"O que esse país realmente precisa é que alguém apague a luz no fim do túnel"
Millôr Fernandes
Semanas atrás, almoçando com amigos, eu fui
questionado por um deles (é importante contextualizar que, naquele dia em
específico, o processo de impeachment da até então presidente
do Brasil seria analisado). A pergunta foi, "seus textos são somente
filosóficos, ou você vai aproveitar a atual situação política do país e dar sua
opinião?" Eu respondi, "não sabia que meus textos eram filosóficos." Aquele meu
amigo conseguiu criar a inquietação em minha mente. A pergunta ficou lá, coletando
informações, formando e estruturando uma raciocínio, até que finalmente, três
ou quatro semanas depois, acabou virando um texto. Tudo bem, irei dar minha
opinião sobre política, mas não sem ir mais além.
Desviando: Há muito tempo, vendo o programa Show do Milhão no SBT, eu ouvi o Silvio Santos fazer um comentário
que nunca mais esqueci. O objetivo do jogo era responder perguntas de
conhecimentos gerais, acumulando dinheiro a cada acerto. Quando o participante
tivesse somado um montante considerável, as regras do jogo forçavam-no a arriscar
nas perguntas seguintes o que ganhara nas anteriores. Um dos participantes, tendo
acumulado uma quantia significativa em dinheiro, abandonou o jogo praticamente
na reta final. Ele ficou com o que tinha conquistado e desistiu de seguir em
frente até a pergunta de um milhão. Foi aí que o Silvio Santos fez o comentário.
Não lembro exatamente as palavras, mas foi praticamente isso: "Você começou o
jogo com algum dinheiro? Tudo o que você ganhou até aqui era seu? Então porque
você está com medo de arriscar aquilo que você nunca teve na tentativa de conquistar
mais?"
Voltando: Recentemente, um pensamento veio a minha mente. Se eu fosse
eterno, provavelmente viveria todos os meus dias sempre iguais, pois as possibilidades
de viver um dia diferente seriam infinitas. Eu teria incontáveis chances de
escolher diferente quando quisesse. Continuei ponderando... Se eu fosse eterno
e tentasse imaginar uma vida finita, provavelmente eu diria que, nesse caso, aproveitaria
ao máximo a minha vida diariamente, sabendo que ela poderia acabar a qualquer
momento.
Eu aprendi três lições com esse raciocínio. Primeiro, eu vivo uma vida
finita como se ela fosse infinita. Segundo, o meu planejamento nunca condiz com
a realidade, ou seja, quando a situação idealizada se torna realidade, não faço
o que digo que faria. Eu penso em possibilidades diferentes apenas pelo prazer
de imaginar outro contexto. Terceiro, eu tenho muito medo de perder o que nunca
foi meu.
Desviando: Em certo trecho de um discurso, Steve Jobs fala sobre o fim da
vida. Transcrevo as palavras dele.
"Pelos últimos 33
anos, eu olho-me no espelho toda a manhã e questiono-me: 'e se hoje fosse o
último dia da minha vida, eu faria o que eu estou prestes a fazer hoje?' E mesmo
que a resposta tenha sido não para muitos dias seguidos, eu sei que preciso
mudar alguma coisa. Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante
que encontrei para ajudar-me a fazer grandes escolhas na vida. Porque quase
tudo, todas as expectativas externas, todo orgulho, todo medo do
constrangimento ou fracasso, essas coisas simplesmente somem frente a morte,
restando apenas o que é verdadeiramente importante. Lembrar-se que você vai
morrer é a melhor maneira que conheço para evitar a armadilha de pensar que
você tem algo a perder. Você já está nu, não há razão para não seguir seu
coração. (...)"
Voltando: Eu particularmente não acredito em "vida loka". Então, o que eu projeto como vida plena? Deixe-me refletir um segundo... Ah sim. Pense em tudo o que existe
no mundo e que é bom, mas que não foi construído pelo homem, ou não sofreu sua
interferência. Não vou dar exemplos, pois não quero ser tendencioso. Eu sinto-me
desapontado comigo mesmo, por ajudar a esculpir um mundo em que as coisas que
consideramos boas estão sendo fabricadas. E fico mais frustrado ainda em
reconhecer que tenho medo de apostar o que eu nunca tive para conquistar o que
é bom de fato. Paradoxalmente, se eu tivesse a vida que idealizo,
provavelmente eu ainda iria querer construir um mundo diferente.
Onde eu quero chegar com todo esse discurso? Eu estou tentando dizer
que, como ser humano, é de minha natureza acreditar que "a grama do jardim do
vizinho é sempre mais verde que a grama do meu jardim", mesmo que o vizinho não
tenha um jardim. E para continuar acordando de manhã, levantando da cama, eu
transfiro o vazio que eu sinto para causas tangíveis, como um emprego, um cargo,
uma casa, um relacionamento, a política. Tão logo um objetivo seja conquistado,
outro propósito precisa ser criado, para que o ciclo se reinicie. Quando isso
vai terminar? Nunca, pois eu tenho uma fome e uma sede que não serão saciadas
por nada que eu possa fazer. Cortinas de fumaça, iludindo-me a acreditar que um
dia o ciclo se encerrará. Tudo isso para que eu não precise olhar para dentro, para
o meu próprio jardim, para a verdade, de que eu sou limitado.
Talvez agora seja a hora de dar a minha opinião sobre política. Pense
nas principais civilizações humanas da história. Tenha em mente os Sumérios, Babilônios, Assírios, Egípcios, Hebreus, Persas, Fenícios, China Antiga, Grécia Antiga, Roma Antiga, Império Bizantino, Império Mongol, Idade Média, Império Otomano, América Pré-Colombiana, Europa, Alemanha, Rússia, EUA e até o Brasil. Dentro do Brasil
vamos nos lembrar do Império, da Republica e da Ditadura Militar. Pense no primeiro presidente brasileiro após a Ditadura e que foi deposto. Pense na presidente atual, do partido de
esquerda, a esperança de mudança e que também está sofrendo processo de impeachment.
Responda, quando o ciclo se encerrará? Quando vai melhorar? Com quem vai
melhorar? A partir de qual governo as coisas serão mesmo diferentes? A
humanidade está mesmo evoluindo? Os dias de hoje são menos violentos? Passa-se
menos fome? Respeita-se mais? Os interesses atuais são mais nobres do que foram
nas civilizações passadas? Que plano, que ação, que revolução foi realmente
eficaz? Tudo bem, atualmente temos o sofá, a TV, o controle remoto, o celular,
a Internet e o quarto com banheiro (para quem pode tê-los). Talvez as coisas realmente
tenham melhorado um pouco (espero que tenha entendido que tentei ser irônico).
Por piores que sejam e mereçam mesmo a punição, os depostos de todas as
civilizações não passaram e não passam de "bois de piranha", mais uma vez a
cortina de fumaça, para que um novo ciclo possa recomeçar. Assim tira-se a
atenção do verdadeiro responsável pelo mundo construído, nós mesmos. Nós ficamos
sempre lutando contra um vilão que está lá fora, pois se ele está lá, não pode
estar aqui. Se o bicho-papão é ele, não pode ser
eu. Todos os problemas deveriam ter sido resolvidos por ele, mas não foram,
então é hora de colocar outro ele no lugar. Assim, não precisamos assumir o
fato de que não conseguiremos.
Enfim... Se eu não consigo transformar a minha essência através das
minhas próprias forças, assim como a humanidade nunca terá um futuro diferente
do que teve nos últimos dez mil anos, então a última opção é algo além, para
que sejamos completos, para que sejamos plenos, para que a humanidade evolua no
mais absoluto do sentido da palavra. Não adianta mais continuar me enganando, o
mundo nunca ficará melhor através das minhas mãos, o que me conduz a uma última esperança,
de que a solução só poderá vir de longe.
"Eis que eu lhes digo
um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num
momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a
trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos
transformados. Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de
incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade."
1 Coríntios 15:51-53
Talvez eu não seja tão pessimista, mas seja um baita de um otimista,
visto que eu não tenho mais a expectativa sobre as promessas dos homens, porém
esteja susceptível as promessas excelsas.
Ou eu sou mesmo um pessimista sem expectativa nenhuma, ou eu sou um otimista
bem idealista. No entanto, não descarto a possibilidade de que os dois
conceitos sejam meros sinônimos.
Agradecimento: ao FOS, que perguntou-me se eu escreveria um texto sobre
a atual situação política do Brasil e que acabou inspirando o texto de hoje.
Abraço: aos amigos RLC, PB e RT, que também estiveram junto no almoço relembrando
tempos bons.
Muito legal esse post Sandrini!! Já até imagino vcs na mesa conversando... o RLC sempre gostou de política. Muito bom!
ResponderExcluirFaltou você, o PLU, o RLM e tantos outros amigos que já almoçaram juntos conosco um dia.
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