domingo, 27 de setembro de 2015

O Gênio da Lâmpada

"Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele."
Adriana Falcão

Aladim é uma personagem fictícia de um conto chamado "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa", parte da coletânea árabe "As mil e uma noites" A aventura consiste na busca por tesouros preciosos, ocasião em que a personagem principal, resistente a responsabilidades e preocupado apenas em se divertir, encontra acidentalmente uma lamparina. Ao esfregar a lâmpada, um gênio é liberado, ser fantástico e poderoso capaz de conceder desejos. Talvez você já tenha ouvido falar dessa história, há uma versão ocidental muito conhecida no formato de animação.

O caso curioso é que o conceito original de gênio (ou Jinn) da mitologia árabe remete a seres que estão entre anjos e humanos, mas não são nenhum dos dois. Eles teriam sido criados antes dos humanos e não teriam aceitado se curvar diante da nova criatura. Como punição pela rebeldia, eles teriam sido lançados à Terra, onde passaram a interferir no destino das pessoas de forma asquerosa e perversa, por pura retaliação. Os gênios seriam feitos de ar e fogo e por isso poderiam assumir o formato de qualquer objeto inanimado, como pedras, madeiras, garrafas, lamparinas etc. Ao longo da evolução do mito, ele se tornou o equivalente ao Satanás da tradição judaico-cristã.

Falando em tradição judaico-cristã, sem perder de vista o atendimento a pedidos por um ser fantástico e poderoso, lembrei que depois de me tornar uma pessoa religiosa, uma questão passou a atormentar a lógica dos meus neurônios: eu sempre fiz orações, mas eu nunca tinha a certeza de que elas estavam sendo atendidas. Sempre pedia em favor de mim mesmo, pedia em favor de familiares, pedia em favor de amigos. Eu tentava consultar a Deus sobre as decisões corretas, solicitava ajuda frente as injustiças e doenças, fazia tudo que supostamente uma pessoa religiosa faz. Até ocorreram alguns casos muito curiosos, qualquer dia desses posso contar essas experiências, mas no cerne da questão permanecia aquele sentimento de impotência, análogo aquela expectativa que fica ao tentarmos medir a força certa e a posição correta para um lançamento de dardos, tentando atingir o alvo. O que deveria ser dito? Como deveria ser feito? Que ritual deveria ser seguido? O que me permitiria ser ouvido e ter o desejo atendido? Por que parecia que eu falava sozinho?

Poxa, se Deus existe, se Ele é bom, se Ele é onipotente e se Ele me ouve, por que Ele não atende aos meus pedidos? Caramba! Será que Deus não existe?

Desviando: Interessante, acabei de me lembrar de uma anedota curiosa. Os três patetas (originalmente não era com eles, mas fica politicamente correto desse jeito) resolveram fazer alguns experimentos com uma aranha. Eles colocaram-na sobre uma mesa e um deles disse, "aranha, ande". Então, a aranha andou normalmente. Cruelmente, eles retiraram uma das oito pernas da aranha e falaram novamente, "aranha, ande". Acredito que a aranha tentou correr, mas vamos nos ater a história que diz que ela andou normalmente mais uma vez. Pois bem, os três patetas fizeram isso com as oito patas da aranha (são uns patetas mesmo) e a cada perna retirada eles repetiam o pedido, "aranha, ande". A aranha conseguiu andar em todas as vezes, mas de fato com muita dificuldade quando com apenas duas e uma perna. Após tirar a última perna da aranha, os três patetas tiveram que repetir por três vezes, "aranha, ande", até garantirem que ela não estava andando (não faça perguntas, são os três patetas). A conclusão a que chegaram? Quando a aranha não tem mais nenhuma pata, ela fica surda.

Voltando: De repente (não me pergunte quando ou como, pois eu não sei), eu percebi que, na minha mente, Deus não passava de um tipo diferente de trevo de quatro folhas, de um chaveiro de pata de coelho, uma ferradura de cavalo, sementes de romã dentro da carteira, pular sete ondas no Réveillon, o gênio da lâmpada. Eu tinha transformado Deus em um amuleto da sorte.


Eu não estava preocupado com o que, ou quem era Deus. Eu era (e possivelmente muito de mim ainda seja) simplesmente uma pessoa religiosa, uma pessoa ritualística. Eu nunca havia parado para pensar o que, ou quem poderia ser Deus. Que interesse Ele poderia ter em mim? Que tipo de relacionamento eu poderia ter com Ele? Onde Ele ficaria? Como poderia reconhecê-Lo? Se avaliarmos friamente (custa um pouco reconhecer isso), eu não estava interessado em Deus, mas estava apenas interessado em atender as minhas vontades.


Depois desta auto avaliação, as coisas pareceram ter mudado um pouco, foi como descobrir que não é que os pedidos não eram atendidos, mas parece que os pedidos feitos não eram os corretos. Foi como perceber que não é que Deus está lá e eu estou aqui, mas é que Deus parece querer ser reconhecido em cada um de nós. Uma coisa é pedir para que a fome seja extinguida do mundo, outra coisa é pedir para que sempre tenha condições financeiras e um coração generoso para dividir o que tem com quem precisa.

"Encontramos espelhos de nós mesmos em todas as partes e não nos identificamos com nenhum deles".
Leonardo Boff – Eu Maior (2013)

Então, aconteceu algo muito estranho (entre tantas coisas estranhas que pude identificar de antes e depois). Imagine que sua vida foi se desenvolvendo ao longo de vários anos, desde a infância até a fase adulta, decisão após decisão, escolha após escolha, parecendo que tudo estava caminhando bem, que tudo estava dentro do plano. Em determinado momento, você percebe que chegou em um ponto em que tudo ficou muito difícil, ou pelo menos você acredita nisso. Você não está mais conseguindo lidar com as situações. Você questiona se suas escolhas foram as corretas, ou como não pôde perceber onde tudo iria parar.

Agora suponha que você acredita em Deus e resolve fazer uma oração (entre tantas outras que, até então, você julgava não terem sido atendidas). Desta vez você diz na conversa com o Criador que nem mesmo você sabe o que seria bom para si próprio, que não sabe mais o que pedir, afinal de contas, todas as suas decisões, que sempre pareceram tão claras, resultaram em um momento bem duro, segundo o seu julgamento. De qualquer forma você dá sua opinião sobre o que você acha que poderia ser melhor agora, mas diz que confia Nele e que tem a certeza de que Ele te conhece melhor do que você mesmo. No fim daquela mesma semana, você faz uma ligação para falar sobre qualquer assunto aleatório com um amigo do outro lado da linha, mas inesperadamente recebe uma proposta que pode mudar toda a sua vida e exatamente da forma como você disse que achava ser o melhor nesse momento. Você fica de "boca aberta" e resolve mergulhar de cabeça. Não é todo dia que acontece uma coisa dessas.

Enfim, poucos dias após a oração tudo mudou, você já está em uma vida completamente diferente. Qual sua conclusão? Se você acreditar que Deus não passa de um gênio da lâmpada, você vai concluir que Ele está lá apenas para atender aos seus caprichos e a pergunta seria, quem é o deus dessa história? Mas se você considerar que é Deus quem tem um plano, então você vai perceber que a melhor forma de convencer uma pessoa a tomar a decisão correta é fazê-la acreditar que ela desejou por aquilo, leve quanto tempo levar. (Já falei aqui sobre a dificuldade em reconhecermos o que somos nós e o que não vem de nós).

Eu tenho algumas convicções sobre a existência de Deus (você pode chamar de fé se quiser, pois é só uma palavra tentando explicar um conceito, já falei algo sobre isso aqui e aqui). Entre essas convicções, não existe gênio da lâmpada e não sou eu quem dita as regras.

Sobre o que é Deus? É uma busca bem pessoal, a única coisa que posso e consigo dizer hoje é que eu sigo algumas pistas.

"Disse Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta.
Jesus respondeu: Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: Mostra-nos o Pai?"
João 14, versos 8 e 9

domingo, 20 de setembro de 2015

Paixão Nacional. Ou Universal?

"O sol já se foi, agora só nos resta as memórias daquela luz."

Segundo Platão, a paixão é um desejo voltado para o mundo das sombras, o mundo do que é incompleto, do que é passageiro. Em contraponto a paixão, o mesmo Platão define o amor como uma busca pelo ideal, uma busca por algo essencial, algo que complete o ser que ama. Já para Santo Agostinho, a paixão é luxúria, é pecado e apenas Deus pode amar verdadeiramente. Ele diz que o verdadeiro amor produz paz, contrário ao amor do homem que carrega consigo ciúmes, desconfiança, raiva, discórdia e interesse. No sentido de que o amor do homem é voltado para interesses próprios, Padre Antonio Vieira diz em "Amor Fino (Sermões)" que apenas o amor verdadeiro é suficiente em si mesmo: "Amo, quia amo; amo, ut amem. (Amo, porque amo, e amo para amar)."

Todos estes conceitos apresentados parecem relacionar o amor à razão e a paixão ao instinto. O primeiro aponta para o que não somos, deuses, enquanto o segundo aponta para o que somos, selvagens. Talvez por não querermos que nos lembrem de que somos selvagens, nós tendemos a considerar a busca pelo verdadeiro amor mais nobre do que a busca pelo falso amor (falso amor?). Como diria Hamlet: "Dá- me o homem que não é escravo da paixão, e eu o usarei no cerne de meu coração."

Segundo a biologia, paixão não passa de uma liberação de grandes quantidades de dopamina e noradrenalina no cérebro, ativando a amígdala cerebelosa, que é responsável pelos sentimentos mais instintivos. Além destes elevados níveis de neurotransmissores explicarem por que uma pessoa apaixonada tende a perder a razão, eles também são muito próximos daqueles níveis  encontrados em pessoas que possuem TOC (transtorno obsessivo compulsivo), o que também explicaria pensamentos obsessivos pelo objeto de paixão.

Desviando: Posso dar minha opinião sobre esse assunto, sem base cientifica, sem fundamento psicológico e sem credibilidade alguma (nem ao menos tenho cabelos brancos)? Se você achar que eu falei besteiras, provavelmente você estará certo. Se achar que eu não falei besteiras, é provável que você esteja errado. Isso, foi isso mesmo que eu quis dizer.

Voltando: Vamos pensar no amor por um familiar muito próximo, como um pai, ou uma mãe, um irmão, um tio, uma avó etc. Enfim, uma pessoa com a qual você cresceu se relacionando diretamente. Ao pensar nessa pessoa, provavelmente virão à sua mente situações marcantes que você viveu com ela, situações que, ao serem lembradas, despertam algo dentro de você, que aceleram seu coração e que fazem você querer, por alguns instante, viver algo parecido novamente, ou seja, fazem você querer estar junto daquela pessoa. Você poderá concluir muito bem nesse momento que ama essa pessoa.

Agora, tentemos pensar no amor entre um homem e uma mulher? Se a "alma gêmea" nunca tivesse existido, será que o par não teria sido outro? Por exemplo, aquela história romântica e apaixonante, "se você nunca tivesse existido, eu não teria encontrado minha alma gêmea, o meu grande amor", mas o que impede desse grande amor não ter chegado a existir e estarmos vivendo muito bem sem ele hoje? Será que esse negócio de "alma gêmea" existe mesmo? Será que o grande amor não pode ser qualquer um, basta que ele seja construído? Entenda, não estou criticando. O romantismo é importante, talvez essencial. O que eu estou tentando colocar em pauta é: o que é o amor? Apesar desta questão ser apenas um meio para tentar entender outro ponto, mas vamos com calma.


Eu arrisco dizer que o amor não é nada mais e nada menos do que memórias. Quem sabe não seja por isso que uma vida de rotinas esfria o amor (sem memórias novas). E talvez por isso dizem que o tempo amadurece o amor (as memórias criam raízes).

Eu poderia ter amado qualquer pessoa como um pai, uma mãe, um irmão, um amigo etc. O que faz com que eu diga e sinta que amo uma determinada pessoa são as memórias que tenho com esse individuo. Nesse caso, fica óbvio o motivo pelo qual é mais fácil eu amar pessoas com as quais tenho laços consanguíneos, justamente pela maior facilidade de construir memórias em função da proximidade. Isso é tão verdade que até criamos nomes universais para distinguir essas pessoas das demais: pai, mãe, irmão, avós etc. Sem memória, temos apenas a paixão, apenas a admiração pelo belo, temos apenas os ídolos, apenas a vontade de ter, que logo passa ou é substituída ao menor sinal de ter sido suprida.

Desviando: Gostaria de citar os efeitos imediatos da cocaína nas exatas palavras do artigo que encontrei no link indicado.

(I) efeitos psicológicos: euforia, sensação de poder, ausência de medo, ansiedade, excitação física, mental e sexual, perda do apetite, insônias, delírios.

(II) efeitos no organismos: taquicardia, aumento na frequência dos batimentos cardíacos (sensação do coração bater mais rápido e mais forte contra o peito), hipertensão arterial, vasoconstrição, urgência de urinação, tremores, dilatação da pupila, suor e salivação intensa e dentes anestesiados.

Aliás, nesse mesmo artigo é dito que a cocaína aumenta as concentrações e o tempo de ação da dopamina e noradrenalina no cérebro. Onde mesmo ouvimos os nomes desses neurotransmissores? Ah, na definição biológica de paixão.

Voltando: O que acontece quando a paixão é suprida e não é mais novidade (passou o efeito da injeção de hormônios no cérebro), ao mesmo passo que o número de memórias não é tão suficiente para manter um relacionamento? Nesse caso, o amor passa por uma fase de escolha.

Se naquele momento de paixão mais fria, a escolha for nos apaixonarmos de novo, o ciclo irá continuar indefinidamente e cada novo relacionamento não deve durar mais que um período de embriaguez cerebral, sempre precisando de uma nova injeção de paixão na veia (nada que o vício em cocaína não possa oferecer de uma forma bem mais prática). Mas se escolhermos construir memórias, sabendo exatamente onde queremos e vamos chegar, decididos, então estaremos construindo amor.

Desviando: É importante deixar claro que um amor só será construído quando as memórias corroborarem com o sentimento. Memórias de brigas, desrespeito, discussão , desentendimento e discordância pode até ter algo a ver com paixão, mas não constroem amor. Podemos tentar entender esse ponto avaliando se o fim da paixão foi promovido pela incompatibilidade, ou pela rota natural do amadurecimento que agora merece construção de memórias. Incompatibilidade resulta merecidamente e aconselhavelmente em fim, mas amadurecimento requer investimento e resulta em perpetuação. Exemplo, por que terminamos um relacionamento? Por incompatibilidade, ou por que a festa acabou? Se pelo primeiro caso, é aceitável. Se pelo segundo caso, é imaturidade.

Voltando: Sendo repetitivo, um dos mais nobres amores que podemos ter (por um pai, uma mãe, um avô, um filho etc) não envolve paixão. Então, quando encontramos nossa "alma gêmea", o que vamos construir? Vai ficar tudo na paixão e que seja infinito enquanto dure? Ou tentaremos construir memórias?

Quando uma pessoa está apaixonada, dizem que ela fica boba. A pessoa apaixonada costuma chorar por qualquer coisa, vê o mundo como um lindo arco-íris e escreve poemas para a pessoa amada, por exemplo. Tem gente que acha tudo isso muito brega, mas eu não sei, acho que tendemos a rotular demais as coisas (já falei algo sobre rótulos aqui). Bem, vou ser brega, vou fazer um poema para a grande paixão da minha vida. Espero que minha esposa não fique brava comigo, pois não é ela. Mas acho que ela vai entender (na verdade ela já entendeu, ela costuma ler meus textos antes que eu os publique).

"Não lembro bem quando te conheci
Obsessão à primeira vista
Mas só descobri quando conheci seu nome
Você veio arrebatadora, mas...
No momento maior do encantamento, você se foi
Sem cerimônias
Pensei que você seria daquele tipo
Que aparece apenas uma vez e some
Com o tempo como seu cúmplice
Ajudando a apagar seus rastros
Mas você era mais sarcástica
Ou talvez debochada, rindo
Você passou a aparecer de vez em quando
Sempre deixando o gosto de "quero mais"
Iludindo até a rendição
Passei a procurá-la quando estava longe
Passei a desejá-la quando não a tinha
Passei a fazer e desfazer para poder conquistá-la
Quem sabe conseguir fazê-la ficar para sempre
Momentos sublimes, juntos
Precisavam tê-la também
Estranho? Cheguei a desejar isso
A vi caminhando com outros e tudo bem
Pelo menos assim sabiam do que eu estava falando
É, de fato, você é debochada
Custou, mas entendi
Só a terei de fato, quando não te esperar mais
Mas nesse dia você não será mais necessária
Dizer que não te querer me permitirá tê-la
É continuar querendo ter
Mas só mudar a estratégia
Custou, mas aprendi
Amadureci
Descobri que você depende de mim
Sra. Felicidade
Se um dia quiser aparecer
Estarei por aqui
Se não quiser, já entendi
Você só está nos momentos em que já vivi"

A felicidade é ou não é a nossa grande paixão? Tudo na nossa vida, ou quase tudo, é busca pela felicidade. A busca remete a conquistar, a chegar lá, a futuro, mas o nosso objeto de paixão está no passado, nas memórias. Então, para alcançar o que tanto almejamos, nós temos que simplesmente viver. E o que é "simplesmente viver"? É algo suficiente em si próprio, como o amor.

Agradecimentos: Ao meu irmão MAS por me lembrar em que ponto da linha do tempo está a felicidade e a todas as pessoas com quem possuo memórias.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Última Geração de Processadores

"A informática foi criada para resolver problemas que não tínhamos antes dela existir."
Desconhecido


Existem pelo menos dois tipos de realismos na física e que aparentemente não se encaixam bem. Um é o realismo físico e o outro é o realismo quântico (o universo do muito pequeno, como átomos, elétrons etc).  O elo entre essas duas realidades é instável por causa da intuição, do senso comum, que os seres humanos tem com relação ao mundo físico.

Qualquer pessoa colocada em frente a uma mesa de bilhar, com algumas bolas espalhadas sobre ela e com um taco na mão, conhecerá instintivamente os conceitos da Mecânica Newtoniana sobre força, impulso, quantidade de movimento e energia. Ninguém precisa ter conhecimentos sobre a matemática que interpreta esses conceitos para saber como as coisas devem (mais ou menos) funcionar ao acertar uma bola com o taco em certo ponto, com certo ângulo e certa força. Qualquer um de nós já criou ou assimilou o senso comum sobre o mundo físico que nos rodeia. A matemática é apenas um idioma, para quem tiver interesse, com o qual é possível explicar esse mundo. Já disse Albert Einstein certa vez: "Nenhum cientista pensa com fórmulas."

Então, a "descoberta" da realidade quântica trouxe à tona alguns paradoxos, pois as coisas que acontecem naquele nível parecem ser contrárias a nossa intuição, pelo menos de acordo com o nosso atual nível de conhecimento. Por exemplo, as ondas eletromagnéticas apresentam a dualidade onda-partícula. A luz, um tipo de onda eletromagnética, pode se comportar como matéria ou como onda, dependendo apenas de como "olhamos" para ela. Eu não vou tentar explicar essa dualidade, pois acabaria me atrapalhando vergonhosamente e você nunca mais leria os meus textos (você ainda está por aqui?). No entanto, eu consegui achar o vídeo abaixo que explica de uma forma bem interessante esse paradoxo. Cinco minutos de "fritarem os neurônios".


Desviando:
"Alice: Qual o caminho que devo seguir?
Gato Maluco: Depende. Para onde você quer ir?
Alice: Para qualquer lugar.
Gato Maluco: Se você quer ir para qualquer lugar, qualquer caminho serve."
Alice no País das Maravilhas
Voltando: Justamente inconformados com a aparente falta de coesão entre realidade física e realidade quântica, alguns cientistas "criaram" um outro tipo de interpretação. Segundo eles, o plano físico, ou o plano macro (por falta de uma definição melhor) é apenas o resultado de processamentos no nível quântico.

Vejamos alguns exemplos segundo essa interpretação. Primeiro, talvez a velocidade da luz não seja a constante limitadora, mas pode ser que o Universo tenha uma velocidade limite de processamento e a luz seria a única coisa capaz de atingir, seja qual for, esse limite. Outro exemplo, se a gravidade curva o espaço, então o espaço deveria estar contido em algo, mas não poderia ser dentro de outro espaço, pois nesse caso teríamos uma regressão infinita. Assim, uma possibilidade seria que o espaço fosse o resultado de um processamento criando algo vazio. Por último, se conseguíssemos viajar próximo a velocidade da luz, o tempo passaria muitíssimo devagar, seria análogo a dizer que o Universo está ocupado demais com uma elevada carga de processamento, por isso "está dando umas travadas". Enfim, são vários exemplos e você pode conferir cada um deles aqui com mais detalhes. Se desejar ver a matéria completa em inglês, pode clicar aqui também.

Em qual outro lugar nós também vemos processamentos, que ocorrem em níveis invisíveis, criarem um mundo visível, macro e útil? Dentro de um computador. E justamente pensando em computação, eu comparei meus conhecimentos sobre a história da humanidade (percebi que são bem limitados por sinal) com as diferentes versões de softwares que os desenvolvedores disponibilizam frequentemente.

Desviando: Na minha mente, eu tenho a seguinte linha do tempo, mais em função de um raciocínio por reflexo do que uma pesquisa consciente por dados: Pré-História (algum período depois dos dinossauros); Idade Antiga (Egípcios, Grécia, Roma); Idade Média (uma época obscura na minha mente); Idade Moderna (um bocado de Independências); e Idade Contemporânea (as duas grandes Guerras Mundiais e o dia de hoje).

Voltando: Vamos escolher uma civilização qualquer, os Egípcios a 3000 ou 4000 anos atrás. Imagine um chefe de família padrão, com uma família padrão daquela época. Qual era o nome dele? Qual era a primeira ação dele ao se levantar da cama? Ele parava por alguns segundos sentado? Ele se levantava rápido? O céu estava escuro ou claro, quando ele saía de casa? Como ele ia para o trabalho? O que ele pensava durante o caminho? Como eram os nomes dos filhos dele? Como eles se reuniam para o jantar? Sobre o que conversavam? Como ele gesticulava ao falar? Falava sobre o que com seus amigos? O que faziam nas horas vagas? Quais eram os planos de carreira desse homem? O que ele esperava do futuro? Quais eram suas expectativas? O que ele construiu? Como foi seu nascimento e sua infância? Como foi sua morte? Quem se lembra dele?

Quando pensamos em cada momento da humanidade, pensamos macro, pensamos na massa, mas essa massa é feita de processamentos ínfimos, quase desprezíveis, individuais. Não pensar no pequeno faz o "agora" parecer a única realidade que já existiu e faz todo o resto parecer nada mais que histórias para entretenimento. Cada uma das versões da humanidade construiu algo e cada pessoa, no seu dia a dia exclusivo e individual, participou dessa construção, consciente ou não, concordando ou não. Aliás, fazem parte da construção as coisas que são feitas por aqueles que não concordam com ela (paradoxo?). Então, se tentamos pensar no pequeno, no específico, enquanto conhecemos o resultado do todo, algumas questões mais capciosas começam a surgir na nossa mente (pelo menos surgem na minha). O que a nossa versão da humanidade está construindo conosco como cúmplices? Onde queremos chegar? Como seremos vistos pelas versões futuras?

Todos os dias, sem exceção, eu vejo pessoas em seus carros saindo de casa, para fazerem exatamente as mesmas coisas que elas e tantas outras pessoas pelo mundo sempre fazem. Existem bilhões de pessoas, salvo algumas exceções, vivendo os mesmos tipos de vidas, todos os dias. Buscando os mesmos tipos de coisas, dia a dia. Eu vejo casas e me pergunto, "por que concreto?" Eu vejo um padrão de horário e me pergunto, "todo mundo funciona igual?" Eu vejo busca por sucesso e me pergunto, "quais são as expectativas?" Vejo famílias e me pergunto, "nossos laços mais constantes não são profissionais?" Vejo cuidado com a forma física e me pergunto, "por que construímos conforto?" Vejo pressa e me pergunto, "onde queremos chegar?" Tudo isso faz parte da programação? É isso? Quem definiu a programação?

Que nível de influência um "bit" é capaz de ter na tentativa de mudar algo, caso esteja inconformado, insatisfeito, ou não concorde com a funcionalidade geral do software? O que pode ou consegue fazer um "bit" que não está conseguindo entender porque todos os outros "bits" consideram tudo tão normal, quando tudo é tão esquisito e não faz o menor sentido. Como todos os "bits" juntos processam e constroem constantemente, por livre e espontânea vontade, um software que parece ter como única função limitar um "bit" a ser nada mais que apenas um "bit"? Que função pode ter um "bit", se ele não se comportar como um "bit". (Já mencionei algo aqui sobre a questão, o software é para a máquina ou a máquina para o software?)

Desviando: Em informática existe um recurso chamado de "máquina virtual". São softwares que permitem simular um sistema operacional dentro de outro sistema operacional. Uma das grandes vantagens desse recurso é a possibilidade de criar pontos de restauração. Ou seja, se qualquer problema ocorrer dentro da máquina virtual, seja um vírus, seja um programa que não deu certo, seja um arquivo que se corrompeu, sejam dados que se perderam, a qualquer momento é possível voltar ao ponto de restauração, que foi criado antes do problema ocorrer e então começar tudo de novo, continuar a partir do ponto onde tudo ainda funcionava.

Voltando: Talvez, se pudéssemos ter todas as chances possíveis, se pudéssemos criar pontos de restauração de nossas vidas e recomeçar a qualquer momento, até conseguirmos encontrar a versão ideal, quem sabe o software não fosse diferente.

"Eu estou errado por pensar fora da caixa onde me encontro?
Eu estou errado por dizer que escolho outro caminho?
Eu não estou tentando fazer o que todos os outros fazem,
Apenas por que todos fazem o que fazem.
(...)
Então, estou errado por pensar que poderíamos ser algo de verdade?
Agora, eu estou errado por tentar alcançar as coisas que não consigo ver?
(...)
Se me disser que eu estou errado, eu não quero ser certo."

Por que não conseguimos compreender a relação entre o "mundo quântico" e o "mundo físico"? Por que não conseguimos ver além do senso comum?

Créditos: Obrigado aos amigos RLC e RLM pela sugestão das máquinas virtuais.