"Quando se tem insônia você nunca dorme de verdade e você nunca acorda de verdade."
Dias atrás, eu tive um daqueles sonhos cheios de carga emocional. Um
daqueles dos quais acordamos afoitos, desorientados, agradecidos, ou desolados,
por ter sido apenas um sonho. Foi uma tristeza muito forte, comparada a perda
de um ente querido. Porém, a situação sonhada era ridícula. Eu sentia uma forte
compaixão, de chorar, por um cachorro a quem dava um doce.
Após acordar, fiquei tentando entender porque tinha sonhado aquilo e
sentido tamanha emoção por uma situação tão insignificante. Foi então que
lembrei-me de Freud, da teoria de que
nossos sonhos são ferramentas para nos ajudar a elaborar o que não conseguimos enquanto
estamos acordados. Pois, eu tinha visto no dia anterior uma reportagem sobre
maus tratos contra animais. Bingo! Essa foi fácil.
Então, não foi o sonho que gerou a emoção, mas o sentimento já existia e,
para tentar compreendê-lo, uma história foi criada por minha mente. O meu
inconsciente criou um significado que eu pudesse aceitar, já que conscientemente
é difícil de "engolir" maus tratos, mesmo contra animais.
Desviando: Eu não entendo porque não paro nas respostas que encontro.
Por que eu continuo ligando os pontos, sempre lembrando de uma coisa, que puxa
outra, que remete a outra etc? Se bem que, pensando agora, talvez eu saiba o
motivo, mas vou deixar para outro dia essa reflexão. Não vou "gastar todas as
balas" de uma única vez. Sem falar que, novamente, um assunto puxaria outro, que
remeteria a outro etc, e a abstração de hoje não terminaria nunca. Aliás, em
todos os posts, eu fico com a sensação de que não terminei o texto, como se esperasse
por uma última publicação que esclareça tudo.
Voltando: Depois daquele sonho, eu fiquei pensando na "vida real", quando
estamos acordados. As emoções seriam mesmo resultado da interpretação de um acontecimento
no mundo real? Ou a interpretação do fato seria influenciada pelos sentimentos
que carregamos naquele momento?
Desta vez, lembrei-me do livro "Subliminar", de Leonard Mlodinow. Ele diz que, segundo
a Teoria da Emoção de William James, os sentimentos e as manifestações físicas delas em nosso corpo estão
sendo interpretadas invertidas. Nas próprias palavras de Leonard, sobre a
teoria de James, "não trememos porque
estamos zangados e nem choramos porque estamos tristes, mas nós tomamos ciência
de que estamos zangados porque trememos e nos sentimos tristes porque choramos".
Já ouviu falar do teste da teoria de Schachter-Singer? Dois grupos de pessoas foram informados que
receberiam uma injeção de uma vitamina para estimular a acuidade visual. Porém,
sem saber, elas receberam uma simples dose de adrenalina e não de vitamina. O
primeiro grupo foi alertado sobre possíveis efeitos colaterais, como aumento da
frequência do batimento cardíaco e excitação, ou seja, todas as consequências
fisiológicas esperadas para quem está "cheio" de adrenalina no sangue. O segundo grupo
não foi alertado sobre nada. E ainda um terceiro grupo recebeu a injeção de uma
solução salina sem ter sido avisado disso, ou seja, as pessoas deste grupo pensaram
ter recebido a mesma vitamina que as pessoas dos outros dois grupos. Então veio
o teste, duas situações diferentes, uma para estimular a raiva e outra a
felicidade. Na primeira situação, um cúmplice dos pesquisadores foi inserido na
sala e demonstrou raiva por ter sido deixado tanto tempo na sala. Na segunda
vez, o mesmo cúmplice demonstrou alegria por ter sido confiado ao experimento.
Quais foram os resultados? As pessoas do primeiro grupo sofreram os
efeitos da adrenalina, porém já tinham uma resposta convincente para o que
sentiam, apenas efeitos colaterais do teste. Assim, esse grupo não relatou e nem
transpareceu raiva ou felicidade. O terceiro grupo, aquele da injeção de
solução salina, não sentiu efeito colateral nenhum, portanto também não
associou nenhuma emoção de raiva ou felicidade ao experimento. Porém, as
pessoas do segundo grupo, que não haviam sido informadas dos efeitos
colaterais, relataram e transpareceram as mesmas emoções simuladas pelo
cúmplice, incluindo os motivos. Todos foram iludidos, acreditaram que as causas
de suas alterações fisiológicas, mesmo sem tê-las percebido, foram motivadas
por emoções.
Citando Leonard Mlodinow mais uma vez: "Devemos tomar cuidado com a interpretação que daremos a uma entrevista
de emprego caso o acesso a sala do entrevistador seja feito através de um
razoável lance de escadas. Podemos interpretar a proposta de emprego como um 'Uau', quando na verdade não passaria de um 'Hum'".
Depois desta teoria de Schachter-Singer, inúmeros testes continuaram
sendo realizados nesse sentido. Um deles consistiu em testar pessoas que
possuíam falhas de comunicação entre os dois hemisférios cerebrais. Após dar
uma ordem a um dos hemisférios de uma pessoa com esse tipo de deficiência, para
que ela sorrisse, os pesquisadores questionaram o outro hemisfério o motivo do
sorriso. Uma das resposta foi, "porque vocês são engraçados".
Quando não conhecemos as reais motivações de uma emoção, nós criamos uma
história que a explique convincentemente. De fato, não é que inventamos, mas
buscamos em nossa "base de dados" a causa mais plausível, mesmo que não seja a
verdade.
Ainda no livro "Subliminar",
há o seguinte trecho que condensa bem a mensagem: "Eu penso sobre meus sentimentos, minhas motivações. Falo com meu
terapeuta sobre eles, e finalmente saio com uma história que parece fazer
sentido, que me satisfaz. Eu preciso de uma história para acreditar. Mas será
verdade? Provavelmente não. A verdade real está em estruturas como meu tálamo,
hipotálamo e amígdala, e a isso eu não tenho acesso consciente, não importa o quanto
eu sonde o meu interior."
Desviando: Certa vez, acordei de madrugada no escuro. Eu estava deitado
em minha cama. Um fio de luz entrava por uma fresta na janela, provavelmente a
luz da Lua. Tudo estava em silêncio. Tentei levantar para pegar um copo d’água,
mas não consegui me mexer. Sentia como se a coberta pesasse uma tonelada sobre
mim. Minha esposa estava comigo, dormia virada para o outro lado. Tentei
chamá-la, mas a voz não saiu. No começo só achei estranho, mas logo comecei a
ficar desesperado. Passei a tentar gritar cada vez mais forte. De repente,
tomei um grande susto. Tudo continuava como eu havia visto e sentido. Eu estava
ali na mesma posição. O fio de luz estava ali, entrando pela janela. A mesma
coberta estava ali, sobre mim. Porém, de repente, a minha esposa já não estava deitada
na cama virada para o outro lado, mas estava virada para mim, tentando me
acordar, dizendo que provavelmente eu estava tendo um pesadelo. Percebi que eu
estava sonhando com a realidade e foi só naquele momento, em que ela me tocou, que
eu acordei de verdade. As vezes, aquela mesma sensação ocorre novamente, mas
agora enquanto estou acordado. Sinto como se estivesse prestes a ser acordado
a qualquer momento.
Voltando: Qual é a verdade independente do meu eu? O que é a realidade? Até
que mundo ou universo ela se estende? Um dia a minha vez irá passar e darei
lugar a outros sonhadores. O momento será deles e não mais meu. Fico tentando imaginar
qual será a sensação ao "acordar" do lado de lá e qual explicação darei sobre o
lado de cá. Tudo parecerá ter sido mesmo um sonho aqui, ou pensarei estar
sonhando lá?
Acho que vou procurar um especialista, sabe-se lá do que, para que ele
me diga o que eu preciso ouvir, para que dê a explicação que eu vou acreditar e
que vai satisfazer minha consciência, mesmo que não seja a verdade. Que baita "sinuca
de bico". Escolho permanecer alienado, mas em paz? Ou cheio de dúvidas, mas com
a chance, mesmo que remota, de não estar sendo iludido?
"Sabe, sei que este bife não existe. Sei
que, quando eu o coloco na boca a Matrix
diz ao meu cérebro que ele é suculento e delicioso.
Após
nove anos, sabe o que percebi? A ignorância é maravilhosa.
Não
quero me lembrar de nada. Nada. Entendeu? E eu quero ser rico. Você sabe,
alguém importante. Tipo um ator.
Leve
o meu corpo de volta à usina e me coloque de novo na Matrix."
Cypher - The Matrix (1999)
Legal Sandrini!!! O trecho q mais gostei do texto foi: ""não trememos porque estamos zangados e nem choramos porque estamos tristes, mas nós tomamos ciência de que estamos zangados porque trememos e nos sentimos tristes porque choramos"... q loko!
ResponderExcluirOi Luciano. Obrigado pelo comentário. Pois é, estranho né? Bem, não nos esqueçamos que, por enquanto, isso é apenas uma teoria. Grande abraço.
Excluir