quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O Que a Cara Nunca Diria Para a Coroa?

"Enquanto houver você do outro lado, aqui do outro eu consigo me orientar."


Imagine que desejemos tomar um grupo de pessoas garantindo que pelo menos duas delas façam aniversário no mesmo mês. Qual o número mínimo de pessoas necessário para atender a essa condição? O primeiro ponto é observar que um ano compreende doze meses. Se o grupo for formado por duas pessoas, elas podem fazer aniversário no mesmo mês ou em dois meses diferentes cada uma. Então, com apenas duas pessoas não conseguimos ter a certeza que desejamos. Se o grupo for formado por seis pessoas, algumas delas podem fazer aniversário no mesmo mês, ou cada uma delas pode fazer aniversário em seis meses diferentes, ou seja, mais uma vez não conseguimos ter a certeza que desejamos. Porém, se o grupo for formado por no mínimo treze pessoas, então conseguiremos ter a certeza de que pelo menos duas delas fazem aniversário no mesmo mês, ou seja, no caso mais extremo, doze delas fazem aniversário em meses diferentes cada uma e a décima terceira repetirá algum mês.

Esse mesmo raciocínio funciona para a retirada de cartas de um baralho que contenha 52 cartas no total. Quantas retiradas de carta são necessárias para garantir que em algum momento uma carta irá se repetir? A resposta fica mais fácil se imaginarmos que todas as cartas estão ordenadas e que cada uma retirada volta para o fundo do baralho. Após retirarmos todas as 52 cartas, apenas quando fizermos a quinquagésima terceira retirada uma carta se repetirá, no caso a primeira carta do baralho novamente.

Conseguimos ter um vislumbre de um limite mínimo. Agora vamos usar o mesmo baralho para tentar avaliar um limite máximo. Se nós ficarmos infinitamente retirando cartas do baralho (uma situação um pouco pior do que aqueles dias chuvosos na praia), quantas vezes cada carta será retirada? Sempre que algumas cartas já tiverem sido retiradas milhões, bilhões, trilhões, "zilhões" de vezes, nós ainda estaremos suficientemente longe do "fim" do teste, de forma que todas as cartas terão sua chance de serem retiradas incontáveis vezes. Resumindo, cada carta será infinitas vezes retirada do baralho.

Vamos começar a "fritar" alguns neurônios? Imagine que o Universo seja infinito no tempo, seja um Universo estacionário que sempre existiu, ou seja um Universo cíclico confinado entre infinitas repetições de Big-Bang e de Big-Crunch. Se considerarmos que cada possibilidade de acontecimento equivale a retirada de uma carta do baralho, em um Universo infinito, quantas vezes cada carta já foi retirada? Nesse caso, quantas vezes eu já escrevi esse mesmo texto? Quantas vezes você já o leu? Quantas vezes eu já existi e quantas vezes eu nem sequer fui imaginado? Quantas vezes a minha vida deu certo e quantas vezes eu passei por aqui apenas por alguns dias? Quantas vezes eu ganhei e quantas vezes eu perdi? Quantas vezes eu estive do lado de cá e quantas vezes eu estive aí no seu lugar? Aliás, por que eu estou aqui e você está aí?

Desviando: Claro que para nossas aproximações estamos considerando um Universo, ou diversos Universos infinitos no tempo. As melhores teorias que temos hoje já defendem que o tempo não é infinito, mas teve um começo e terá um fim. Antes disso e depois disso, nada. (Ufa, meu cérebro estava entrando em "tilt"). Uma boa referência para as teorias de que o tempo tem um começo e um fim é o "Universo em uma casca de noz" de Stephen Hawking.

Voltando: Pensando nestes limites mínimos e máximos, começo a questionar-me sobre o que é parte e o que é tudo. Por exemplo, que número é 0,99999... (infinitos noves após a vírgula)? Vamos fazer algumas contas? Vamos falar que A é igual a 0,99999... (infinitos noves)

A = 0,99999...

Se multiplicarmos A por dez, teremos:

10 x A = 9,99999...

Se subtrairmos A de 10 vezes A teremos:

9 x A = 9

Que número satisfaz essa condição? O número 1. Então, A é igual a 1. Porém, A também é igual a 0,9999.... Eita, infinito é igual a inteiro? Onde estão as fronteiras?

Ainda falando de matemática, uma circunferência pode ser considerada como um polígono de N lados, se N for um número infinito. Ou seja, uma circunferência é um polígono de infinitos lados. Outro exemplo? Uma reta pode ser considerada como um arco de circunferência com raio infinito. Mais um exemplo, será que duas retas paralelas e distintas podem se encontrar em um ponto no infinito?

Quais são os limites? O que sou eu e o que é você? O que é meu e o que é seu? O que é a minha vida e o que é a sua vida? Quem separou os lados? Quem definiu que eu teria a vida que tenho e que você teria a vida que tem? Por que alguns podem e outros não podem? Por que alguns tem e outros não tem? Por que alguns são e outros não são? Felizmente, nunca precisaremos dessas respostas, mas elas tem sua relevância, para nos lembrarmos de que são bem poucos os motivos pelos quais podemos nos orgulhar.

Desviando: Na casa em que moro, o quintal é separado da cozinha por uma porta de vidro. Lembro-me que, logo que nos mudamos, nos confundíamos se ela estava aberta ou fechada, inclusive nossa cadelinha de estimação. Um dia a cadelinha foi atravessar a porta, se confundiu e deu de cara com o vidro. Ela se assustou e não entendeu nada por alguns segundos. Depois desse evento, vimos ela testar algumas vezes, com a pata, se a porta estava mesmo aberta quando queria passar. De vez em quando ela ainda testa. Eu, mais orgulhoso, não faço o teste, por isso as vezes ainda acerto a porta pensando que ela está aberta. Então ponderei, se fico atrapalhado com um limite físico transparente, não é de se admirar que eu me confunda com fronteiras que não se podem definir.

Voltando: Podemos aprender muito com uma moeda. A "cara" nunca conseguiu olhar diretamente para a "coroa", talvez cada uma delas até duvide que a outra exista. Elas jamais conseguirão definir ou entender o limite que as separa. Porém, nenhuma delas jamais deixaria a outra em alguma enrascada. Já pensou se, quando a "coroa" estivesse diante de um perigo, a "cara" gritasse lá do outro lado, "se vira".

Antes de terminar gostaria de recomendar as palavras de Roslin, que mora para lá da linha do Equador.


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