segunda-feira, 13 de julho de 2015

Sobre Ateus, Crentes e Preguiças

"Com um pouco de agilidade mental e algumas leituras em segunda mão, qualquer homem encontra as provas daquilo em que deseja acreditar."
Bertrand Russell


Friedrich Nietzsche foi um alemão que viveu no século XIX. Filósofo, entre outras coisas, discorrendo sobre moral, religião e ciências, sempre usando de ironia como uma forte aliada. Suas ideias foram de grande influencia para os pensadores do século XX, e com certeza ainda são. Não há dúvidas de que Nietzsche foi um grande pensador, questionador (lembre-se, dizem que são as perguntas que movem o mundo). Por ironia (sua aliada até nesta situação), o grande pensador foi acometido da perda completa de suas faculdades mentais. Viveu seus últimos anos sob cuidados de sua mãe e depois de sua irmã.

Seguem algumas frases bem interessante da parte de Nietzsche.

"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras."

"Até Deus tem um inferno: é o seu amor pelos homens."

"Não posso acreditar num deus que quer ser louvado o tempo todo."

Nietzsche foi um desses grandes homens que falaram sobre Deus, sem medo de errar. Eu, que não sou ninguém e posso errar, tomarei a liberdade de dar alguns palpites sobre essa polêmica também. Ou não será sobre Deus que eu vou falar? Cada dia que passa eu fico mais confuso comigo mesmo.

Como disse antes, Nietzsche era um pensador. Ele deve ter passado muitas horas questionando, lendo, escrevendo, formando suas ideias, inclusive aquela última frase, sobre não poder acreditar em um deus que deseja sempre ser louvado. Eu poderia ser preguiçoso, poderia dar todo o crédito à grandeza do intelecto de Nietzsche, assumir que ele já fez todo o trabalho pesado de pensar e então apenas dizer que concordo com ele. E eu concordo mesmo, não porque sou preguiçoso, mas porque eu pensei um pouco sobre a frase, só um pouco. De fato, se eu considerar a palavra "louvado" como Nietzsche a considerou, eu não poderei acreditar nesse tipo de deus.

Desviando: As verdades existem e estão por aí, acreditemos nelas ou não. A gravidade só passou a existir após as formulações de Newton? A evolução só passou a existir após os conceitos de Darwin? Quando foi que a Terra passou a girar em torno do Sol, depois que paramos de considerá-la como o centro do Universo? Veja o vídeo abaixo, é bem interessante. Ele mostra que as verdades sempre são, mas somos nós que as olhamos de acordo com o viés que nos é conveniente, ou possível.


Voltando: Eu espero que um deus que deseja sempre ser louvado (conforme Nietzsche) seja apenas uma opção, mas não seja uma verdade apenas esperando para ser descoberta. No entanto, se estivermos errados (Nietzsche e eu) e essa divindade existir mesmo, só consigo pensar em uma coisa: lascou. Já pensou passar toda a eternidade ajoelhado, batendo a cabeça no chão, pronunciando as mesmas palavras sem sentido, com um certo ar de humilhação, apenas para satisfazer o ego de um deus que deseja ser louvado dessa maneira sempre?

Por outro lado, e se "louvado" tivesse outro significado? Se fosse interpretado como o que acontece dentro do ser humano quando desfruta de uma queda d’água em uma paisagem de tirar o fôlego, ou quando admira um céu estrelado, ou quando se diverte com seu filho sem preocupações, ou quando opta ajudar ao invés de dar uma cusparada na mão de quem lhe pede socorro, ou quando respeita as mais diversas opiniões com a consciência de que diferenças sempre vão existir, ou quando não leva em consideração os erros alheios, pois sabe que também erra as vezes? (Encerro aqui para não ficar muito extenso.) Bom, aí eu mudo de opinião. Se esse Deus, que deseja esse tipo de louvor, existir, passo a não ver nenhum problema em viver louvando para sempre. Vou além, começo a acreditar que esse Deus seja uma daquelas verdades que só está esperando para que a descubramos.

Nós temos a tendência, ou melhor, a necessidade de dar nome as coisas. Nomeamos tudo, fica mais fácil. Damos nome inclusive ao que não conhecemos, então assumimos que sabemos tudo o que é necessário a partir daquele título. Por que ser diferente? Vamos dar "nome aos bois", mas espero que você perceba o quanto somos péssimos nisso.

Pesquisando rápido na internet, nós encontramos comentários dizendo que Nietzsche era ateu, mas nunca conseguiremos ter certeza qual era o viés do olhar dele. Minha opinião é que ele era ateu sim. Uma coisa ele não era, preguiçoso. Ele gastou bastante energia para formular suas ideias, estudou muito, pensou. Ele não se decidia só porque alguém pensou e formulou uma frase de efeito. Quanto a mim, caso você ainda não tenha percebido, eu não sou ateu e, provavelmente, pelo mesmo motivo que Nietzsche pode ser considerado ateu, mas apenas com um viés diferente.

Desviando: Já que estamos falando tanto de viés, se um hindu me perguntar se eu sou ateu, o que eu deveria responder? Um ateu não acredita em um deus especifico, ou um ateu não acredita em nenhum tipo de deus? Vamos olhar no dicionário, mas acho que não vamos conseguir concluir nada (perguntas, as perguntas são importantes).

deus 
sm (lat deus) 1 O Ser supremo; o espírito infinito e eterno, criador e preservador do Universo. 2 Teol Ente tríplice e uno, infinitamente perfeito, livre e inteligente, criador e regulador do Universo. 3 Cada uma das pessoas da Santíssima Trindade.4 Indivíduo ou personagem que, por qualidades extraordinárias, se impõe à adoração ou ao amor dos homens. 5 Objeto de um culto, ou de um desejo ardente que se antepõe a todos os outros desejos ou afetos. 6 Cada uma das divindades masculinas do politeísmo. Pl: deuses. Fem: deusa.

Sob o aspecto do trecho em negrito, ateus podem não existir. São inúmeras as possibilidades de deuses. O dinheiro, a ciência, a razão, uma pessoa, um animal, um automóvel, um time de futebol, uma casa, a família, um objetivo, o sucesso, uma paixão e até mesmo um ser inefável. Todos temos algum objeto de culto, ou de desejo ardente, algo colocado além de todos os outros objetos ou afetos. E, como se não bastasse, somos todos politeístas. Assim, o que é ser ateu? O que é ser crente? (Para ateu segundo o dicionário clique aqui, só não se esqueça da definição 5 em negrito sobre a palavra deus.)

Voltando: Não sei se você já percebeu, mas é possível ter fé e ser um ser pensante ao mesmo tempo. Calma! Eu não estou falando de mim, seria muita presunção. Eu pensava em Isaac Newton para esse caso.

Newton foi um cristão convicto em seus ideais sobre Deus (cuidado, não estamos falando sobre religião, não misturemos as coisas, isso seria prática de um preguiçoso). Arrisco dizer que ele escreveu tantas páginas sobre Deus quanto sobre ciência, mas os manuscritos sobre fé não são tão famosos assim, por qualquer que seja o motivo e que não vem ao caso. (Se tiver interesse, uma biblioteca em Israel fez cópias destes manuscritos e deixou online gratuitamente aqui.)

Seria bem fácil falar que eu sou ignorante e alienado por ter algum tipo de fé, mas falar isso sobre Newton não seria trivial. O que estaríamos afirmando sobre nós, onde estaríamos nos colocando, se afirmássemos isso sobre ele?

Desviando: Confesso que há situações em que eu mesmo me apresentaria a alguém como ignorante e alienado. Por exemplo: o que vale mais, uma pedra ou um automóvel? Poderíamos questionar se estamos comparando com uma pedra rara, dita preciosa. OK, quantos trevos de quatro folhas você já encontrou por aí? O que vale mais um trevo de quatro folhas ou um automóvel? Aposto que se a moda pegar, um dia estaremos vendendo nossos automóveis para comprar trevos de quatro folhas e quem sabe até pedras comuns. (Fiquei com uma vontade de comparar o automóvel a um copo d’água também.)

"Jovem Jenny: Você é idiota ou o que?
Jovem Forrest: Minha mãe diz: idiota é quem faz idiotices."
Forrest Gump

Voltando: Enfim, somos bem ruins mesmo em nomear as coisas, tudo por causa do viés. Faz algum tempo que eu estou tentando pensar mais em como as coisas são e menos no nome delas. Nesse sentido e por enquanto, eu tento pensar que existem pessoas para as quais o "como" basta, para quem o "como" explica tudo, e existem pessoas para as quais o "o que" é importante, para quem somente o "o que" é capaz de dar algum sentido. Nesse ponto, seria muito óbvio eu concluir falando que você não pode ser preguiçoso, que o importante é escolher o "como" ou o "o que". Mas com esse tipo de sugestão, caso você precisasse mesmo dela, eu só estaria criando mais um preguiçoso e me resumindo a apenas um torcedor, pedindo para que você escolhesse uma equipe, quem sabe a minha equipe, para que eu sentisse algum tipo de conforto, uma validação para a escolha que fiz. Entretanto, o que estamos deixando escapar é que, para esse tipo de validação que buscamos, o importante não é o outro, mas somos nós. Imagine-se sentado a uma mesa, de frente com você mesmo. Não um espelho, mas sua cópia perfeita, ali, do outro lado da mesa (talvez melhor ou pior vestido). O que diríamos para nós sobre nossas escolhas?

"(...) Poderíamos nos reconhecer? E se nos reconhecêssemos, conheceríamos a nós mesmos? O que diríamos a nós mesmos? O que aprenderíamos com nós mesmos? O que realmente gostaríamos de ver se pudéssemos ficar diante de nós e olhar para nós mesmos?"
A Outra Terra - 2012

Créditos: Obrigado ao meu irmão MS pelo vídeo sobre a bicicleta com o guidão invertido.

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