domingo, 17 de maio de 2015

Deuses Tomam Sopa no Topo do Monte Olimpo

"Quanto melhor é uma pessoa, mais difícil se torna suspeitar da maldade dos outros." Marcus Cícero
Na mitologia grega, o monte Olimpo era considerado morada de doze deuses. Esses deuses viviam em um palácio de cristal no topo do monte e regiam a sina dos mortais que viviam a base do monte. Mas os deuses estavam longe de serem perfeitos. Se você pesquisar sobre o assunto verá que entre eles existiam intrigas e ciúmes, por exemplo. O que separava os deuses do Olimpo dos mortais era o acesso a poderes, era o que eles sabiam e que os mortais não sabiam, era o controle que eles podiam exercer sobre o destino, o qual os humanos se limitavam apenas a aceitar. Alguns poucos humanos tentavam enfrentar os deuses, colocando os seus destinos em cheque, mas a opressão era tão forte, que mesmo esses poucos "rebeldes" eram considerados semideuses, filhos de pais deuses com mães mortais. Por exemplo, Hércules, filho de Zeus com uma mãe humana. Ou seja, humano, humano mesmo, só poderia aceitar o seu destino, aceitar que era apenas uma peça no tabuleiro dos deuses.

Fiz um teste alguns anos atrás para uma vaga em uma universidade. Teve uma questão sobre mitologia grega. Na ocasião eu errei a questão. Quem poderia imaginar, mitologia grega? O que tem a ver? Mas sejamos pacientes, chegaremos lá.

Aliás, quem já precisou testar suas habilidades e conhecimentos, através de uma prova de seleção para uma vaga na faculdade ou para um emprego, já ouviu falar de nota de corte. Para quem nunca ouviu falar, ela é a pontuação mínima que separa aqueles que foram aprovados no teste daqueles que não foram aprovados. Cada instituição responsável pela aplicação dos testes define os métodos de cálculo dessa nota mínima. Ela geralmente é calculada em função do número total de pontos possíveis no teste, do desempenho médio dos candidatos, do número de candidatos e do número de vagas disponíveis. Por exemplo, quanto maior o número de candidatos e menor o número de vagas, a nota mínima tende a ser elevada, o concurso é mais concorrido. Exemplo.

Com esse conceito de nota de corte na cabeça, eu estive imaginando qual seria a nota mínima para a bondade. Qual a nota mínima que separa uma pessoa boa de uma pessoa má? Eu sei, você deve estar imaginando que não é possível fazer esse tipo de cálculo, que eu deveria adicionar ao recurso de "desviando" e "voltando", que costumo usar nos textos desse blog, a opção "viajando" (boa ideia). E eu concordo com você, não é possível montar uma fórmula que calcule essa nota mínima. Seriam sete bilhões de candidatos e sete bilhões de vagas disponíveis, uma vez que não há limite. Em teoria, quem quiser ser bom pode ser. Como medir a bondade? Que índice utilizar? Qual a escala de pontuação? Resumindo e sendo mais direto, de zero a dez, que nota separaria os bons dos maus?

Desviando: Se você precisa atravessar uma rua de dez metros de largura e a 150 metros de sua posição vem um carro a 60 km/h, a qual velocidade você precisa andar, ou correr, para que não seja atingido enquanto atravessa a rua? Uma vez realizado esse cálculo, você ainda deverá verificar se é capaz de andar ou correr com velocidade necessária. O que eu quero que você perceba é que você faz essa conta todas as vezes que você precisa atravessar uma rua, mesmo sem nunca ter pensado que tipo de cálculo daria a resposta correta, ainda com o agravante de não ter certeza da velocidade do carro e nem da distância que ele está de você, pelo menos nunca vi um motorista tirar a cabeça pela janela do carro e gritar "eu estou a 60 km/h e a 150 metros de você".

Voltando: Como já decidimos, não acreditamos que seja possível colocar no papel a fórmula para calcular a nota mínima que definiria quem é bom e quem é mau, e nem mesmo que essa nota possa existir. Mas isso não significa que você não viva fazendo essa conta. Isso, acabei de dar um exemplo, os cálculos instintivos para atravessar uma simples rua. Opa...

Imagine que um pai perdeu um filho atropelado por um motorista bêbado. Quem você acha que é mais malvado? O motorista bêbado, ou o principal responsável pelo holocausto? Qual seria a resposta que o pai do garoto morto daria, ou a resposta de uma pessoa que perdeu uma pessoa querida no holocausto? É como se a razão entrasse em conflito com o instinto e fosse necessário imprimir um esforço para não aceitarmos a escolha que fazemos sem pensar. Já ouviu aquela pergunta sobre o que é pior, roubar um real, ou um milhão de reais? Racionalmente, roubo é roubo, é independente do que se rouba, mas eu preciso pensar no assunto para chegar a essa conclusão. O instinto é eu dizer que roubar um milhão de reais é mais... roubo.

Tomo a liberdade de parafrasear uma personagem bem conhecida: "Sabe o que eu notei? Ninguém se apavora quando tudo corre de acordo com o plano. Mesmo que o plano seja horripilante. Se amanhã eu disser à imprensa que um arruaceiro vai levar um tiro, ou que um caminhão com soldados vai explodir, ninguém entra em pânico, porque tudo faz parte do plano. Mas quando eu digo que um hospital vai pelos ares... Aí todo mundo perde a cabeça." O Coringa – Batman, O Cavaleiro da Trevas

É bem fácil perceber esse conflito entre o que sabemos e o que somos quando a questão é tão gritante, mas e quando a questão é mais sutil, quando o limite é quase imperceptível? Quando ouvimos alguém escondido falando mal de nós, ficamos irritados, ou nos lembramos que de vez em quando temos algumas opiniões que não se recomenda expor à pessoa relacionada? As nossas falhas são mais justificáveis que as falhas dos outros? Quando decepcionamos alguém, nós temos uma explicação muito plausível para a falha, tudo se encaixa perfeitamente em nossa mente. Mas e quando alguém nos decepciona, será que há alguma explicação tão passível de aceitação assim? O que gostaríamos que fizessem por nós quando falhamos? O que fazemos pelas outras pessoas quando elas falham conosco? Qual a nota de corte? Quem é bom e quem é mau? Quem merece uma chance e quem não merece? Quem sabe de fato o que anda fazendo por aí? Quem pode ver e quem é cego? Por que nós merecemos ser compreendidos e os outros menos? Quem merece morrer e quem merece viver? (já toquei no assunto pena de morte aqui) Quem é o deus do Olimpo e quem é o mortal?

Desviando: Já ouvi algumas pessoas falarem que o amor mais próximo do amor perfeito é o amor de pai e mãe. A justificativa, ou a base do raciocínio, é que um pai e uma mãe tem amor incondicional pelo seu filho. Não importa quem o filho é, ou o que o filho faça, ou o que deixe de fazer, o pai e a mãe sempre vão amar o seu filho. Inclusive, o pai e a mãe podem até promover juízo sobre o seu filho, caso o que ele venha a ter se tornado o faça merecedor disso, mas os pais nunca vão deixar de amá-lo. Enfim, basta o filho ser e os pais já o amam e eles o amam só por ele ser. Concordo que os pais são privilegiados em ter a melhor possibilidade de se aproximar do amor perfeito como nenhuma outra pessoa, mas discordo da situação. Para mim, quando um pai e uma mãe forem capazes de entregar seu filho em troca de privar o filho de outra pessoa de algum mal, aí sim, acho que vão ter se aproximado do amor perfeito. Já ouvi falar de alguém que foi capaz de fazer isso, mas essa é outra história, ou não.

Voltando: Nós podemos até não acreditar na existência dos deuses do Olimpo, mas temos que concordar que o monte existe e ele consegue mesmo separar mortais e deuses, instinto e verdade. E esse monte é tão alto que sentimos que apenas um deus ou um semideus poderia transpô-lo. Mas e se não precisássemos escala-lo, bastasse movê-lo?
"Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: 'Levante-se e atire-se no mar', e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito." Marcos 11:23
Talvez precisemos apenas fazer as escolhas certas, mais uma vez, aquelas escolhas que não dependem do que é calculado, ou do que é quantificado, ou do que é justo e injusto (já falei disso aqui). Nós sempre teremos razão, sempre seremos vitimas, sempre seremos culpados. Nós todos temos o mesmo peso e a mesma medida. Dois pesos e duas medidas é um conceito apenas conveniente.


Uma parábola conta que o inferno é um lugar onde as pessoas estão famintas e sentadas na frente de um caldeirão de sopa. Cada uma tem nas mãos uma colher cujo cabo é muito comprido e por ser tão longo não podem alcançar as próprias bocas. Enquanto no céu, com o mesmo caldeirão de sopa e com o mesmo tamanho de colheres, as pessoas não passam fome, pois aprenderam a servir umas as outras.

E não nos enganemos, hoje nós estamos falando sobre comportamento e não sobre sentimentos. Nós temos o direito de sentirmos raiva, mas não temos o direito de sermos cruéis (ouvi isso aqui).

Nenhum comentário:

Postar um comentário