"Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo."
Há algum tempo, perguntaram-me o motivo pelo qual eu acredito na
existência de Deus. A curiosidade se baseou na aparente contradição, como é possível
que eu acredite em Deus ao mesmo tempo que me interesso por ciências, por razão,
filosofia, psicologia etc – que fique claro que estou aquém de ser considerado mesmo
um amador nesses assuntos, principalmente sobre Deus.
A primeira observação que faço é, eu não acredito que Deus existe. Eu
acredito que Ele é, pois Ele está "acima" da existência. Pra mim, algo só existe
quando está associado a um ponto no espaço-tempo e, como eu acredito
que foi Deus quem criou o espaço-tempo, então Ele só pode ser além da existência.
Aliás, Ele próprio, sempre que questionado nos relatos que temos registrados e disponíveis, apresentou a si
mesmo como "Eu Sou". Mas tudo bem, por pura praticidade, vamos usar a palavra "existir" relacionada a Deus. Também vamos usá-la porque não consigo ir além desse ponto
na diferença entre ser e existir. Talvez seja uma limitação do meu idioma. Quem
sabe para seres extraterrestres, em uma supra realidade, a diferença seja mais
clara.
A segunda observação será uma pergunta, que propositadamente não vou
responder. Onde, como e por que surgiu a relação inversamente proporcional
entre razão e fé? De fato, espanta-me a nossa capacidade de "engolir" algumas concepções
simplesmente porque elas já existiam quando nascemos. Como fiquei chateado,
comigo mesmo, quando descobri minha necessidade de requerer provas para aquilo em
que não quero acreditar, e como não preciso delas para algo em que quero
acreditar. Já falei aqui, por exemplo, que
nós não procuramos pela verdade, mas procuramos validar as respostas que desejamos
que sejam verdade. Sempre, onde há um ser humano, não há conclusões imparciais,
mas tudo é tendencioso. Aliás, aqui percebi duas coisas: primeiro, que creio
por causa das dúvidas, mas não por causa das certezas; segundo, imagine o
alcance de uma consciência que tira conclusões absolutamente imparciais (inteligência artificial?).
Desviando: Não consegui deixar de lembrar do seguinte diálogo:
Oráculo: Jamais conseguimos ver além das
escolhas que não entendemos.
Neo: Está dizendo que tenho de escolher (...)
Oráculo: Não. Você já fez a escolha. Agora, precisa
entendê-la.
Voltando: Finalmente, a terceira e última observação sobre a pergunta
inicial. Há vários motivos pelos quais eu acredito que Deus exista. Alguns
motivos são baseados em estatísticas, como aqui, aqui e aqui – confesso, fui como
Tomé. Outros motivos são
baseados em lógica, como aqui e aqui. Há aqueles baseados
em filosofia, de certa forma, como aqui e aqui. Outros ainda, e
estes principalmente, são baseados nas palavras de um homem, palavras que
duvido um ser humano fosse capaz de vislumbrar – como humano já é difícil de
entendê-las, quanto mais teria sido criá-las. Ah, uma observação
importantíssima, já passei da fase de acreditar em Deus por causa de milagres. Enfim,
sem mais delongas, na atual conjuntura, prefiro destacar apenas uma resposta
neste texto. Coincidentemente, era exatamente o mesmo motivo de Ariano Suassuna, mas deixarei a
citação dele para o final.
Dias atrás fiquei sabendo de uma morte. De alguém relativamente próximo,
apesar de pouquíssimo contato. Fiquei imaginando, quantas situações aquela pessoa
viveu e somente ela sabia? Quanto ela levou consigo e ninguém jamais saberá? Pense
em si mesmo por um momento. Lembre-se de quando você passou por uma situação de
muita tristeza, ou mesmo de muita alegria. Então, você voltou para casa naquele
dia e preferiu não expor seu familiar àquela infelicidade e a guardou pra si,
pois seria desnecessário, seria enfadonho, seria irrelevante – varreu para
debaixo do tapete. Ou quando tentou expor toda a sua euforia pelo dia de
alegria e, mesmo que seu familiar lhe tenha dado atenção, você percebeu que ele
não conseguiu sequer imaginar a felicidade que você estava tentando transmitir.
Quantas imagens e memórias existem somente na sua mente, daquele dia que você
viveu absolutamente sozinho mesmo rodeado por centenas de pessoas? E tudo isso
vai sumir um dia junto com você e ninguém nunca saberá.
Desviando: Lembrei-me de um trecho de um conto de Clarice Lispector – perdoe-me,
mas não me recordo qual era o conto, sei apenas que ele está neste livro. A autora, ou a personagem, se questiona que nome o cachorro de
estimação lhe teria dado? Ele parte e ela nunca saberá. Ele terá levado aquele
nome com ele para o esquecimento. Aliás, nunca terá sequer existido.
Voltando: Um outro aspecto que a perda daquela pessoa me fez refletir
foi sobre as "injustiças" da vida. Aquela família perdeu um ente querido tão cedo
e, a partir de agora, quais as oportunidades que eles deixarão de viver? Não
foi o caso, mas imagine uma criança por volta de seus cinco anos de idade e que
perde um pai. Quais as experiências que não serão vividas? Um cheiro, um toque,
uma voz, um olhar, uma lição de casa, uma lição de vida, uma bronca, um colo,
um presente, um sorriso, uma lagrima. Ou melhor, centenas de cada uma dessas
coisas. Olho para minha vida, que foi tão normal, e sei o que uma criança
dessas não terá. Imagine outra criança, uma que nasceu com deficiência visual. Eu nem
mesmo tenho condições de exemplificar tudo o que ela nunca vai saber por não
enxergar. Ou outra criança, com alguma deficiência mental, que nunca viverá todas
as oportunidades e todas as experiências tão maravilhosamente alegres e tristes
que a maioria das pessoas vive nesse mundo. Imagine um jovem que morreu aos
dezesseis anos, por exemplo. Poxa, eu tenho tantas memórias dos dezesseis aos
trinta e oito anos. Enfim, por que uns tem tanto e outros tão pouco? Por que
uns viveram e outros não? Isso definitivamente me angustia.
Pois então, aí está o motivo de hoje para acreditar na existência de
Deus. Tem que haver algo além, que venha a revelar tudo e que corrigirá todas
as imperfeições. Se eu não acreditasse, eu me desesperaria.
Admiro quem não crê e consegue se manter centrado diante desse mundo. Quem
não crê e não se entrega a lei do mais forte. Quem não crê, mas é fiel. Quem
não crê, mas se prende ao trabalho. Quem não crê, mas não se entrega a
devassidão. Quem não crê, mas doa o que tem. Quem não crê, mas se esforça em
prol da moralidade. Principalmente quem não crê e mesmo assim tem esperança.
Afinal, o que há no final para quem não crê? Todos os esforços terão se esvaído
pelo esquecimento. A morte é o que torna todo e qualquer esforço em vão. A
morte basta para tirar qualquer sentido da existência.
Tudo bem, alguém pode se agarrar a ideia de deixar um mundo melhor para
os próximos, mas mesmo esse sentimento em um coração de quem não crê me
espanta. Como alguém pode ser tão generoso, tão altruísta, ao mesmo tempo que
se mantém ciente de que no fim não há nada? Como alguém consegue ser
persistente e paciente com um destino que se resumirá a nada? Afinal de contas,
se não acontecer algo pior antes, em pelo menos 5 bilhões de anos a Terra desaparecerá com o fim do Sol. Nesse dia, que
esforço humano terá valido à pena? Talvez o exemplo do Sol explodindo seja
extremo demais. Vamos reduzir a escala para uns 30 ou 40 anos. Nesse caso, o
dia em que o Sol parar de brilhar para essa pessoa que não crê, que esforço seu
terá valido à pena?
Entenda, eu não estou sendo irônico, ou criticando, ou julgando. Eu
admiro de verdade esse tipo de pessoa, pois eu sou "fraco". Eu preciso de Deus
para achar que as coisas valem à pena. Não fosse por acreditar na existência de
Deus, eu seria um desesperado. Ou eu teria me entregado totalmente à lei da Natureza,
em todos os aspectos morais, já que na vida selvagem não há moralidade. Ou eu
teria poupado os esforços do tempo, que pacientemente me leva em direção ao fim,
tendo então, forçadamente, acelerado o processo do inevitável.
Enfim, escrevi tanto, mas como mencionei acima, Suassuna já havia
explicado tudo isso infinitamente melhor que eu, em pouquíssimas palavras. Não
à toa era o Suassuna.
Amanhã? Amanhã terei outro motivo para acreditar em Deus.