"Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes."
Albert Einstein
Quando eu ouço falar de esfinge, lembro-me de duas
coisas. Primeiro, da esfinge de Gizé no Egito, construída em torno de 4.500 anos atrás e com aproximadamente
75 metros de comprimento, 19 metros de largura e 20 metros de altura. Segundo, lembro-me
da esfinge do programa Rá-Tim-Bum da TV Cultura, que por volta do ano de 1990 apresentava um enigma diferente
diariamente (enigmas para crianças entre 5 e 10 anos).
A esfinge é uma imagem icônica, com corpo de leão e cabeça de humano. Há
algumas também com cabeça de falcão. Esse ser místico era presente tanto na
cultura egípcia quanto na mitologia grega. Para os egípcios ela era um guardião,
útil para demonstração de poder. Para os gregos, ela era um demônio, símbolo de
destruição e má sorte.
Na tragédia grega do dramaturgo Sófocles, cujo título é "Édipo Rei" (o mesmo que deu
origem ao Complexo de Édipo na psicanálise de Freud), o próprio Édipo
encontra-se com uma esfinge na entrada de Tebas e ouve a famosa frase, "decifra-me ou devoro-te". Qualquer um que passasse pelo ser místico teria de
enfrentar um enigma e, em caso de fracasso, seria estrangulado. Esse foi o destino
de todos os desafiados, mas não o de Édipo. Ele solucionou o enigma, a esfinge acabou
se suicidando e o herói da história tornou-se um marco, a personificação da
separação entre práticas obsoletas e novas, práticas ultrapassadas e modernas. E
é justamente esse ponto de separação entre o "olhar" antigo e o novo que nos
interessa, especificamente representado por um momento de entendimento, um
momento de revelação, a solução de um "enigma".
Alguns dias atrás, eu via um documentário na TV quando aconteceu um
momento "Eureka!".
Foi um daqueles instantes em que uma única frase deixa tudo claro, enquanto
carrega um conteúdo tão grande que nos faz precisarmos de tempo para estruturar
tudo de forma compreensível, inclusive para nós mesmos. Por enquanto, eu vou omitir
o nome do documentário, o "enigma" e a resposta. Eu quero tentar fazer você
sentir o momento "Eureka!". Eu sei que é bem difícil de dar certo e sei também
que é bem possível que o enigma seja, ou fosse, um "mistério" particular. De qualquer forma, como faltam-me ideias para novos textos, a
tentativa já será suficiente. Aliás, pensando nisso agora, questiono-me, para
quem escrevo? Para mim ou para você? Que pergunta capciosa.
Desviando: "Quem és tu? - perguntou o principezinho - Tu
és bem bonita...
Sou
uma raposa - disse a raposa.
Vem
brincar comigo. - propôs ele - Estou tão triste...
Eu
não posso brincar contigo. - disse a raposa - Não me cativaram ainda.
Ah!
Desculpa. - disse o principezinho - Mas após refletir, acrescentou:
O
que quer dizer 'cativar'?
(...)
É
algo quase sempre esquecido. - disse a raposa - Significa 'criar laços'...
Criar
laços?
Exatamente.
- disse a raposa - Tu não és nada para mim senão um garoto inteiramente igual a
cem mil outros garotos. E não tenho necessidade de ti. E tu também não tem
necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras
raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para
mim único no mundo. Eu serei para ti única no mundo...
(...)
Mas
a raposa retornou a seu raciocínio.
(...)
Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale
nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu
tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O
trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do
vento no trigo... - A raposa calou-se e observou por muito tempo o príncipe:
Por
favor... cativa-me! - disse ela.
(...)
E
voltou, então, à raposa:
Adeus...
- disse ele.
Adeus
- disse a raposa. - Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o
coração. O essencial é invisível aos olhos."
O Pequeno Príncipe
Voltando: Por que nos relacionamos com familiares, com amigos, cônjuges e
filhos de uma forma tão cativante? Quando criança, precisamos de nossos pais,
pois eles suprem nossas necessidades e nos protegem. Então crescemos, nos
tornamos independentes, mas continuamos a manter nossos relacionamentos. Seria
algum senso de reciprocidade ou dívida? Acho que não, pois também criamos novos
relacionamentos, com pessoas diferentes, sem um passivo que justifique a nova
amizade. Eis outra dúvida, além de manter, por que criamos relacionamentos? Seria
por interesse? Já imaginou você conhecer uma pessoa no trabalho, no parque, no
shopping, na faculdade e a primeira pergunta que você ouvisse ou fizesse fosse, "antes de iniciarmos uma conversa ou desenvolvermos alguma interação que possa,
eventualmente, culminar em amizade, responda-me por que preciso de você"? Ou já
imaginou se após crescer e se tornar independente você dissesse, "obrigado pai,
obrigado mãe, mas não me procurem mais, vocês não são mais necessários"?
Já adianto logo, eu não sei porque criamos ou cultivamos relacionamentos
(cultivar passa uma ideia de frutificar), mas eu sei o que envolvem. Um
relacionamento envolve lembranças boas, lembranças ruins, aprendizado, ajuda, abandono,
risos, choros, abraços, apoio, decepção, perdão, evolução, compreensão, grupo
etc. Inclusive, os relacionamentos ruins são tão importantes quanto os relacionamentos
bons, os momentos ruins são tão importantes quanto os bons. Tudo tem nos
transformado no que somos hoje. Relacionamento envolve identidade. Não é a toa
que a genealogia é importante para
nós. De onde viemos e, portanto, quem somos? Até criamos um ditado, "diga-me com
quem andas e te direi quem tu és". Então, um relacionamento não pode começar com
a pergunta "por que você seria necessário?". Isso é interesse. Interesses são
supridos, substituídos e descartáveis. Interesse não envolve ser, mas envolve
ter.
E é aqui que entra o documentário que vi, o "enigma" e a resposta que "piscou" na minha mente. O documentário foi na Philos TV e chama-se "À procura da religião" (não sei se religião devesse ser procurada, mas...). Entrevistando um
religioso, o produtor do documentário fez a seguinte pergunta, "por que meus
filhos precisam de Deus?". O interrogado usou muitas palavras indiscutivelmente importantes
para ele, mas vagas. Eu não tenho dúvida de que aquele religioso sabia, para
si, porque precisa de Deus, mas ele não conseguiu dar uma resposta válida para
mim. Mesmo assim, foi naquele instante que eu achei a minha resposta, como se
eu pudesse levantar a mão e dizer, "eu sei, eu sei, pergunta pra mim, pra mim". Pois
bem, não há nenhum tipo de interesse que justifique precisarmos de Deus. Tentar
encontrar um interesse para decidir se buscaremos Deus ou não é o mesmo que
tentar responder, "por que eu preciso de você?". Responda-me, por que eu preciso
de você? É assim que começamos nossos relacionamentos, com "o que eu vou ganhar"?
Buscar a Deus não significa
que seremos invulneráveis a sofrimentos e teremos todas as necessidades supridas,
assim como não buscá-lo não implica em uma vida de sofrimento e fracassos. O
próprio Deus já disse que o sol e a chuva vem para todos.
"Vocês
ouviram o que foi dito: 'Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo'. Mas eu lhes
digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês
venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu
sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos."
Mateus 5.43-45
Desviando: Se você já leu outros textos anteriores, deve ter entendido
que nos relacionamos com Deus quando o vemos na face das outras pessoas e
quando o reconhecemos em nós. O que você seria capaz de fazer para Deus ao
vê-lo ali, no rosto de quem senta-se ao seu lado no ônibus tentando achar uma
rua que não conhece, ou no rosto de quem te atende bem devagar no caixa de um
supermercado porque não consegue se familiarizar com o sistema informatizado, ou
no rosto daquela pessoa no carro ao lado esperando uma brecha para poder entrar
na estrada? O que Deus faria se apontassem uma arma para Ele e pedissem o
celular, o carro, o dinheiro? (Essa última é difícil, hein?).
Voltando: Portanto, o ponto não é o que vamos ganhar com um relacionamento, mas o
que vamos nos tornar. Qual identidade vamos construir se colocarmos interesses nesse balanço? "Diga-me com quem andas e
te direi quem tu és", lembra?
Tentar responder a pergunta "por que eu preciso?" é medieval, é o que o nome do
documentário dizia, "procurar uma religião". Assim como fez Édipo, a
personificação da evolução em função de uma mudança de mentalidade, nós podemos fazer o mundo girar de fato.
Curiosidade: o enigma que Édipo enfrentou foi, "que criatura pela manhã
tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?"; e esfinge deriva do
grego sphingo que significa "cerrar", "apertar", "estrangular".
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