"Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele."
Adriana Falcão
Aladim é uma personagem
fictícia de um conto chamado "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa", parte da coletânea
árabe "As mil e uma noites" A aventura consiste na busca por tesouros preciosos, ocasião em que
a personagem principal, resistente a responsabilidades e preocupado apenas em
se divertir, encontra acidentalmente uma lamparina. Ao esfregar a lâmpada, um gênio
é liberado, ser fantástico e poderoso capaz de conceder desejos. Talvez você já
tenha ouvido falar dessa história, há uma versão ocidental muito
conhecida no formato de animação.
O caso curioso é que o
conceito original de gênio
(ou Jinn) da mitologia
árabe remete a seres que estão entre anjos e humanos, mas não são nenhum dos
dois. Eles teriam sido criados antes dos humanos e não teriam aceitado se
curvar diante da nova criatura. Como punição pela rebeldia, eles teriam sido
lançados à Terra, onde passaram a interferir no destino das pessoas de forma
asquerosa e perversa, por pura retaliação. Os gênios seriam feitos de ar e fogo
e por isso poderiam assumir o formato de qualquer objeto inanimado, como
pedras, madeiras, garrafas, lamparinas etc. Ao longo da evolução do mito, ele
se tornou o equivalente ao Satanás
da tradição judaico-cristã.
Falando em tradição
judaico-cristã, sem perder de vista o atendimento a pedidos por um ser
fantástico e poderoso, lembrei que depois de me tornar uma pessoa religiosa,
uma questão passou a atormentar a lógica dos meus neurônios: eu sempre fiz
orações, mas eu nunca tinha a certeza de que elas estavam sendo atendidas. Sempre
pedia em favor de mim mesmo, pedia em favor de familiares, pedia em favor de
amigos. Eu tentava consultar a Deus sobre as decisões corretas, solicitava
ajuda frente as injustiças e doenças, fazia tudo que supostamente uma pessoa
religiosa faz. Até ocorreram alguns casos muito curiosos, qualquer dia desses
posso contar essas experiências, mas no cerne da questão permanecia aquele
sentimento de impotência, análogo aquela expectativa que fica ao tentarmos medir
a força certa e a posição correta para um lançamento de dardos, tentando
atingir o alvo. O que deveria ser dito? Como deveria ser feito? Que ritual
deveria ser seguido? O que me permitiria ser ouvido e ter o desejo atendido?
Por que parecia que eu falava sozinho?
Poxa, se Deus existe, se Ele
é bom, se Ele é onipotente
e se Ele me ouve, por que Ele não atende aos meus pedidos? Caramba! Será que
Deus não existe?
Desviando: Interessante,
acabei de me lembrar de uma anedota
curiosa. Os três patetas (originalmente não era com eles, mas fica
politicamente correto desse jeito) resolveram fazer alguns experimentos com uma
aranha. Eles colocaram-na sobre uma mesa e um deles disse, "aranha, ande". Então,
a aranha andou normalmente. Cruelmente, eles retiraram uma das oito pernas da
aranha e falaram novamente, "aranha, ande". Acredito que a aranha tentou correr,
mas vamos nos ater a história que diz que ela andou normalmente mais uma vez.
Pois bem, os três patetas fizeram isso com as oito patas da aranha (são uns
patetas mesmo) e a cada perna retirada eles repetiam o pedido, "aranha, ande". A
aranha conseguiu andar em todas as vezes, mas de fato com muita dificuldade
quando com apenas duas e uma perna. Após tirar a última perna da aranha, os
três patetas tiveram que repetir por três vezes, "aranha, ande", até garantirem
que ela não estava andando (não faça perguntas, são os três patetas). A
conclusão a que chegaram? Quando a aranha não tem mais nenhuma pata, ela fica
surda.
Voltando: De repente
(não me pergunte quando ou como, pois eu não sei), eu percebi que, na minha
mente, Deus não passava de um tipo diferente de trevo de quatro folhas, de um
chaveiro de pata de coelho, uma ferradura de cavalo, sementes de romã dentro da
carteira, pular sete ondas no Réveillon, o gênio da lâmpada. Eu tinha transformado
Deus em um amuleto da sorte.
Eu não estava preocupado com o que, ou quem era Deus. Eu era (e possivelmente
muito de mim ainda seja) simplesmente uma pessoa religiosa, uma pessoa
ritualística. Eu nunca havia parado para pensar o que, ou quem poderia ser
Deus. Que interesse Ele poderia ter em mim? Que tipo de relacionamento eu
poderia ter com Ele? Onde Ele ficaria? Como poderia reconhecê-Lo? Se avaliarmos
friamente (custa um pouco reconhecer isso), eu não estava interessado em Deus,
mas estava apenas interessado em atender as minhas vontades.
Depois desta auto avaliação,
as coisas pareceram ter mudado um pouco, foi como descobrir que não é que os
pedidos não eram atendidos, mas parece que os pedidos feitos não eram os
corretos. Foi como perceber que não é que Deus está lá e eu estou aqui, mas é que
Deus parece querer ser reconhecido em cada um de nós. Uma coisa é pedir para
que a fome seja extinguida do mundo, outra coisa é pedir para que sempre tenha
condições financeiras e um coração generoso para dividir o que tem com quem
precisa.
"Encontramos
espelhos de nós mesmos em todas as partes e não nos identificamos com nenhum
deles".
Leonardo Boff – Eu
Maior (2013)
Então, aconteceu algo
muito estranho (entre tantas coisas estranhas que pude identificar de antes e
depois). Imagine que sua vida foi se desenvolvendo ao longo de vários anos,
desde a infância até a fase adulta, decisão após decisão, escolha após escolha,
parecendo que tudo estava caminhando bem, que tudo estava dentro do plano. Em
determinado momento, você percebe que chegou em um ponto em que tudo ficou
muito difícil, ou pelo menos você acredita nisso. Você não está mais
conseguindo lidar com as situações. Você questiona se suas escolhas foram as
corretas, ou como não pôde perceber onde tudo iria parar.
Agora suponha que você
acredita em Deus e resolve fazer uma oração (entre tantas outras que, até
então, você julgava não terem sido atendidas). Desta vez você diz na conversa
com o Criador que nem mesmo você sabe o que seria bom para si próprio, que não
sabe mais o que pedir, afinal de contas, todas as suas decisões, que sempre
pareceram tão claras, resultaram em um momento bem duro, segundo o seu
julgamento. De qualquer forma você dá sua opinião sobre o que você acha que
poderia ser melhor agora, mas diz que confia Nele e que tem a certeza de que
Ele te conhece melhor do que você mesmo. No fim daquela mesma semana, você faz
uma ligação para falar sobre qualquer assunto aleatório com um amigo do outro
lado da linha, mas inesperadamente recebe uma proposta que pode mudar toda a
sua vida e exatamente da forma como você disse que achava ser o melhor nesse
momento. Você fica de "boca aberta" e resolve mergulhar de cabeça. Não é todo dia
que acontece uma coisa dessas.
Enfim, poucos dias
após a oração tudo mudou, você já está em uma vida completamente diferente.
Qual sua conclusão? Se você acreditar que Deus não passa de um gênio da
lâmpada, você vai concluir que Ele está lá apenas para atender aos seus
caprichos e a pergunta seria, quem é o deus dessa história? Mas se você
considerar que é Deus quem tem um plano, então você vai perceber que a melhor
forma de convencer uma pessoa a tomar a decisão correta é fazê-la acreditar que
ela desejou por aquilo, leve quanto tempo levar. (Já falei aqui
sobre a dificuldade em reconhecermos o que somos nós e o que não vem de nós).
Eu tenho algumas
convicções sobre a existência de Deus (você pode chamar de fé se quiser, pois é
só uma palavra tentando explicar um conceito, já falei algo sobre isso aqui
e aqui).
Entre essas convicções, não existe gênio da lâmpada e não sou eu quem dita as
regras.
Sobre o que é Deus? É uma
busca bem pessoal, a única coisa que posso e consigo dizer hoje é que eu sigo
algumas pistas.
"Disse
Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta.
Jesus
respondeu: Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês
durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: Mostra-nos o
Pai?"
João 14, versos 8 e 9