segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Supra Realidade

"Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia." 

3ª Lei de Clarke

Leandro Karnal, em uma de suas palestras no programa "Café Filosófico" da TV Cultura, citou Bauman, segundo quem o Pós-Modernismo significa a falência das metanarrativas – aquelas que dão sentido a todas as coisas que se possa entender. Karnal disse: "Surge o indivíduo que rejeita a Bíblia, a Ilíada, a Odisseia, Shakespeare e diz: 'nada disso vale, eu penso diferente.' Essa é a característica da pós-modernidade. A opinião passa a ser constituidora de sentido." Já em "Pós-Modernismo, razão e religião", de 1992, Gellner disse: "O Pós-Modernismo parece ser claramente favorável ao relativismo, tanto quanto ele é capaz de claridade alguma, e hostil à ideia de uma verdade única, exclusiva, objetiva, externa ou transcendente."

Entretanto, algo me sugeriu que esta tendência – de constituir significado baseado em opinião – seja mais démodé do que poderíamos imaginar e, eventualmente, mais do que gostaríamos que fosse. Há uma chance, bastante plausível, de que a geração atual esteja apenas assumindo seu lugar à fila das discussões. Assim, certo aspecto humano, o de nos acharmos sempre especialmente originais, poderia estar fazendo com que tenhamos o falso pressentimento de que agora sim, algo que nunca fizemos antes estaria sendo feito.

Percebi o equívoco de nossa autointitulada "particularidade moderna" em um texto de Plantão (399 a.C.), em "A Defesa de Sócrates". Veja se não lhe soa como uma crítica ao Pós-Modernismo: "Por fim, fui ter com os artífices; tinha consciência de não saber, a bem dizer, nada, e certeza de neles descobrir muitos belos conhecimentos. Nisso não me enganava; eles tinham conhecimentos que me faltavam; eram, assim, mais sábios que eu. Contudo, atenienses, achei que os bons artesãos têm o mesmo defeito dos poetas; por praticar bem a sua arte, cada qual imagina ser sapientíssimo nos demais assuntos, os mais difíceis, e esse engano encobria-lhes aquela sabedoria. De sorte que perguntei a mim mesmo, em nome do oráculo, se preferia ser como sou, sem a sabedoria deles nem sua ignorância, ou possuir, como eles, uma e outra; e respondi, a mim mesmo e ao oráculo, que me convinha mais ser como sou."

Parece-me, então, que a única coisa que nossa geração realmente inseriu no mundo foi a tecnologia, ou seja, os novos meios de expressar opiniões e seus alcances. Já a vontade de dar "pitacos", ela aparenta agora ser tão velha quanto a própria humanidade.

Desviando: Outra ideia que percebi como "pseudo recente" é um tipo de arrependimento coletivo, proclamado por uma geração "inteira", contra atos de gerações passadas. Inclusive, sugerindo algum tipo de restituição moderna aos injustiçados de outrora – por falta destes, àqueles que julgamos serem seus representantes legítimos. E por que ilusoriamente recente? Pois bem, leia o que C. S. Lewis escreveu em seu texto "Os perigos do arrependimento nacional", ora publicado no livro "Deus no banco dos réus", por volta de 1930: "O arrependimento pressupõe condenação. O primeiro encanto fatal do arrependimento nacional é, portanto, o incentivo que nos dá para nos afastarmos da amarga tarefa de arrepender-nos de nossos próprios pecados e, em vez disso, voltarmos ao dever mais agradável de lamentar – mas primeiro, de criticar – a conduta dos outros."

Voltando: Então, por ter percebido a decrepitude do que há de mais moderno na nossa geração, chamo a atenção para o fato de que, negligenciar nossa antiguidade tem feito buscarmos soluções para a própria humanidade sempre da mesma maneira, reiteradamente. Aprender com os erros do passado é um mito.

Pense na política, ela nunca esteve tão em "moda", no sentido da ânsia de se ter e expressar opiniões a seu respeito. Porém, ela é tão arcaica quanto é antiga a sapiência dos atuais "artesãos de Sócrates" a respeito dela.

"O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol." (Salomão)

A política é para mim um placebo ao qual estivemos – e estaremos – presos por toda a vida... Um placebo em todos os seus aspectos. Ela tem sua função, seu benefício e até mesmo sua importância, isso não se pode negar. Porém, ela não é a cura. Nunca foi. Nunca será. Tampouco encontraremos a solução por meio dela. Ela é somente o que conseguimos fazer de "menos pior". Que tal, então, abdicarmos da ferocidade? Olhe para o passado e veja como tudo terminou, ou melhor, recomeçou.

Assim, inevitavelmente, é produzido em mim a espera por uma solução "sobrenatural", um salto ontológico, cujas recorrentes e tediosas tentativas humanas – entre elas, a política – mostram que não somos capazes de dar por nós mesmos. Pense... O que de fato mudou nas relações humanas entre o Homem das Cavernas e o Homem das Redes Sociais?

Longe de um individualismo pós-modernista ilusoriamente superestimado, minha espera – ativa – se apoia nos ombros de uma tradição milenar, ora testada, esmiuçada, esmigalhada e provada filosófica e intelectualmente – uma das tais metanarrativas –, que, justamente por tanta lapidação, ainda resiste às opiniões. Uma promessa aguardando para ser, finalmente e de uma vez por todas, colocada em prática. E ela diz que não seremos nós quem a implantaremos. No máximo, somos capazes somente de prenunciá-la através de nossos atos, tão grandes quanto menores eles forem – sim, são nossos valores que criam o paradoxo (já falei sobre isso aqui).

Magia? Algo me diz que seja algo mais tecnológico do que somos capazes de conceber. Pensando bem, não sobrenatural, mas uma "supra realidade", que faz o aqui e o agora parecerem um sonho, um devaneio fugaz.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O Peteleco

"Resultados são resultados. Você não pode simplesmente jogá-los fora porque não atendem suas expectativas." 

The Science Asylum

Momento linear (ou quantidade de movimento) é uma das duas grandezas físicas que prevê a correta relação entre corpos, ou sistemas. A outra grandeza é a energia. Os entes, quando se inter-relacionam, trocam energia e momentum sempre obedecendo à lei de conservação (a somatória de todas as quantidades de movimento, ou de todas as energias, antes e depois do instante de interação são exatamente iguais). O momento linear é uma grandeza vetorial: importa a magnitude, a direção e o sentido. Já a energia, é uma grandeza escalar: importa apenas a magnitude.

Com relação a quantidade de movimento, vamos imaginar, por exemplo, que três bolas de bilhar (Q1, Q2 e Q3, de mesma massa) estejam se movendo conforme a figura abaixo. As setas (vetores) representam graficamente o momento linear de cada uma, em sua magnitude (tamanho da seta), em sua direção (vertical/horizontal) e em seu sentido (cima/baixo/esquerda/direita). Se "somarmos" matematicamente os vetores, obteremos o momentum total do sistema igual a QR.

Assim, a lei da conservação nos diz que, se em determinado instante, essas bolas de bilhar se atingirem, perceberemos que suas trajetórias terão mudado, e suas velocidades também. Porém, se depois do impacto "somarmos" as novas "setas" que terão sido geradas, o resultado ainda será exatamente o mesmo QR.

Bingo! Acabamos de descobrir o princípio no qual se baseiam os jogos de bilhar: brincar com a quantidade de movimento das bolas.

A física nos fornece uma previsão precisa de tudo o que acontece entre corpos e sistemas. Ou seja, sabendo como estão hoje (velocidade, direção e sentido), saberemos como estarão amanhã. Mas há um detalhe que pode ter passado desapercebido, a física oferece resultados "somente". O que quero dizer? No texto "As Leis da Natureza", no livro "Deus no Banco dos Réus", C. S. Lewis disse: "Em toda a história do Universo, as leis da Natureza nunca produziram acontecimento algum." Explico...

Em uma mesa de bilhar, a ciência oferece previsões para o movimento das bolas e suas inter-relações. Ela parte de um estado inicial do conjunto para realizar seu prognóstico, mas nunca trata de motivações, ou intenções. Por exemplo, para uma primeira bola se movendo, a física não se propõe a fazer nenhuma análise do porquê aquela bola teria sido colocada em movimento. E isso não é uma crítica, reitero que a física não se propõe a fazer nenhuma análise sobre "vontade".

Alguém poderia dizer que não é necessário um humano, e seus desejos, para colocar bolas de bilhar em movimento. Poder-se-ia dar o exemplo de uma mesa de bilhar em um navio em alto-mar, cujas bolas se movem devido ao chacoalhar da embarcação. Porém, a armadilha é justamente essa, uma vez que essa linha de raciocínio resultará inevitavelmente em uma singularidade, aquela prevista, mas não mencionada, por C. S. Lewis em sua frase parágrafos acima.

Nós poderíamos retroceder nas relações de causa e efeito, ponto a ponto, minuciosamente, que colocaram uma bola de bilhar em movimento involuntário sobre uma mesa, em um navio em alto-mar: o próprio navio naquele local; as correntes marítimas; o vento; a gravidade da lua e sua posição; a temperatura das águas no oceano; o movimento da Terra; os raios solares e o próprio Sol; a formação do sistema solar e das galáxias; etc. Percorrer esse caminho infinitesimalmente para trás duraria aproximadamente 14 bilhões de anos, chegando ao "ponto zero" do Big-Bang. E é aqui que reside o problema, nós não somos bons em equacionar a vontade, a intenção, a voluntariedade. A nossa fraqueza é o "peteleco inicial".

Desviando: O que a Relatividade Restrita pode nos dizer sobre a existência do tempo e do espaço? Imagine que o gráfico abaixo representa o "tecido" do espaço-tempo. O eixo X (horizontal) representa a parcela relativa ao espaço, e o eixo Y (vertical) representa a parcela relativa ao tempo.

A teoria diz que as setas existentes no gráfico têm tamanho constante, ou seja, que o "movimento" pelo espaço-tempo é constante e igual à velocidade da luz sempre.

Perceba que quando as setas estão em alguma posição diagonal entre os eixos, do tempo e do espaço, significaria dizer que nós temos parte do "movimento" total no espaço (a sombra da seta no eixo horizontal) e parte do "movimento" total no tempo (a sombra da seta no eixo vertical).

Agora, imagine que nosso "movimento" (nossa seta) esteja totalmente sobre o eixo do espaço, ou seja, que estejamos nos movendo pelo espaço à velocidade da luz (não há sombra de nossa seta no eixo do tempo). Isso significa dizer que nosso tempo está parado com relação ao tempo de quem está "de fora". Nessa condição, nós veríamos tudo acontecer ao nosso redor em um piscar de olhos. Seria como se toda a existência do Universo, de seu início ao seu fim, fosse em um único instante. Aliás, do ponto de vista de um fóton, que se move no espaço à velocidade da luz, de uma estrela qualquer até nossos olhos, sua viagem de 14 bilhões de anos acontece instantaneamente. Mais precisamente, zero diferença de tempo entre um ponto e outro, para ele.

Finalmente, imagine que nosso "movimento" (nossa seta) esteja totalmente sobre o eixo do tempo, ou seja, que estejamos nos "movendo" pelo tempo à velocidade da luz. Isso significa dizer que não haveria nada ao nosso redor (não há sombra de nossa seta no eixo do espaço). Nem mesmo perceberíamos um espaço, estaríamos resumidos apenas ao tempo.

Uma consequência da Relatividade Restrita é o fato de que toda e qualquer percepção depende da referência. Por causa de seus resultados, não seria ilógico dizer que o Universo é eternamente nada, ou que ele foi criado já cheio de tudo.

Voltando: Nós somos uma faísca que escapa do riscar de um fósforo. Somos uma pequena língua de fogo que foge para o ar e logo se apaga, quando alguém sopra a chama de uma vela. Somos a centelha de um motor à combustão dando partida. Somos o apertar de um botão de iniciar, que logo volta à sua posição original. Nós somos o sinal elétrico de um neurônio cerebral. Somos uma gota de lágrima que se espalha com um piscar de olhos. Uma bolha de sabão soprada através do brinquedo de uma criança, e que não resiste ao sol. Nós somos o pronunciar de uma única palavra. Somos um instante de uma imaginação, de uma ideia, de um vislumbre, de uma vontade primordial, que talvez nem se quer tenha se concretizado. (também já falei aqui sobre o Logos)

Nós não somos nada e somos tudo. Como já foi dito aqui, quando não há nada além da fronteira, o tudo tem o tamanho que desejarmos. Mesmo pequeno, ele pode parecer infinitamente grande. Mesmo infinitamente grande, ele pode ser quase nada. A nossa existência nunca esteve relacionada a tamanhos e quantidades, mas sempre e tão somente a uma vontade.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Hora da Refeição

"Todos os homens são fraudes. A única diferença é que alguns admitem isso. Eu mesmo nego." 

H. L. Mencken

Começo esse texto com duas definições do dicionário português.

Livre-arbítrio: substantivo masculino – possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante.

Racionalidade: substantivo feminino – propensão para encarar fatos e ideias de um ponto de vista puramente racional. "A estrita racionalidade de alguns não lhes permite tirar proveito das virtualidades do aleatório."

Certa vez, Cortella disse que um pássaro não voa por ser livre, mas voa porque é a única coisa que "sabe" – ou pode – fazer. Analogamente, meu cachorro de estimação não toma a decisão de se alimentar racionalmente, mas apenas responde à uma sensação de fome e prazer no paladar. Pois bem, se aplicássemos essas duas observações aos seres humanos, poderíamos continuar dizendo que estamos no controle de nós mesmos?

Fato, somos cientes de nossa capacidade de raciocínio lógico e, consequentemente, de todos os nossos avanços intelectuais, nas mais diversas áreas. Porém, isso não seria somente o que "sabemos" – ou podemos – fazer? Alguém debruçado sobre teorias para a cura de uma doença, sobre pesquisas para um novo tipo de combustível, ou descobrindo uma nova tecnologia etc. está mesmo se empenhando racionalmente ou, como meu cão, é apenas impelido por algum tipo de ânsia primitiva? Você sabe o que lhe motiva fazer o que faz, diariamente, com tanto prazer ou, pior, sem prazer nenhum? Tem certeza da sua resposta, ou é apenas mais fácil acreditar nela? Se avançarmos além de uma análise superficial – frequentemente involuntária –, seria tão paradoxal assim comparar uma decisão racional a um impulso, a um instinto? A racionalidade poderia ser apenas um nome para a constatação de uma atitude, resultado de uma motivação mecânica, essa sim desapercebida?

Desviando: Reitero abaixo uma citação, um diálogo do filme Robocop de 2014, que já havia mencionado aqui.

"Liz Kline: Ele não está tomando decisões?

Dr. Norton: Sim e não. Na vida cotidiana, homens como o Alex tomam decisões. Mas quando ele está em batalha, o visor desce e o software entra no controle, a máquina faz tudo. O Alex é só um passageiro que está de carona.

Liz Kline: Se a máquina está no controle, então quem puxa o gatilho?

Dr. Norton: Quando a máquina luta, o sistema manda um sinal para o cérebro, assim ele pensa que está fazendo o que o computador faz. Alex acredita que ele está no controle. Mas não está, é só uma ilusão de livre arbítrio.

Liz Kline: Droga. Você criou uma máquina que acha que é um humano? Mas isso é ilegal.

Sellars: Não, não. É uma máquina que acha que é Alex Murphy. E a meu ver, isso é legal."

Voltando: O que estou tentando colocar em questão? Nossa decisão pela hora do almoço, nosso prato preferido, nosso caminho até ao trabalho, nossa própria profissão, nossos amigos, nosso candidato favorito, nosso filme predileto, todas as escolhas que "fazemos" poderiam ser somente espontaneidades mecânicas autoconscientes? O fato de estarmos cientes de nossas "decisões" faz delas, realmente, atitudes racionais? Nós somos livres, ou cativos de nós mesmos?

Se o cachorro do meu exemplo, em parágrafos anteriores, adquirisse consciência da fome, as atitudes de sempre dele passariam agora a ser motivações racionais? Já me perguntei aqui, por exemplo, o leão se tornaria vegetariano se percebesse que existe? Seria possível que nós confundimos racionalidade com lógica e que, talvez, a primeira nem exista? Aliás, será que a razão não seria somente um instinto que descobriu que existe e, pior, que passou a acreditar que é alguém?

Sou eu mesmo quem escolhe? Sou eu quem domina a minha mente, ou é ela quem me domina? Pense em si mesmo... Você já desejou fazer algo, mas por qualquer bloqueio que não consegue explicar – que por vezes é mais forte –, não conseguiu? Já tentou deixar de fazer algo, mas sem sucesso também? Não pretendo me apegar a questões moralmente grandiosas, mas refiro-me a coisas cotidianas. Um comportamento previsível, uma expressão pela qual todos lhe identificam, algo que lhe desagrade, ou até agrade, e que, apesar de sua consciência sobre a questão, exige-lhe muito esforço para evitar ou repetir. Novamente, em uma situação de muita raiva, você é o desejo de "explodir", mas sua mente lhe controla? Ou você é o controle exercido sobre suas emoções?

Você está mesmo no controle, ou somente pensa que está? Você é aquilo que sabe sobre si mesmo, ou aquilo que não sabe? Você dá as ordens, ou apenas as percebe? Quem decide a hora da refeição?


domingo, 30 de outubro de 2022

O que o Absurdo e a Verdade têm em Comum?

 "A censura que se pratica sobre as obras alheias não determina necessariamente a produção de obras melhores."

Bernard Fontenelle

Primeiro, discutiu-se a possibilidade de impedir dizer que a Terra é plana. Porém, eu não me importei com isso, já que, com observações cotidianas e um pouco de estudo, eu havia, há muito, constatado que ela é esférica. Além disso, nunca achei que o absurdo do "terraplanismo" tivesse algum valor em si. E de fato ele não tem, o que faz o enobrecimento artificial do tema provocar certa irritação. Por isso, quase cheguei a concordar com o cerceamento. Entretanto, há valor na forma como se divulga, de maneira que, naquele momento, eu ainda não percebia que era ela, a liberdade, que corria o risco de ser fragilizada.

Depois, proibiram que os nomes de alguns medicamentos fossem pronunciados através de veículos de comunicação, independentemente do que se quisesse dizer sobre eles. Outra vez, não me importei, pois não precisei daqueles remédios. E, talvez justamente por não necessitar deles, não me incomodou ser privado de ouvir os absurdos tanto a favor quanto contra eles.

Em seguida, soube que pelo menos um apresentador foi impedido de continuar no seu próprio programa na internet – destaca-se, extrajudicialmente. Mais uma vez, não me importei, pois, sinceramente, nunca acompanhei com zelo o conteúdo daquele canal, tampouco achava que precisava dele. Sim, não precisava, mas ainda não sabia que sempre estive ligado a ele por algo que é intrínseco às ideias, aos argumentos e às palavras, nessa mesma ordem – a tal da expressão. No mais, naquela ocasião, lembro-me de estar concentrado em outros absurdos, os que eu mesmo escrevia.

Mais um tempo e impediram – agora sim, judicialmente – que emissoras de rádio e canais de comunicação discutissem alguns fatos absurdos, fosse para defesa ou para crítica, sobre certos candidatos a certa eleição. Aliás, alguns conteúdos foram bloqueados mesmo antes de se saber o que continham. Eu poderia dizer novamente que não me importei, mas ei de confessar que, desta vez, me pareceu estranho. De qualquer forma, não foi desconfortável o suficiente a ponto de gerar alguma atitude em mim, já que não integro a principal audiência daqueles canais e emissoras.

Dias atrás, um texto deste meu blog foi retirado do ar – verdade. Quando li a mensagem do informativo, recebida por correio eletrônico, discorrendo o motivo, meu coração acelerou, não pela insignificância da causa, mas sim pelo bloqueio em si. A sensação de ser calado é muito estranha, pelo menos depois que somos adultos. Então, tentei fazer uma lista de nomes e contatos a quem pudesse recorrer. Percebi que alguns deles eram os mesmos citados nos parágrafos anteriores, então, por que se importariam comigo, se não me importei com eles?

Desviando: Já concluí comigo mesmo e há algum tempo que, quando você tem que explicar sobre o que falou: (1) não foi bem dito na primeira vez; (2) a não compreensão do interlocutor é de sua responsabilidade, mas não dele. Você também não tem se sentido exausto com pessoas que, na obrigação de explicarem o que disseram, o fazem responsabilizando o ouvinte? Acho que estou ficando ranzinza.

Voltando: Felizmente, enquanto eu tentava elaborar a explicação para o que quer que eu tivesse escrito, meu texto voltou ao ar – também verdade. Parece ter ocorrido algum engano, alguém clicou sobre algum botão errado – espero. Assim, tudo retornou à sua normalidade para mim, entre rotineiros sons de gritos mudos e indiferenças.

Cheguei à seguinte conclusão, a batalha travada sobre os campos da liberdade de expressão é o único conflito cujo fim não se deseja, e que todos vencem quanto maior for a troca de munição entre os oponentes. É justo que haja consequências legais – éticas, acima de tudo – para os crimes de guerra, mas não se pode vetar o direito ao combate, por qualquer que seja o meio.

Alguém poderia perguntar, "mas como saber o que é honesto ou desonesto em um embate entre ideias?" Eu só saberia responder, "não podemos punir a liberdade por nossa incompetência em definir o limite entre o bom e o mau". É um ato humilde – de reconhecimento de nossas limitações – colocarmos a liberdade acima de tudo.

Desviando: A inspiração para as minhas palavras foi o poema "É Preciso Agir" de Bertolt Brecht.

"Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo."

Agradecimento: Ao RNS, que me sugeriu a leitura do poema.