"Uma criança, cega de nascença, só sabe de sua cegueira se alguém lhe conta."
Stephen King
A Coréia do Norte é um país do leste
asiático, uni partidário, sob uma frente liderada pelo "Partido dos Trabalhadores
da Coreia" e com uma população estimada em torno de 24 milhões de pessoas
(informação de 2009). Oficialmente, a Coréia do Norte é uma república
socialista, considerada pelo mundo como uma ditadura totalitarista stalinista desde 1955, a partir
do governo de Kim II-sung, praticamente isolada do resto do mundo, devido a um
embargo econômico em função de sua insistência em realizar testes com armas nucleares.
Alguns analistas descrevem o governo da Coréia do Norte como uma "ditadura hereditária", com um forte culto de personalidade organizado em torno
de Kim II-sung, seu filho Kim Jong-il (ambos falecidos) e agora seu neto Kim
Jong-un. Por exemplo, Kim II-sung é considerado presidente eterno mesmo depois
de morto. A perpetuação desse culto a personalidade só é possível através de um
controle sobre vários aspectos da cultura do país e da expressão política. Os
partidários que se desviam da linha do governo ficam sujeitos a "reeducação" em
campos de trabalho. Os que se reabilitam voltam a sociedade, os que não se
reabilitam... (não consegui informação sobre eles).
A mídia da Coréia do Norte é uma das mais controladas no mundo, se não a
mais controlada, com todas as informações internas e externas passando pelo crivo
da censura. Apenas informações e publicações que favoreçam o regime e que
cultuem os líderes são permitidas, incluindo relatos constantes das "sublimes" atividades
diárias de Kim Jong-un. Por exemplo, o acesso a internet na Coréia do Norte é inteiramente proibido. Não diferente, a
literatura e as artes são também todas controladas pelo governo. Por exemplo, a
maioria das músicas produzidas cultuam o "grande" líder.
Para termos alguma noção do que estamos falando, circulou um vídeo na
internet sugerindo que a Coreia do Norte foi campeã da Copa do Mundo de 2014 no
Brasil, com goleadas de 4 a 0 sobre os Estados Unidos e 7 a 0 sobre o Japão,
sendo que a final seria disputada contra Portugal de Cristiano Ronaldo. O vídeo
incluiu imagens dos jogos que nunca existiram, inclusive a imagem de Kim
Jong-un em um telão montado em uma praia brasileira, sob aplausos de torcedores
das mais variadas nacionalidades (link para a matéria). A coisa é tão surreal que eu desconfiei. Procurei muito na internet,
mas tenho que confessar que não consegui concluir se o vídeo é falso ou se é
mesmo uma estratégia de controle do governo norte-coreano. Encontrei
informações afirmando as duas coisas.
Por que o governo norte-coreano faz tudo isso? Simples, para controlar
as pessoas viabilizando o regime totalitário do governo. Nesse caso, como as
pessoas poderiam escapar? Se quiséssemos "acordá-los", o que diríamos para eles?
O que pensariam de nós se passássemos a falar coisas que não fazem parte da
única realidade que eles conhecem? Se imagine vivendo naquele país, como você
saberia que está sendo controlado? Como você conseguiria perceber que as
informações que chegam até você são manipuladas? São as únicas que chegam. Como
saber que o todo é somente parte e ainda uma parte bem questionável?
Desviando: Marcelo Gleiser em seu livro "A Dança
do Universo" diz o seguinte: "Se nosso cérebro, e, portanto, o modo como
pensamos, é produto do ambiente em que ele funciona, será que podemos construir
uma visão 'pura' do mundo? Em outras palavras, será que podemos transcender a
limitação de sermos 'criaturas do mundo', de modo a construir uma visão realmente
completa, sobre-humana, da realidade? Ou será que estamos aprisionados dentro
de nossos próprios mecanismos racionais? Parece que temos de aceitar o fato de
que nossa percepção da realidade é realmente limitada."
Voltando: O nosso mundo é diferente do mundo norte-coreano? Quem decide
o que vai ser noticiado? Quem decide o que vai ser publicado? Quem decide que
tipo de filme será produzido? De onde vem os assuntos discutidos nas rodas
entre amigos? Quem colocou na nossa cabeça o padrão de vida a ser buscado? Por
que estudamos? Por que trabalhamos? Por que nos casamos? Por que queremos ter
filhos? Por que queremos comprar uma casa? Por que queremos ter sucesso profissional?
De onde vieram todos esses padrões? Como podemos garantir que todas as
informações que são bombardeadas sobre nós, dia a dia, é o todo? Ou
por que vivemos como se fosse o todo?
"A
vida que me ensinaram como uma vida normal / Tinha
trabalho, dinheiro, família, filhos e tal / Era
tudo tão perfeito se tudo fosse só isso"
Kid Abelha
Desviando: Lembrei-me
daquela questão sobre o tráfico ilegal de drogas, ou sobre produtos piratas etc.
Quem é o culpado por todas as vidas que se perdem e que morrem para
viabilizarem os mercados ilegais? O criminoso que disponibiliza o produto
ilegal, ou o consumidor que viabiliza o mercado?
Existe um filme que se chama "Precisamos falar sobre Kevin" de 2011. É uma
história fictícia, sobre um garoto que invade sua escola e mata todos os
colegas com arco e flechas. O filme retrata toda a vida do garoto
dentro e fora de casa, todos os seus relacionamentos, tudo o que ocorreu até chegar
aquele fatídico ponto e tudo o que ocorre a partir daquele dia. O filme parece
um ensaio, tentando entender como e por que esse tipo de coisa pode ocorrer. O
viés do filme é psicológico, retrata justamente o interesse que as pessoas tem
pelo horror, pelo que é degradante. Para minha "vergonha", em determinado momento
do filme, o protagonista se dirige ao telespectador e pergunta se estaríamos
interessados no filme se ele, o protagonista, fosse uma pessoa modelo (não com
essas palavras). Já vimos algo parecido? Soa familiar? Alguma semelhança com a
grande audiência de programas jornalísticos ou reportagens sensacionalistas, ou com
recordes de bilheteria para filmes cheios de intrigas, traição, ódio, vingança,
destruição e morte?
Voltando: Apesar de estar
parecendo, eu não estou querendo falar de teorias da conspiração, ou de
qualquer plano megalomaníaco
para
conquistar o mundo, tampouco estou tentando falar que devemos sair as ruas com
cartazes e faixas, ou mesmo pegar em armas para promover a queda de algum sistema. Eu estou querendo falar das mensagens subliminares, das coisas "pequenas", das coisas sutis, que justamente por serem assim entram na nossa
mente sem percebermos. Coisas nas quais nos tornarmos, das quais não
conseguimos escapar, porque são as únicas realidades que conhecemos. Coisas que
são o padrão que nos ensinam, que nos sugerem. As ideias que temos sem saber de
onde vem e por isso acreditamos que são o todo.
Por que é tão natural e compreensível que uma pessoa magoada nunca mais
olhe no rosto de quem a magoou? Por que é tão natural "engolir" grosserias só
porque estamos em uma posição hierárquica desfavorecida? Por que é natural ser
grosseiro quando a hierarquia nos favorece? Por que é tão natural o mercado ser
selvagem e termos que ser feras para termos sucesso? Por que é tão natural
acreditar que está tudo bem contanto que tudo esteja além do portão de casa?
Por que é tão natural que tenhamos que viver longe das pessoas que amamos, ou
gastar todo o tempo que temos, para podermos construir vidas que valham a pena?
Vai valer a pena? Por que é natural que consigamos nos emocionar com pessoas
que passam por dificuldades financeiras enquanto temos algum dinheiro no banco
que não nos faria muita falta? Por que é tão natural querer que quem nos faz o
mal sofra algum tipo de justiça enquanto nos esquecemos que merecemos pagar
nossas dividas? Quem construiu todos esses padrões e outros? Quem os colocou na
nossa cabeça? Como poderíamos escapar? Como podemos reconhecê-los?
Eu poderia não ter escrito todas essas coisas, mas poderia ter escrito
um texto apenas usando palavras cafonas (é irônico como a palavra cafona parece
tão cafona). Eu poderia ter escrito um texto cheio de clichês falando que
dinheiro não é tudo, que o conforto nos doma, que o importante são os
relacionamentos que construímos com as pessoas. Eu poderia falar para não exigirmos de
volta quando alguém leva o que nos pertence, falar sobre caminhar dois
quilômetros com quem nos obriga a caminhar um, sobre oferecer o lado esquerdo
do rosto a quem nos acertar o lado direito, sobre cuidar do outro como gostaríamos
de ser cuidados. Eu poderia ter escrito um texto cheio de palavras que você
acha que está cansado de ouvir, contando sobre um exemplo que viveu uma vida "fora da caixa" e que é uma boa referência para podermos reconhecer os padrões que
vivemos. Mas eu percebi (me incluo nisso) que nós não tentamos mais entender o
que as palavras querem explicar, apenas assumimos os significados que vem a
nossa mente quando as ouvimos, mesmo sem saber bem de onde esses significados
vem.
O que é ser alienado? Qual é o antônimo de alienado? É engraçado como o antônimo explica melhor o que é ser alienado do que
a própria palavra. Veja nos links se não é isso mesmo. Esqueçamos o que as
palavras significam, ou o que achamos que elas significam. Passemos a pensar e a
olhar para as coisas como elas são, pois é isso o que as palavras estão
tentando explicar. As palavras por si só não são os conceitos, elas não passam
de sons e rabiscos. Se nós começarmos a praticar isso, talvez nos surpreendamos um dia, ao descobrir que a Coréia do Norte não foi campeã da Copa do Mundo de
2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário