"Até aos quarenta anos o homem permanece louco; quando então começa a reconhecer a sua loucura, a vida já passou."
Martinho Lutero
Segundo a definição convencional, filosoficamente falando, vida é o fenômeno que
anima a matéria. Uma entidade poderá ser considerada um ser vivo se apresentar
os seguintes fenômenos, pelo menos uma vez em sua existência: desenvolvimento;
crescimento; movimento; reprodução; respostas a estímulos, e; evolução. Resolvido?
Nem tanto. De acordo com esse conceito, poderíamos dizer que as estrelas são seres
vivos.
Desviando: No caso específico dos seres humanos, também é comum empregar
a palavra vida ao se referir ao tempo gasto com o que faz bem, ou com o que dá
prazer. Descanso, férias, praia, esporte, lazer, piscina, ar livre,
relaxamento, família, amigos etc. É um conceito muito usado para especificar o
período entre uma sexta-feira, imediatamente após a jornada de trabalho, e uma
segunda-feira, segundos antes do inicio da nova jornada. Tudo bem, segundos
antes do inicio da jornada de trabalho é forçar a barra, que tal segundos antes
de deitar-se domingo a noite?
Voltando: O fato de exceções como as estrelas encaixarem-se na definição
filosófica de vida pode ser remediado se adicionarmos a palavra metabolismo ao conceito.
Biologicamente falando, vida pode ser descrita como um processo contínuo de
reações químicas e metabólicas, em um ambiente que apresente condições
favoráveis a ocorrência e manutenção destas mesmas reações. Por isso que cada célula
de nosso corpo, de uma árvore, ou de qualquer outro ser são consideradas vivas.
Neste contexto, vida não tem relação nenhuma com consciência. Obviamente, se
tentássemos fazer essa correlação, não obteríamos sucesso. Os animais
irracionais e os vegetais não possuem consciência, mas são biologicamente vivos
(já parou para pensar que chamar um animal de irracional não é um pleonasmo?)
Então, as questões, o que é consciência e qual sua função para a vida? (Claro
que não tenho a menor pretensão de dar alguma resposta, por motivos óbvios, não
sei). Será que tudo não passa de um incrível, minucioso e camuflado sentido de
instinto, que nos ilude a acreditarmos que exista um eu (já citei aqui algo sobre um
conjunto de circuitos que acreditava ser alguém). Diz-se que os seres
conscientes são os únicos que sabem sobre si mesmo, sabem que existem e que são
algo. Ou melhor ainda, são os únicos que possuem a capacidade de diferenciar a
si mesmo do outro. Portanto, faço mais perguntas, "o que é ser?", "o que é
existir?" e "o que é não ser o outro?". Já que também não sabemos as respostas para
esses três conceitos base, então, talvez, a consciência não seja nada mais que
a habilidade de fazer perguntas. Questiono, logo existo?
A série americana True Detective falou sobre ilusão,
consciência e vida. Segue um vídeo aqui e a transcrição
abaixo.
Sobre a consciência: "Eu acho que a consciência humana foi um erro
trágico na evolução. Nós nos tornamos demasiadamente conscientes de nós mesmos.
A Natureza criou uma parte separada dela mesma. (...) Somos coisas que vivem a
ilusão de ser alguém. Temos a noção de que vivemos experiências sensoriais, que
temos sentimentos. Programados, com certeza, de que cada um de nós é um alguém.
Quando de fato, não somos ninguém."
Sobre a vida: "É isso que eu quero dizer quando eu falo
sobre o tempo, a morte e a futilidade. Você olha nos olhos delas, mesmo numa
foto, e não importa se estão vivas ou mortas. (...) Sabe o que você vê? Elas
escolheram a morte. Não de primeira, mas ali, naquele último instante. É um
nítido alívio. Porque elas estavam com medo. E agora elas viram, pela primeira
vez, o quão fácil era simplesmente se deixar levar. E elas viram, naquele
último nano segundo, o que elas eram de fato. Você, você mesmo, todo esse
grande drama, não é nada mais do que um remendo de presunção e desejos tolos. E
você pode simplesmente se deixar levar, enfim... agora que você não tem que se
apegar com tanta força. E perceber que toda a sua vida, não importa o quanto
você amou ou odiou, toda a sua memória, a sua dor... foi tudo a mesma coisa.
Tudo fez parte do mesmo sonho. Um sonho que você teve dentro de um quarto
trancado. O sonho de ser uma pessoa."
Então, a consciência, que busca sua individualidade e nos separa do
outro, talvez seja o nosso grande mal. Ou melhor, quem sabe ela esteja sendo
usada de forma errada. Não me admiraria se descobríssemos que ela foi criada
com o objetivo de reconhecer o outro, mas não de conhecer a si mesma. Se a teoria evolucionista da seleção natural
for mesmo correta, a consciência poderia ter sido desenvolvida apenas para
permitir saber que há um outro. Somente assim, juntos, a espécie se perpetuaria.
Reiterando, talvez a consciência não tenha sido criada para individualizar, mas
para unir. Não tenha sido criada para saber quem é o um, mas para saber que, apenas
como vários, os "uns" conseguiriam seguir em frente.
É justamente esta linha de raciocínio que o professor Clóvis de Barros Filho apresenta neste vídeo. É a ideia de um pensador
singular, que revolucionou a humanidade ao introduzir o conceito de que a vida
que vale a pena viver é aquela completamente dedicada ao outro, de que o amor é
mais valioso que a vida (veja o vídeo antes de discordar). Uma ideia, até
então, contrária a todos os outros pensadores, que pregavam o bem-estar, o
individualismo, as conquistas e a satisfação pessoais.
Desviando: É incrível, como alguém conseguiu ter uma visão da humanidade
tão além em uma época tão remota, de forma que chamá-lo de mente evoluída ainda
seria limitar muito? É sobre-humana a capacidade de criar e apresentar conceitos
que, mesmo com muita explicação, a humanidade inteira ainda pena para entender.
O que há por trás desta mente? O que está por de trás das cortinas? O que ela
viu além da entrada da caverna? O que foi escrito nas palavras e que ainda não conseguimos ler? Talvez
por isso seja mais fácil apenas pedir para que se confie. Talvez por isso seja
mais fácil apenas pedir para que se tenha fé.
Voltando: O que estamos tentando entender é "o que acontece se colocarmos
consciência em um ser dotado de instintos?" A gente, acontece a gente, os seres
humanos. Eu acredito que existem três tipos de seres. Primeiro, os animais,
fundamentados na fome e nos desejos, puramente instintivos. Segundo, os seres
humanos, que possuem toda a estrutura instintiva como os animais, mas que
receberam a dádiva, ou o infortúnio, da consciência. Terceiro, os seres puramente conscientes, sem instinto, ou com estes
completamente domados pelas rédeas do discernimento (já citei aqui sobre a possibilidade de aparecerem seres com roupas estranhas, em "caravelas", que nos mostrem que vivemos nus). Por isso nós ficamos nesta
batalha entre o que se deseja contra o que se deve, entre o que eu sou contra o
que eu gostaria de ser. Quase literalmente, seria a mesma coisa que, por um
truque de mágica, dotar um símio de consciência.
Neste sentido, faço duas observações. A primeira é a esperança de um dia
alcançarmos o patamar dos seres puramente conscientes, que não vivem para
preencher o vazio do eu, mas sim o vazio do outro (o Céu). Então, conseguir escapar
de uma vida de fome e sede insaciáveis, de dor e desconforto infindáveis (o
Inferno). A segunda observação é que alguém poderia dizer que não seria bom perdermos nossos instintos, pois são justamente eles que nos tornam humanos. Porém,
eu não fico plenamente confortável com essa ponderação. Já citei aqui que nossas
conclusões são, em sua maioria, tendenciosas. O caso daquela tia que, ao
acertar na loteria, não pretende comprar uma casa grande, pois dará muito
trabalho para limpar. Ela avalia a situação sob o aspecto de quem não tem
dinheiro, mas se esquece que, se milionária, poderia pagar para outras pessoas arrumarem
a sua grande casa nova.
Enfim, a nossa sociedade, a partir de nossa geração, está se
especificando demais. Está se subdividindo em muitos grupos de interesses. A
cada dia surgem mais classes, partidos, tribos, facções, seitas, equipes,
corporações, simpatizantes etc (haja sinônimo). Durante meus 36 anos de vida,
nunca fui colocado frente a escolhas de lado, a escolhas entre posições
ideológicas, tanto quanto atualmente. Perdi as contas de quantas vezes fui "forçado" a diferenciar-me de um grupo e identificar-me com outro, de quantas
vezes fui questionado nesse sentido. Se nossa reflexão, sobre o verdadeiro
propósito da consciência estiver correta, talvez estejamos tornando-a um
problema, ou obsoleta. E se foi mesmo a seleção natural quem a criou, arrisco
dizer que, ou seguiremos o caminho da extinção, ou a Natureza vai perceber que
errou e dará um jeito de corrigir. Relevante frisar que uma opção não exclui a
outra.
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