc. O que faz com que eu diga e sinta que amo uma determinada pessoa são as memórias que tenho com esse individuo. Nesse caso, fica óbvio o motivo pelo qual é mais fácil eu amar pessoas com as quais tenho laços consanguíneos, justamente pela maior facilidade de construir memórias em função da proximidade. Isso é tão verdade que até criamos nomes universais para distinguir essas pessoas das demais: pai, mãe, irmão, avós etc. Sem memória, temos apenas a paixão, apenas a admiração pelo belo, temos apenas os ídolos, apenas a vontade de ter, que logo passa ou é substituída ao menor sinal de ter sido suprida.

Desviando: Gostaria de citar os efeitos imediatos da cocaína nas exatas palavras do artigo que encontrei no link indicado.

(I) efeitos psicológicos: euforia, sensação de poder, ausência de medo, ansiedade, excitação física, mental e sexual, perda do apetite, insônias, delírios.

(II) efeitos no organismos: taquicardia, aumento na frequência dos batimentos cardíacos (sensação do coração bater mais rápido e mais forte contra o peito), hipertensão arterial, vasoconstrição, urgência de urinação, tremores, dilatação da pupila, suor e salivação intensa e dentes anestesiados.

Aliás, nesse mesmo artigo é dito que a cocaína aumenta as concentrações e o tempo de ação da dopamina e noradrenalina no cérebro. Onde mesmo ouvimos os nomes desses neurotransmissores? Ah, na definição biológica de paixão.

Voltando: O que acontece quando a paixão é suprida e não é mais novidade (passou o efeito da injeção de hormônios no cérebro), ao mesmo passo que o número de memórias não é tão suficiente para manter um relacionamento? Nesse caso, o amor passa por uma fase de escolha.

Se naquele momento de paixão mais fria, a escolha for nos apaixonarmos de novo, o ciclo irá continuar indefinidamente e cada novo relacionamento não deve durar mais que um período de embriaguez cerebral, sempre precisando de uma nova injeção de paixão na veia (nada que o vício em cocaína não possa oferecer de uma forma bem mais prática). Mas se escolhermos construir memórias, sabendo exatamente onde queremos e vamos chegar, decididos, então estaremos construindo amor.

Desviando: É importante deixar claro que um amor só será construído quando as memórias corroborarem com o sentimento. Memórias de brigas, desrespeito, discussão , desentendimento e discordância pode até ter algo a ver com paixão, mas não constroem amor. Podemos tentar entender esse ponto avaliando se o fim da paixão foi promovido pela incompatibilidade, ou pela rota natural do amadurecimento que agora merece construção de memórias. Incompatibilidade resulta merecidamente e aconselhavelmente em fim, mas amadurecimento requer investimento e resulta em perpetuação. Exemplo, por que terminamos um relacionamento? Por incompatibilidade, ou por que a festa acabou? Se pelo primeiro caso, é aceitável. Se pelo segundo caso, é imaturidade.

Voltando: Sendo repetitivo, um dos mais nobres amores que podemos ter (por um pai, uma mãe, um avô, um filho etc) não envolve paixão. Então, quando encontramos nossa "alma gêmea", o que vamos construir? Vai ficar tudo na paixão e que seja infinito enquanto dure? Ou tentaremos construir memórias?

Quando uma pessoa está apaixonada, dizem que ela fica boba. A pessoa apaixonada costuma chorar por qualquer coisa, vê o mundo como um lindo arco-íris e escreve poemas para a pessoa amada, por exemplo. Tem gente que acha tudo isso muito brega, mas eu não sei, acho que tendemos a rotular demais as coisas (já falei algo sobre rótulos aqui). Bem, vou ser brega, vou fazer um poema para a grande paixão da minha vida. Espero que minha esposa não fique brava comigo, pois não é ela. Mas acho que ela vai entender (na verdade ela já entendeu, ela costuma ler meus textos antes que eu os publique).

"Não lembro bem quando te conheci
Obsessão à primeira vista
Mas só descobri quando conheci seu nome
Você veio arrebatadora, mas...
No momento maior do encantamento, você se foi
Sem cerimônias
Pensei que você seria daquele tipo
Que aparece apenas uma vez e some
Com o tempo como seu cúmplice
Ajudando a apagar seus rastros
Mas você era mais sarcástica
Ou talvez debochada, rindo
Você passou a aparecer de vez em quando
Sempre deixando o gosto de "quero mais"
Iludindo até a rendição
Passei a procurá-la quando estava longe
Passei a desejá-la quando não a tinha
Passei a fazer e desfazer para poder conquistá-la
Quem sabe conseguir fazê-la ficar para sempre
Momentos sublimes, juntos
Precisavam tê-la também
Estranho? Cheguei a desejar isso
A vi caminhando com outros e tudo bem
Pelo menos assim sabiam do que eu estava falando
É, de fato, você é debochada
Custou, mas entendi
Só a terei de fato, quando não te esperar mais
Mas nesse dia você não será mais necessária
Dizer que não te querer me permitirá tê-la
É continuar querendo ter
Mas só mudar a estratégia
Custou, mas aprendi
Amadureci
Descobri que você depende de mim
Sra. Felicidade
Se um dia quiser aparecer
Estarei por aqui
Se não quiser, já entendi
Você só está nos momentos em que já vivi"

A felicidade é ou não é a nossa grande paixão? Tudo na nossa vida, ou quase tudo, é busca pela felicidade. A busca remete a conquistar, a chegar lá, a futuro, mas o nosso objeto de paixão está no passado, nas memórias. Então, para alcançar o que tanto almejamos, nós temos que simplesmente viver. E o que é "simplesmente viver"? É algo suficiente em si próprio, como o amor.

Agradecimentos: Ao meu irmão MAS por me lembrar em que ponto da linha do tempo está a felicidade e a todas as pessoas com quem possuo memórias.

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