domingo, 28 de agosto de 2016

Quebrando Um Paradigma

"Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas."
Luis Fernando Veríssimo


A causalidade é uma relação de causa e efeito entre dois eventos. É tentador imaginarmos que a lógica deste princípio seja "se ocorre o evento 'A', então acontece o evento 'B'". Porém, esse raciocínio está incompleto. O sentido correto é "se não 'A', então não 'B'". Vamos pensar em um exemplo. Imagine um acidente de carro. O motorista acessou uma curva em alta velocidade e, com medo de perder o controle, acabou saindo da pista ao pisar no freio. Considere, o motorista saiu da pista porque travou as rodas. Ele esqueceu-se da recomendação de que durante curvas não se freia. Entretanto, não seria necessário acionar o freio, tampouco importaria lembrar-se da recomendação, caso ele não tivesse entrado na curva acima da velocidade. Então, para o efeito "B" igual a "acidente", a causa "A" é "velocidade acima do limite", mas não "o pisar no freio" ou o "esquecer-se da recomendação".

Um raciocínio decorrente do princípio da causalidade é o Argumento Cosmológico, cujos primeiros registros remetem a Grécia Antiga, com Aristóteles e Platão. Esse argumento diz o seguinte, "tudo que começa a existir tem uma causa; o Universo começou a existir; portanto, o Universo teve uma causa".

Contudo, vamos desprezar a causa primeira do Big-Bang, evidentemente, porque não a conhecemos. Nesta condição, se estabelecermos que o "nosso" Universo está alicerçado sobre o princípio de causalidade, nós inevitavelmente inserimos o componente probabilidade em tudo o que existe e tudo o que acontece. Em outras palavras, tudo não passaria da materialização de uma chance, uma vez que existiriam inúmeras opções e tempo suficiente para que a maioria delas, ou todas, ocorressem.

Desviando: Ao lançar um dado, a probabilidade de qualquer número ser sorteado é de 1/6. E se o dado fosse arremessado infinitas vezes, as seis faces seriam sorteadas o mesmo número de vezes cada uma. Desse jeito:


Já na Natureza, a aleatoriedade comporta-se de uma maneira diferente. Ela respeita a chamada distribuição Normal, ou Gaussiana. Pensemos, por exemplo, na distribuição de altura dos seres humanos. Os tamanhos são aleatórios, mas tendem a uma média. Digamos que a faixa de altura de um grupo de mil pessoas seja entre 1,60 e 2,00 metros. Neste caso, os valores devem variar, aleatoriamente, segundo a distribuição apresentada no quadro abaixo. Verifique que a chance da altura de uma pessoa estar 1,76 e 1,80 metros é de pelo menos 25%.


Por outro lado, se uma consciência interferir nos eventos, o gráfico não se comportará como o sorteio realizado com um dado, ou sequer como o perfil de altura de um grupo de pessoas. Considere, por exemplo, a distribuição dos tipos de filmes que eu vi na TV no último ano. No gráfico abaixo, é possível perceber que prefiro os filmes de ficção e ação. É uma questão de opção e não de probabilidade.


Voltando: Seríamos simples obra do acaso? Poderia tudo se resumir a uma infindável cadeia de causa e efeito, culminando comigo aqui, escrevendo esse texto? E com você aí, o lendo? Penso que mais do que possível, é muito plausível. Mas, como diria John Constantine, sempre há um porém. Se essa suposição for verdadeira, obrigatoriamente terei que contestar minha competência, minhas conquistas e meus méritos, inclusive a minha consciência e minha racionalidade. Não seria coerente, por exemplo, acreditar que o Universo é  exclusivamente probabilidade e ao mesmo tempo gabar-me de ter sido aprovado no vestibular porque esforcei-me nos estudos. Racional seria acreditar que, em um Universo com infinitas possibilidades e com tempo suficiente para que muitas delas ocorram, eu fui apenas o sorteado em ser aquele que se esforçaria e, consequentemente, passaria na prova. Ou seja, inevitavelmente, tudo o que aconteceu com qualquer pessoa do planeta, em qualquer época, iria acontecer, mas com quem não tem a menor importância. Nós estaríamos vivendo no Universo das possibilidades concretizadas, nada além disso.

Sabe por que esse conflito entre mérito pessoal e um Universo causal ocorre? Porque eu acredito que eu sou alguém. Para que essa incompatibilidade fosse resolvida, eu deveria considerar que sou apenas um grão de poeira estelar "pensando" que existe. No entanto, tenho que confessar, é bem difícil aceitar que eu não existo, principalmente quando acerto o pé na quina da parede. Afe... dói.

Então, como eu resolvo esse conflito na minha mente? Eu volto lá na nossa consideração inicial, quando desprezamos o Argumento Cosmológico (sugiro também a leitura do terceiro texto publicado neste blog). Para mim, um forno, uma forma e os ingredientes não são suficientes para fazer um bolo, mas são sim necessários. Eu acredito que sem a vovó, o bolo não sai. Se não surgimos por acaso, mas fomos pretendidos, o conflito é resolvido na minha cabeça. Em outras palavras, eu acredito que o gráfico da minha existência não segue o perfil do lançamento de dados e muito menos da distribuição de altura em seres humanos, mas sim o perfil da lista de filmes que eu vi neste ano. Só não me pergunte qual seria o gênero da película.

Enfim, a primeira vez que ouvi alguém dizer que não acreditava em Deus, eu fiquei razoavelmente abalado, por dois motivos. Primeiro, foi seguido de um sonoro "isso é coisa para quem tem preguiça mental". Segundo, porque estava dizendo, indiretamente, que eu não tive mérito em minhas conquistas, que eu não passava de um grão de poeira cósmica de muita sorte. Entretanto, com o passar do tempo, eu reconsiderei a afirmação e deixei de sentir-me impactado por ela, também por dois motivos. Primeiro, porque eu levei duas semanas para terminar de escrever esse texto, por exemplo, então posso até ser devagar com o raciocínio, mas preguiça mental eu não tenho, acho. Segundo, porque aprendi com aquela pessoa que nós nem ao menos sabemos quão profundas são as ideologias que dizemos ter. Nós ficamos apenas repetindo frases de efeito. Relativizamos tudo até o limite de nossos interesses, com o único objetivo de validar o que escolhemos acreditar.

Percebeu? Nada de verdade, nada de lógica, mas sempre uma escolha. Nós não acreditamos tão sinceramente assim no que dizemos que acreditamos, mas dizemos que cremos porque temos um interesse nisso, mesmo que estejamos sendo sinceros (na verdade, ingênuos). O ponto é descobrir qual é o interesse, para podermos nos libertar e então passarmos a acreditar em coisas novas. Quando eu consigo fazer isso, costumo dizer que meus "neurônios fritam". Os psicólogos afirmam que isso é um processo de desconstrução para criação de um novo sentido. Porém, podemos ser simples e usar uma expressão mais comum, a quebra de um paradigma.

Desvio sem volta: Se um dia você ouvir alguém dizer que acredita em Deus, sinta-se lisonjeado, pois esse alguém também estará dizendo que acredita em você.

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