"Enquanto houver você do outro lado, aqui do outro eu consigo me orientar."
Imagine que desejemos tomar um grupo de pessoas garantindo que pelo menos duas delas façam aniversário no mesmo mês. Qual o
número mínimo de pessoas necessário para atender a essa condição? O primeiro
ponto é observar que um ano compreende doze meses. Se o grupo for formado por
duas pessoas, elas podem fazer aniversário no mesmo mês ou em dois meses
diferentes cada uma. Então, com apenas duas pessoas não conseguimos ter a
certeza que desejamos. Se o grupo for formado por seis pessoas, algumas delas
podem fazer aniversário no mesmo mês, ou cada uma delas pode fazer aniversário
em seis meses diferentes, ou seja, mais uma vez não conseguimos ter a certeza
que desejamos. Porém, se o grupo for formado por no mínimo treze pessoas, então
conseguiremos ter a certeza de que pelo menos duas delas fazem aniversário no mesmo
mês, ou seja, no caso mais extremo, doze delas fazem aniversário em meses
diferentes cada uma e a décima terceira repetirá algum mês.
Esse mesmo raciocínio funciona para a retirada de cartas de um baralho
que contenha 52 cartas no total. Quantas retiradas de carta são necessárias para
garantir que em algum momento uma carta irá se repetir? A resposta fica mais
fácil se imaginarmos que todas as cartas estão ordenadas e que cada uma retirada volta para o fundo do baralho. Após retirarmos todas as 52 cartas,
apenas quando fizermos a quinquagésima terceira retirada uma carta se repetirá,
no caso a primeira carta do baralho novamente.
Conseguimos ter um vislumbre de um limite mínimo. Agora vamos usar o
mesmo baralho para tentar avaliar um limite máximo. Se nós ficarmos infinitamente retirando cartas do
baralho (uma situação um pouco pior do que aqueles dias chuvosos na praia),
quantas vezes cada carta será retirada? Sempre que algumas cartas já tiverem
sido retiradas milhões, bilhões, trilhões, "zilhões"
de vezes, nós ainda estaremos suficientemente longe do "fim" do teste, de forma
que todas as cartas terão sua chance de serem retiradas incontáveis vezes. Resumindo,
cada carta será infinitas vezes retirada do baralho.
Vamos começar a "fritar" alguns neurônios? Imagine que o Universo seja
infinito no tempo, seja um Universo estacionário que sempre existiu, ou seja um Universo cíclico confinado entre infinitas repetições de Big-Bang e de Big-Crunch. Se considerarmos que
cada possibilidade de acontecimento equivale a retirada de uma carta do baralho,
em um Universo infinito, quantas vezes cada carta já foi retirada? Nesse caso,
quantas vezes eu já escrevi esse mesmo texto? Quantas vezes você já o leu?
Quantas vezes eu já existi e quantas vezes eu nem sequer fui imaginado? Quantas
vezes a minha vida deu certo e quantas vezes eu passei por aqui apenas por
alguns dias? Quantas vezes eu ganhei e quantas vezes eu perdi? Quantas vezes eu
estive do lado de cá e quantas vezes eu estive aí no seu lugar? Aliás, por que
eu estou aqui e você está aí?
Desviando: Claro que para nossas aproximações estamos considerando um
Universo, ou diversos Universos infinitos no tempo. As melhores teorias que
temos hoje já defendem que o tempo não é infinito, mas teve um começo e terá um
fim. Antes disso e depois disso, nada. (Ufa, meu cérebro estava entrando em "tilt"). Uma boa referência para as
teorias de que o tempo tem um começo e um fim é o "Universo em uma casca de noz" de Stephen Hawking.
Voltando: Pensando nestes
limites mínimos e máximos, começo a questionar-me sobre o que é parte e o que é
tudo. Por exemplo, que número é 0,99999... (infinitos noves após a vírgula)?
Vamos fazer algumas contas? Vamos falar que A é igual a 0,99999... (infinitos
noves)
A = 0,99999...
Se multiplicarmos A por dez,
teremos:
10 x A = 9,99999...
Se subtrairmos A de 10 vezes
A teremos:
9 x A = 9
Que número satisfaz
essa condição? O número 1. Então, A é igual a 1. Porém, A também é igual a
0,9999.... Eita, infinito é igual a inteiro? Onde estão as fronteiras?
Ainda falando de matemática, uma circunferência pode ser considerada
como um polígono de N lados, se N for um número infinito. Ou seja, uma circunferência é um polígono de
infinitos lados. Outro exemplo? Uma reta pode ser considerada como um arco de circunferência com raio infinito. Mais um
exemplo, será que duas retas paralelas e distintas podem se
encontrar em um ponto no infinito?
Quais são os limites? O que sou eu e o que é você? O que é meu e o que é
seu? O que é a minha vida e o que é a sua vida? Quem separou os lados? Quem
definiu que eu teria a vida que tenho e que você teria a vida que tem? Por que alguns
podem e outros não podem? Por que alguns tem e outros não tem? Por que alguns
são e outros não são? Felizmente, nunca precisaremos dessas respostas, mas elas
tem sua relevância, para nos lembrarmos de que são bem poucos os motivos pelos
quais podemos nos orgulhar.
Desviando: Na casa em que moro, o quintal é separado da cozinha por uma
porta de vidro. Lembro-me que, logo que nos mudamos, nos confundíamos se ela
estava aberta ou fechada, inclusive nossa cadelinha de estimação. Um dia a
cadelinha foi atravessar a porta, se confundiu e deu de cara com o vidro. Ela
se assustou e não entendeu nada por alguns segundos. Depois desse evento, vimos
ela testar algumas vezes, com a pata, se a porta estava mesmo aberta quando
queria passar. De vez em quando ela ainda testa. Eu, mais orgulhoso, não faço o
teste, por isso as vezes ainda acerto a porta pensando que ela está aberta. Então
ponderei, se fico atrapalhado com um limite físico transparente, não é de se
admirar que eu me confunda com fronteiras que não se podem definir.
Voltando: Podemos aprender
muito com uma moeda. A "cara" nunca conseguiu olhar diretamente para a "coroa",
talvez cada uma delas até duvide que a outra exista. Elas jamais conseguirão
definir ou entender o limite que as separa. Porém, nenhuma delas jamais deixaria
a outra em alguma enrascada. Já pensou se, quando a "coroa" estivesse diante de
um perigo, a "cara" gritasse lá do outro lado, "se vira".
Antes de terminar gostaria
de recomendar as palavras de Roslin, que mora para lá da linha do Equador.
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