terça-feira, 17 de maio de 2016

Eu, Eu Mesmo e Minha Consciência

"Até aos quarenta anos o homem permanece louco; quando então começa a reconhecer a sua loucura, a vida já passou."
Martinho Lutero

Segundo a definição convencional, filosoficamente falando, vida é o fenômeno que anima a matéria. Uma entidade poderá ser considerada um ser vivo se apresentar os seguintes fenômenos, pelo menos uma vez em sua existência: desenvolvimento; crescimento; movimento; reprodução; respostas a estímulos, e; evolução. Resolvido? Nem tanto. De acordo com esse conceito, poderíamos dizer que as estrelas são seres vivos.

Desviando: No caso específico dos seres humanos, também é comum empregar a palavra vida ao se referir ao tempo gasto com o que faz bem, ou com o que dá prazer. Descanso, férias, praia, esporte, lazer, piscina, ar livre, relaxamento, família, amigos etc. É um conceito muito usado para especificar o período entre uma sexta-feira, imediatamente após a jornada de trabalho, e uma segunda-feira, segundos antes do inicio da nova jornada. Tudo bem, segundos antes do inicio da jornada de trabalho é forçar a barra, que tal segundos antes de deitar-se domingo a noite?

Voltando: O fato de exceções como as estrelas encaixarem-se na definição filosófica de vida pode ser remediado se adicionarmos a palavra metabolismo ao conceito. Biologicamente falando, vida pode ser descrita como um processo contínuo de reações químicas e metabólicas, em um ambiente que apresente condições favoráveis a ocorrência e manutenção destas mesmas reações. Por isso que cada célula de nosso corpo, de uma árvore, ou de qualquer outro ser são consideradas vivas. Neste contexto, vida não tem relação nenhuma com consciência. Obviamente, se tentássemos fazer essa correlação, não obteríamos sucesso. Os animais irracionais e os vegetais não possuem consciência, mas são biologicamente vivos (já parou para pensar que chamar um animal de irracional não é um pleonasmo?)

Então, as questões, o que é consciência e qual sua função para a vida? (Claro que não tenho a menor pretensão de dar alguma resposta, por motivos óbvios, não sei). Será que tudo não passa de um incrível, minucioso e camuflado sentido de instinto, que nos ilude a acreditarmos que exista um eu (já citei aqui algo sobre um conjunto de circuitos que acreditava ser alguém). Diz-se que os seres conscientes são os únicos que sabem sobre si mesmo, sabem que existem e que são algo. Ou melhor ainda, são os únicos que possuem a capacidade de diferenciar a si mesmo do outro. Portanto, faço mais perguntas, "o que é ser?", "o que é existir?" e "o que é não ser o outro?". Já que também não sabemos as respostas para esses três conceitos base, então, talvez, a consciência não seja nada mais que a habilidade de fazer perguntas. Questiono, logo existo?

A série americana True Detective falou sobre ilusão, consciência e vida. Segue um vídeo aqui e a transcrição abaixo.

Sobre a consciência: "Eu acho que a consciência humana foi um erro trágico na evolução. Nós nos tornamos demasiadamente conscientes de nós mesmos. A Natureza criou uma parte separada dela mesma. (...) Somos coisas que vivem a ilusão de ser alguém. Temos a noção de que vivemos experiências sensoriais, que temos sentimentos. Programados, com certeza, de que cada um de nós é um alguém. Quando de fato, não somos ninguém."

Sobre a vida: "É isso que eu quero dizer quando eu falo sobre o tempo, a morte e a futilidade. Você olha nos olhos delas, mesmo numa foto, e não importa se estão vivas ou mortas. (...) Sabe o que você vê? Elas escolheram a morte. Não de primeira, mas ali, naquele último instante. É um nítido alívio. Porque elas estavam com medo. E agora elas viram, pela primeira vez, o quão fácil era simplesmente se deixar levar. E elas viram, naquele último nano segundo, o que elas eram de fato. Você, você mesmo, todo esse grande drama, não é nada mais do que um remendo de presunção e desejos tolos. E você pode simplesmente se deixar levar, enfim... agora que você não tem que se apegar com tanta força. E perceber que toda a sua vida, não importa o quanto você amou ou odiou, toda a sua memória, a sua dor... foi tudo a mesma coisa. Tudo fez parte do mesmo sonho. Um sonho que você teve dentro de um quarto trancado. O sonho de ser uma pessoa."

Então, a consciência, que busca sua individualidade e nos separa do outro, talvez seja o nosso grande mal. Ou melhor, quem sabe ela esteja sendo usada de forma errada. Não me admiraria se descobríssemos que ela foi criada com o objetivo de reconhecer o outro, mas não de conhecer a si mesma. Se a teoria evolucionista da seleção natural for mesmo correta, a consciência poderia ter sido desenvolvida apenas para permitir saber que há um outro. Somente assim, juntos, a espécie se perpetuaria. Reiterando, talvez a consciência não tenha sido criada para individualizar, mas para unir. Não tenha sido criada para saber quem é o um, mas para saber que, apenas como vários, os "uns" conseguiriam seguir em frente.


É justamente esta linha de raciocínio que o professor Clóvis de Barros Filho apresenta neste vídeo. É a ideia de um pensador singular, que revolucionou a humanidade ao introduzir o conceito de que a vida que vale a pena viver é aquela completamente dedicada ao outro, de que o amor é mais valioso que a vida (veja o vídeo antes de discordar). Uma ideia, até então, contrária a todos os outros pensadores, que pregavam o bem-estar, o individualismo, as conquistas e a satisfação pessoais.

Desviando: É incrível, como alguém conseguiu ter uma visão da humanidade tão além em uma época tão remota, de forma que chamá-lo de mente evoluída ainda seria limitar muito? É sobre-humana a capacidade de criar e apresentar conceitos que, mesmo com muita explicação, a humanidade inteira ainda pena para entender. O que há por trás desta mente? O que está por de trás das cortinas? O que ela viu além da entrada da caverna? O que foi escrito nas palavras e que ainda não conseguimos ler? Talvez por isso seja mais fácil apenas pedir para que se confie. Talvez por isso seja mais fácil apenas pedir para que se tenha fé.

Voltando: O que estamos tentando entender é "o que acontece se colocarmos consciência em um ser dotado de instintos?" A gente, acontece a gente, os seres humanos. Eu acredito que existem três tipos de seres. Primeiro, os animais, fundamentados na fome e nos desejos, puramente instintivos. Segundo, os seres humanos, que possuem toda a estrutura instintiva como os animais, mas que receberam a dádiva, ou o infortúnio, da consciência. Terceiro, os seres puramente conscientes, sem instinto, ou com estes completamente domados pelas rédeas do discernimento (já citei aqui sobre a possibilidade de aparecerem seres com roupas estranhas, em "caravelas", que nos mostrem que vivemos nus). Por isso nós ficamos nesta batalha entre o que se deseja contra o que se deve, entre o que eu sou contra o que eu gostaria de ser. Quase literalmente, seria a mesma coisa que, por um truque de mágica, dotar um símio de consciência.

Neste sentido, faço duas observações. A primeira é a esperança de um dia alcançarmos o patamar dos seres puramente conscientes, que não vivem para preencher o vazio do eu, mas sim o vazio do outro (o Céu). Então, conseguir escapar de uma vida de fome e sede insaciáveis, de dor e desconforto infindáveis (o Inferno). A segunda observação é que alguém poderia dizer que não seria bom perdermos nossos instintos, pois são justamente eles que nos tornam humanos. Porém, eu não fico plenamente confortável com essa ponderação. Já citei aqui que nossas conclusões são, em sua maioria, tendenciosas. O caso daquela tia que, ao acertar na loteria, não pretende comprar uma casa grande, pois dará muito trabalho para limpar. Ela avalia a situação sob o aspecto de quem não tem dinheiro, mas se esquece que, se milionária, poderia pagar para outras pessoas arrumarem a sua grande casa nova.

Enfim, a nossa sociedade, a partir de nossa geração, está se especificando demais. Está se subdividindo em muitos grupos de interesses. A cada dia surgem mais classes, partidos, tribos, facções, seitas, equipes, corporações, simpatizantes etc (haja sinônimo). Durante meus 36 anos de vida, nunca fui colocado frente a escolhas de lado, a escolhas entre posições ideológicas, tanto quanto atualmente. Perdi as contas de quantas vezes fui "forçado" a diferenciar-me de um grupo e identificar-me com outro, de quantas vezes fui questionado nesse sentido. Se nossa reflexão, sobre o verdadeiro propósito da consciência estiver correta, talvez estejamos tornando-a um problema, ou obsoleta. E se foi mesmo a seleção natural quem a criou, arrisco dizer que, ou seguiremos o caminho da extinção, ou a Natureza vai perceber que errou e dará um jeito de corrigir. Relevante frisar que uma opção não exclui a outra.


Nenhum comentário:

Postar um comentário