segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Nada Como um Dia Após o Outro

"Em primeiro lugar é o Universo que deve ser interrogado sobre o homem e não o homem sobre o Universo."
André Breton

O Sol concentra um pouco mais que 99% de toda a massa do sistema solar. A massa dele é, por exemplo, 332.900 vezes maior que a massa da Terra. Parte da energia gerada pela fusão dos átomos de Hidrogênio, 74% da massa do Sol, chega a Terra em forma de luz, que demora em média 8 minutos para nos alcançar. Essa luz e também o calor em forma de radiação são fontes de praticamente toda a energia que existe na Terra. A vegetação, as chuvas, os rios, os ventos, os animais, o clima, você e mesmo a energia absorvida por plantas e animais há milhões de anos e que futuramente se tornariam componentes orgânicos fósseis, hoje o Petróleo, tem o Sol como fonte de energia.

O Sol é a estrela central de nosso sistema, o que significa dizer que a Terra gira em torno dele. Uma volta completa da Terra ao redor do Sol dura aproximadamente 365 dias e a cada 24 horas a Terra também completa uma volta em torno de si mesma. Ou seja, sempre há uma face da Terra voltada para a luz do Sol, o que chamamos de dia, e outra face voltada para o lado oposto, o que chamamos de noite. Volta a volta, os dias vão passando e os anos vão ficando para trás, em um ciclo de renovação que não significa nada do ponto de vista do Universo, mas que faz todo o sentido na mente de quem sente o calor aconchegante no rosto ao raiar do dia.

A teoria heliocêntrica foi oficializada através da publicação "Da revolução de esferas celestes" de 1543, mesmo ano da morte de seu autor, Nicolau Copérnico. Até meados do século XVI a Terra era considerada o centro do Universo, mas a partir daquela publicação (com ressalvas), o Sol foi colocado no centro. Alguns séculos mais tarde a Via Láctea seria descoberta e o Sol deixaria de ocupar essa posição central. Hoje outras galáxias também já foram descobertas, então não se sabe mais qual é o centro do Universo, se é que existe um. Mas tudo isso refere-se a discussões por títulos oficiais, pois não oficialmente sabemos qual é e sempre foi o centro do Universo, pelo menos do ponto de vista dos seres humanos.


Desviando um: Um homem era capaz de responder a qualquer pergunta. Ele mesmo, por si só, não tinha as respostas, mas de uma forma misteriosa qualquer, quando alguém lhe fazia uma pergunta, a resposta aparecia na sua mente. Pelo capricho do destino, tentando alertar as autoridades (não tenho muita certeza se contra um atentado, ou contra um crime hediondo), ele se tornou suspeito, pois quem poderia ter detalhes tão profundos do crime antes do acontecimento sem ser o mentor ou o cúmplice? Durante sua caminhada para a cela, onde passaria os próximos trinta anos cumprindo pena por um crime que não cometeu, ele foi ridicularizado pelo oficial que o acompanhava, "então quer dizer que você é capaz de responder a qualquer pergunta?" O homem respondeu que sim. O oficial emendou outro achincalhamento, "então, se eu te perguntar qual a forma perfeita de sair desta cadeia você saberá a resposta e poderá colocá-la em prática?" Não diferente, a resposta foi sim. O oficial não suportou o desafio e lançou como golpe final, "então prove que você faz o que diz, qual a forma perfeita de sair dessa cadeia?"

Trinta anos depois, quando o notável homem estava saindo da cadeia, após cumprir toda a injusta pena, quis o destino que o acompanhante fosse o mesmo oficial que o escoltou durante a entrada. É curioso como após trinta anos uma pessoa pode permanecer a mesma, sem nenhuma evolução. O oficial, com o mesmo ar de deboche lançou a fatídica pergunta, "pelo jeito você era culpado, pois permaneceu preso por trinta anos, mesmo após eu ter feito a pergunta cuja resposta te libertaria". O homem com poderes especiais deu sua resposta cabal, "essa caminhada final para a liberdade é a conclusão do plano perfeito para sair desta cadeia, você não entende isso porque não procura por respostas que sejam a verdade, mas procura por respostas que estejam de acordo com as suas vontades."

Desviando dois: Talvez você não goste de conto de fadas, então vamos falar de Direitos Fundamentais. Toda aquela história sobre os direitos dos cidadãos a moradia, educação, saúde, segurança e lazer. Suponha que você é fumante (se for mesmo, pare com isso, faz mal) e que o Estado acaba de proibir a prática do fumo no país. Ora bolas, você tem o direito de escolher entre o que é bom para você e o que não é. O Estado não tem direito de se meter na sua vida. Onde estão os seus direitos? Vamos pintar as caras e sair as ruas, mas não antes de fazermos alguma reflexão.

Depois de um tempo fumando (expressão máxima de sua liberdade, nada contra), você adoece por causa do vício e precisa de um hospital. Como eu acho difícil que você deixe de procurar um médico (e nem deve), com a consciência de que você foi o responsável pela degradação de sua saúde e por isso é corajoso o suficiente para ficar em casa esperando a morte chegar, a minha pergunta seria, quem tem mais direito de ocupar o leito hospitalar, você que fumou a vida toda, ou uma pessoa que adoeceu por puro acaso? (É importante eu deixar claro que tenho consciência da dificuldade de se livrar dos vícios químico e psicológico, não estou tratando dessa questão, mas se mesmo assim você estiver desconfortável com meu exemplo, substitua o vício do fumo por um paraquedas que quase abriu tarde demais – você vai sobreviver).

Não há diferença, vocês dois tem os mesmos direitos por um tratamento. O ponto que queremos discutir está no momento das escolhas. Você tem responsabilidade pela sua saúde não somente por si mesmo, mas porque ela tem um custo para você e para o Estado, consequentemente para o seu vizinho. Justamente vislumbrando isso, o Estado poderia se ver na obrigação de proibir o fumo, preparado para aceitar certos níveis de perdas (as próximas eleições talvez, por causa de medidas "impopulares") em prol do bem da maioria. É o mesmo para educação, segurança e moradia. Nós deveríamos entender isso, mas porque não aceitamos? Umbigo, o problema é o umbigo.

Você poderia me questionar sobre as pessoas que não tem condições de desfrutar de seus direitos pelos seus próprios esforços, mas eu não vou entrar no mérito se os sistemas de governo (democracia) e de economia (capitalismo) que escolhemos para nós são os melhores. Se são sistemas absolutos, ou se podem ser questionados. Quem sabe um dia eu tenha alguma inspiração para falar sobre termos o direito de fazer qualquer escolha, assim como será exclusivamente nossa a responsabilidade sobre cada consequência. Ou é justamente sobre isso que estou falando? 

Desviando três: Tanto o cão quanto o gato ficaram avaliando os seus donos, prestando atenção em tudo o que eles faziam. Os cuidados em colocar comida na vasilha, o carinho em dar banho e escovar os pelos, a preocupação em levá-los ao veterinário, a dedicação em preparar uma cama quente e confortável. Então o cão pensou, "poxa, meu dono é tão bom comigo, ele só pode ser deus", mas o gato pensou, "poxa, meu dono é tão bom comigo, eu só posso ser deus."

Voltando tudo: Talvez você não acredite em conto de fadas, ou em governantes, ou em filosofia de internet. Então, vou tentar falar de mim. Hoje eu sei que as vezes as coisas vão dar errado e isso não vai necessariamente ter algum significado, não adianta eu "bater o pé" como uma criança que deseja uma guloseima antes do jantar. Hoje eu sei que existem momentos que eu vou ter que abdicar de um direito meu em prol do bem de outra pessoa e que de alguma forma isso vai ser bom para mim também. Hoje eu sei que não devo mesmo conseguir tudo o que eu gostaria, pois poderia fazer mal para mim, ou pior, fazer mal para outra pessoa. Hoje eu sei que não tenho o controle de tudo, que eu não conheço os meandros de todas as coisas que me cercam, então devo ser um pouco mais humilde em minhas opiniões. Hoje eu sei que querer não é poder. Hoje eu sei que o meu umbigo não é o centro do Universo.

O problema do hoje é o amanhã, um dia totalmente diferente, quando eu vou me esquecer de tudo que eu sei hoje. Eu vou me perceber acreditando novamente que o Universo estará conspirando contra mim ao menor sinal de dificuldade. As vezes a face de tudo está virada para o meu umbigo, outras vezes está virada para o lado oposto.

Tem uma passagem bem interessante no livro que eu julgo ser a mais completa enciclopédia sobre seres humanos que existe (Olha o umbigo aí de novo, esse livro não era sobre Deus?):

"Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade."
Lamentações 3.22-23

Não vamos achando que esse trecho diz que nós temos alguma importância no Universo, de modo que sempre teremos privilégios dia após dia. Essa passagem pode estar dizendo justamente o contrário, que somos tão limitados, fracos e insignificantes que dia após dia sempre vamos cometer os mesmos erros, afinal de contas, que tipo de pessoa precisaria de misericórdia renovada um dia após o outro?

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Sem Palavras...

"Uma criança, cega de nascença, só sabe de sua cegueira se alguém lhe conta."
Stephen King

A Coréia do Norte é um país do leste asiático, uni partidário, sob uma frente liderada pelo "Partido dos Trabalhadores da Coreia" e com uma população estimada em torno de 24 milhões de pessoas (informação de 2009). Oficialmente, a Coréia do Norte é uma república socialista, considerada pelo mundo como uma ditadura totalitarista stalinista desde 1955, a partir do governo de Kim II-sung, praticamente isolada do resto do mundo, devido a um embargo econômico em função de sua insistência em realizar testes com armas nucleares.

Alguns analistas descrevem o governo da Coréia do Norte como uma "ditadura hereditária", com um forte culto de personalidade organizado em torno de Kim II-sung, seu filho Kim Jong-il (ambos falecidos) e agora seu neto Kim Jong-un. Por exemplo, Kim II-sung é considerado presidente eterno mesmo depois de morto. A perpetuação desse culto a personalidade só é possível através de um controle sobre vários aspectos da cultura do país e da expressão política. Os partidários que se desviam da linha do governo ficam sujeitos a "reeducação" em campos de trabalho. Os que se reabilitam voltam a sociedade, os que não se reabilitam... (não consegui informação sobre eles).

A mídia da Coréia do Norte é uma das mais controladas no mundo, se não a mais controlada, com todas as informações internas e externas passando pelo crivo da censura. Apenas informações e publicações que favoreçam o regime e que cultuem os líderes são permitidas, incluindo relatos constantes das "sublimes" atividades diárias de Kim Jong-un. Por exemplo, o acesso a internet na Coréia do Norte é inteiramente proibido. Não diferente, a literatura e as artes são também todas controladas pelo governo. Por exemplo, a maioria das músicas produzidas cultuam o "grande" líder.

Para termos alguma noção do que estamos falando, circulou um vídeo na internet sugerindo que a Coreia do Norte foi campeã da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, com goleadas de 4 a 0 sobre os Estados Unidos e 7 a 0 sobre o Japão, sendo que a final seria disputada contra Portugal de Cristiano Ronaldo. O vídeo incluiu imagens dos jogos que nunca existiram, inclusive a imagem de Kim Jong-un em um telão montado em uma praia brasileira, sob aplausos de torcedores das mais variadas nacionalidades (link para a matéria). A coisa é tão surreal que eu desconfiei. Procurei muito na internet, mas tenho que confessar que não consegui concluir se o vídeo é falso ou se é mesmo uma estratégia de controle do governo norte-coreano. Encontrei informações afirmando as duas coisas.

Por que o governo norte-coreano faz tudo isso? Simples, para controlar as pessoas viabilizando o regime totalitário do governo. Nesse caso, como as pessoas poderiam escapar? Se quiséssemos "acordá-los", o que diríamos para eles? O que pensariam de nós se passássemos a falar coisas que não fazem parte da única realidade que eles conhecem? Se imagine vivendo naquele país, como você saberia que está sendo controlado? Como você conseguiria perceber que as informações que chegam até você são manipuladas? São as únicas que chegam. Como saber que o todo é somente parte e ainda uma parte bem questionável?

Desviando: Marcelo Gleiser em seu livro "A Dança do Universo" diz o seguinte: "Se nosso cérebro, e, portanto, o modo como pensamos, é produto do ambiente em que ele funciona, será que podemos construir uma visão 'pura' do mundo? Em outras palavras, será que podemos transcender a limitação de sermos 'criaturas do mundo', de modo a construir uma visão realmente completa, sobre-humana, da realidade? Ou será que estamos aprisionados dentro de nossos próprios mecanismos racionais? Parece que temos de aceitar o fato de que nossa percepção da realidade é realmente limitada."

Voltando: O nosso mundo é diferente do mundo norte-coreano? Quem decide o que vai ser noticiado? Quem decide o que vai ser publicado? Quem decide que tipo de filme será produzido? De onde vem os assuntos discutidos nas rodas entre amigos? Quem colocou na nossa cabeça o padrão de vida a ser buscado? Por que estudamos? Por que trabalhamos? Por que nos casamos? Por que queremos ter filhos? Por que queremos comprar uma casa? Por que queremos ter sucesso profissional? De onde vieram todos esses padrões? Como podemos garantir que todas as informações que são bombardeadas sobre nós, dia a dia, é o todo? Ou por que vivemos como se fosse o todo?

"A vida que me ensinaram como uma vida normal / Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal / Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso"
Kid Abelha

Desviando: Lembrei-me daquela questão sobre o tráfico ilegal de drogas, ou sobre produtos piratas etc. Quem é o culpado por todas as vidas que se perdem e que morrem para viabilizarem os mercados ilegais? O criminoso que disponibiliza o produto ilegal, ou o consumidor que viabiliza o mercado?

Existe um filme que se chama "Precisamos falar sobre Kevin" de 2011. É uma história fictícia, sobre um garoto que invade sua escola e mata todos os colegas com arco e flechas. O filme retrata toda a vida do garoto dentro e fora de casa, todos os seus relacionamentos, tudo o que ocorreu até chegar aquele fatídico ponto e tudo o que ocorre a partir daquele dia. O filme parece um ensaio, tentando entender como e por que esse tipo de coisa pode ocorrer. O viés do filme é psicológico, retrata justamente o interesse que as pessoas tem pelo horror, pelo que é degradante. Para minha "vergonha", em determinado momento do filme, o protagonista se dirige ao telespectador e pergunta se estaríamos interessados no filme se ele, o protagonista, fosse uma pessoa modelo (não com essas palavras). Já vimos algo parecido? Soa familiar? Alguma semelhança com a grande audiência de programas jornalísticos ou reportagens sensacionalistas, ou com recordes de bilheteria para filmes cheios de intrigas, traição, ódio, vingança, destruição e morte?

Voltando: Apesar de estar parecendo, eu não estou querendo falar de teorias da conspiração, ou de qualquer plano megalomaníaco para conquistar o mundo, tampouco estou tentando falar que devemos sair as ruas com cartazes e faixas, ou mesmo pegar em armas para promover a queda de algum sistema. Eu estou querendo falar das mensagens subliminares, das coisas "pequenas", das coisas sutis, que justamente por serem assim entram na nossa mente sem percebermos. Coisas nas quais nos tornarmos, das quais não conseguimos escapar, porque são as únicas realidades que conhecemos. Coisas que são o padrão que nos ensinam, que nos sugerem. As ideias que temos sem saber de onde vem e por isso acreditamos que são o todo.

Por que é tão natural e compreensível que uma pessoa magoada nunca mais olhe no rosto de quem a magoou? Por que é tão natural "engolir" grosserias só porque estamos em uma posição hierárquica desfavorecida? Por que é natural ser grosseiro quando a hierarquia nos favorece? Por que é tão natural o mercado ser selvagem e termos que ser feras para termos sucesso? Por que é tão natural acreditar que está tudo bem contanto que tudo esteja além do portão de casa? Por que é tão natural que tenhamos que viver longe das pessoas que amamos, ou gastar todo o tempo que temos, para podermos construir vidas que valham a pena? Vai valer a pena? Por que é natural que consigamos nos emocionar com pessoas que passam por dificuldades financeiras enquanto temos algum dinheiro no banco que não nos faria muita falta? Por que é tão natural querer que quem nos faz o mal sofra algum tipo de justiça enquanto nos esquecemos que merecemos pagar nossas dividas? Quem construiu todos esses padrões e outros? Quem os colocou na nossa cabeça? Como poderíamos escapar? Como podemos reconhecê-los?

Eu poderia não ter escrito todas essas coisas, mas poderia ter escrito um texto apenas usando palavras cafonas (é irônico como a palavra cafona parece tão cafona). Eu poderia ter escrito um texto cheio de clichês falando que dinheiro não é tudo, que o conforto nos doma, que o importante são os relacionamentos que construímos com as pessoas. Eu poderia falar para não exigirmos de volta quando alguém leva o que nos pertence, falar sobre caminhar dois quilômetros com quem nos obriga a caminhar um, sobre oferecer o lado esquerdo do rosto a quem nos acertar o lado direito, sobre cuidar do outro como gostaríamos de ser cuidados. Eu poderia ter escrito um texto cheio de palavras que você acha que está cansado de ouvir, contando sobre um exemplo que viveu uma vida "fora da caixa" e que é uma boa referência para podermos reconhecer os padrões que vivemos. Mas eu percebi (me incluo nisso) que nós não tentamos mais entender o que as palavras querem explicar, apenas assumimos os significados que vem a nossa mente quando as ouvimos, mesmo sem saber bem de onde esses significados vem.


O que é ser alienado? Qual é o antônimo de alienado? É engraçado como o antônimo explica melhor o que é ser alienado do que a própria palavra. Veja nos links se não é isso mesmo. Esqueçamos o que as palavras significam, ou o que achamos que elas significam. Passemos a pensar e a olhar para as coisas como elas são, pois é isso o que as palavras estão tentando explicar. As palavras por si só não são os conceitos, elas não passam de sons e rabiscos. Se nós começarmos a praticar isso, talvez nos surpreendamos um dia, ao descobrir que a Coréia do Norte não foi campeã da Copa do Mundo de 2014.

domingo, 9 de agosto de 2015

O Fim dos Tempos

"Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?"
Friedrich Nietzsche


As profecias são relatos que dizem poder prever acontecimentos futuros. Geralmente transbordam alegorias e simbolismos, causas das mais diversas interpretações. Na maioria das vezes, essa variedade de interpretações provoca descrédito, banalização, mas convenhamos, a polêmica é justamente a pitada de tempero sobre o assunto. Algo que seja direto, certo e racional é um fato, não uma profecia.

Os tipos de profecias que mais atraem a nossa atenção (ou pelo menos a minha atenção) são aquelas sobre o fim apocalíptico do mundo, muito por manterem abertas as possibilidades de como tudo ocorrerá, permitindo que a imaginação de cada um seja o único limite. E haja imaginação. Confesso que as vezes fico achando que vivemos em um filme de Hollywood e que o grand finale está sempre a espreita. Acho tudo muito surreal. Deixe-me listar alguns exemplos curiosos.

Juda Ben Samuel foi um judeu alemão que no ano de 1217 registrou uma previsão de três partes para a nação de Israel. Ele disse que por oito jubileus, ou por 400 anos (1 jubileu = 50 anos), os turcos Otomanos reinariam sobre Jerusalém. Pasmem, 300 anos após o registro das previsões, de 1517 a 1917, foi exatamente isso que ocorreu. Na segunda parte da previsão, o rabino havia dito que durante um jubileu, Jerusalém seria terra de ninguém. Segure o queixo, pois entre 1917 e 1967 Jerusalém ficou sob a alçada britânica a mando da Liga das Nações, não pertencendo literalmente a nenhuma nação. Na terceira parte, o rabino disse que durante o décimo jubileu, Jerusalém estaria sob os cuidados do povo judeu e que após esse período, o messias apareceria para estabelecer seu reino final. Um pedaço desta terceira parte da previsão já se cumpriu, a partir de 1967, após a Guerra dos Seis Dias, Jerusalém passou à tutela dos judeus, como está até hoje. O que dá um certo frio na barriga é que esse período que culmina com a chegada do messias judeu e seu reinado final se encerra em 2017. Apenas para que esse post não fique grande demais, achei esse site que apresenta os fatos históricos que marcaram cada período, caso você tenha curiosidade.

São Malaquias, um arcebispo irlandês, no ano de 1199 fez previsões que supostamente indicariam os 112 papas da igreja católica a partir de Celestino II, sendo que o 112° papa seria o último antes do fim do mundo. Nesta página você encontra cada uma das 112 previsões e a suposta ligação de cada uma delas com os respectivos papas, indicando o possível cumprimento. Eu confesso que fiquei bastante impressionado (dica, comece do fim para o começo). Não diferente, o frio na barriga ronda o ambiente, pois o 112° papa seria o então papa Francisco. E quer saber mais? No ano de 2015 esse mesmo papa, por qualquer que seja o motivo, disse sentir que seu papado será de quatro ou cinco anos no máximo. Fazendo as contas, 2013 mais cinco é igual a 2018. Ai, caramba, primeiro ano após o fim do último jubileu previsto pelo rabino judeu Juda Ben Samuel.

No capítulo 13 do livro de Marcos, nos versos de 28 a 32 (estou falando da Bíblia), Jesus disse que deveríamos ficar atentos a lição da figueira, que quando ela florescesse não passaria uma geração sem que seus relatos sobre os fins dos tempos se cumprissem. Na mesma Bíblia, a figueira costuma representar Israel e uma geração dura por volta de 70 anos. Levando isso em consideração, em 1948 Israel conquistou sua independência, floresceu, e contando mais 70 anos chegamos ao ano de 2018. Afe...

Tudo muito interessante e empolgante, não é mesmo? Me divirto com esse tipo de assunto. Parece aquele episódio de seriado, que acaba no ponto alto da trama e aí temos que esperar uma semana até o próximo capítulo. Ainda bem que 2017/2018 está logo aí. Enfim, eu poderia listar aqui uma dezena de profecias, ou previsões, que preveem o fim do mundo para logo, mas... Acho que o nosso interesse por profecias se baseia no horror de partir desse mundo, mas ele continuar. Não pode, como a história tem a ousadia de continuar sem a gente? E pensando nisso, tem uma profecia para o fim que é certeira, tiro e queda, na mosca, não tem jeito de dar errado, a expectativa de vida.

Desviando: Lendo uma reportagem do Woody Allen, ele menciona ter tomado consciência da morte aos quatro, ou cinco anos de idade. Nas palavras dele, igual a todo mundo. No entanto, eu tive uma experiência diferente. Provavelmente, eu tenha entendido o conceito na mesma época, com quatro ou cinco anos de idade, mas a consciência chegou para mim apenas aos 33 anos (que idade mais cabalística). Não vou explicar como foi (pelo menos não hoje), pois eu nunca pensei exatamente sobre isso. Sei que foi uma cadeia de eventos que culminou no abrir de olhos, muito parecido com aquele tipo de sono pesado, com um sonho que parece muito real, mas que em determinado momento se acorda, se perguntando se é meio de semana, ou se é final de semana, se deve-se levantar para o trabalho, ou se podemos dormir mais um pouco, se é noite, ou se é dia, se estamos em casa, ou em outro lugar. Como no acordar do sono pesado, do sonho quase real, tomei um baita susto, mas foi libertador. Acho...

Voltando: Segundo o IBGE (dados de 2014) a expectativade vida no Brasil é de 74,9 anos de vida. Faça as contas. OK, um pouco mais, um pouco menos, mas será nessa faixa. O que pensaremos sobre nós e nossa vida naquele dia, naquela hora, naquele minuto, naquele segundo? Eu não acredito que seja possível adquirir a consciência do próprio fim e continuar fazendo tudo como se fazia antes. O conceito da morte nos permite continuar igual, mas a consciência não. Dá para continuar vendo ou pensando o mundo do mesmo jeito? Dá para continuar vivendo e fazendo as coisas do mesmo jeito? Raiva? Mágoa? Medo? Ambição? Egoísmo? Expectativa? Lucro? Cargo? Posição ou reconhecimento social? Bem material? Distância?

"É melhor ir a uma casa onde há luto do que ir a uma casa onde há festa, pois onde há luto lembramos que um dia também vamos morrer. E os vivos nunca devem se esquecer disso."
Eclesiastes 7.2

No programa "Café Filosófico" da TV Cultura com o tema "Ética no cotidiano, com Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho", gravado em 29 de Maio de 2014, o filósofo Mario Sergio Cortella fala que muitas pessoas olham as aves no céu e dizem que gostariam poder voar livres como os pássaros. Ele fala que esse conceito de liberdade é distorcido, pois os pássaros não voam porque escolheram voar, mas voam por ser a única coisa que eles sabem e podem fazer. Ele dá um exemplo, menciona que um pássaro não pode olhar para o ótimo clima ao sair do trabalho e decidir ir caminhando para casa, para aproveitar o momento. Então, ele conclui que nós somos livres, pois pensamos e podemos fazer escolhas. Sinceramente? Não sei se pensar e escolher é muito diferente de voar? Talvez seja a única coisa que sabemos e podemos fazer, assim como os pássaros com relação ao voo. Pior ainda, escolhemos mesmo? Podemos fazer umas listas das nossas escolhas e ter certeza que foram nossas? Quer tentar fazer a lista?

Já que citamos a palavra ética, mas não fugindo do assunto, o pastor evangélico Ed René Kivits, na sua pregação do dia 03 de Agosto de 2015 (muito boa pregação por sinal, segue o link) menciona que alguém já disse que ética é a capacidade de escolher entre o errado e o errado, que entre o certo e o errado nós não precisamos ter ética, mas precisamos ter coragem. Estendendo o conceito, coragem pode ser a linha que está entre o que nós escolhemos de fato e o que foi escolhido para nós. Talvez naquele dia, com 33 anos de idade, não tenha sido bem um susto, quem sabe não foi uma pequena injeção de coragem, provocada pela consciência de que não se tem nada a perder, mas que tudo já está perdido.

Desviando: Vem a minha mente agora um jogo eletrônico com o qual costumava me divertir quando ainda era adolescente (meados da década de 90). O nome do jogo era "Prince of Persia" e em determinado momento nossa personagem precisava enfrentar a própria imagem gerada em um espelho. Gastei horas, dias, quase uma semana inteira, tentando acertar a cópia, tentando vencê-la. Gastei toda a minha criatividade para encontrar onde, ou como, poderia acertá-la com a espada de forma a derrotá-la. Sempre que conseguia acertá-la, minha personagem era ferida no mesmo ponto e no mesmo instante. Não conseguia entender, até que em determinado momento tudo ficou claro. A minha luta era o que me derrubava. Tudo o que eu fazia para tentar vencer o inimigo era exatamente o que me derrotava, afinal de contas, era uma cópia da personagem que eu controlava.

Voltando: Minha opinião é que todo nosso esforço se concentra em obter conforto, que poderia ser alcançado se não nos esforçássemos por esse motivo e, somente nesse caso, descobriríamos o que nos conforta de verdade (já falei algo sobre isso aqui) . Minha impressão é que sabemos disso, mas o que nos falta é a coragem para fazer diferente. Minha aposta é que inevitavelmente nos arrependeremos disso, mas nesse dia estaremos nos tornando estatísticas para os cálculos da expectativa de vida.

"Oráculo: Tudo que tem um começo tem um fim."
Matrix Revolutions (2003)

O fim do mundo é individual, é solitário, é claustrofóbico, é frio, é pálido, é triste. Eventualmente há uma flor aqui ou ali, no máximo, tentando nos convencer que o mundo acabou um pouco para todo mundo também, ou pelo menos um pouco para quem mandou as flores.

PS: Acho que o clima ficou um pouco pesado, então apenas para não acabar desse jeito, segue uma citação final de esperança.

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna."
João 3:16