"A censura que se pratica sobre as obras alheias não determina necessariamente a produção de obras melhores."
Primeiro, discutiu-se a possibilidade de impedir dizer que a Terra é plana. Porém, eu não me importei com isso, já que, com observações cotidianas e um pouco de estudo, eu havia, há muito, constatado que ela é esférica. Além disso, nunca achei que o absurdo do "terraplanismo" tivesse algum valor em si. E de fato ele não tem, o que faz o enobrecimento artificial do tema provocar certa irritação. Por isso, quase cheguei a concordar com o cerceamento. Entretanto, há valor na forma como se divulga, de maneira que, naquele momento, eu ainda não percebia que era ela, a liberdade, que corria o risco de ser fragilizada.
Depois, proibiram que os nomes de alguns medicamentos fossem pronunciados através de veículos de comunicação, independentemente do que se quisesse dizer sobre eles. Outra vez, não me importei, pois não precisei daqueles remédios. E, talvez justamente por não necessitar deles, não me incomodou ser privado de ouvir os absurdos tanto a favor quanto contra eles.
Em seguida, soube que pelo menos um apresentador foi impedido de continuar no seu próprio programa na internet – destaca-se, extrajudicialmente. Mais uma vez, não me importei, pois, sinceramente, nunca acompanhei com zelo o conteúdo daquele canal, tampouco achava que precisava dele. Sim, não precisava, mas ainda não sabia que sempre estive ligado a ele por algo que é intrínseco às ideias, aos argumentos e às palavras, nessa mesma ordem – a tal da expressão. No mais, naquela ocasião, lembro-me de estar concentrado em outros absurdos, os que eu mesmo escrevia.
Mais um tempo e impediram – agora sim, judicialmente – que emissoras de rádio e canais de comunicação discutissem alguns fatos absurdos, fosse para defesa ou para crítica, sobre certos candidatos a certa eleição. Aliás, alguns conteúdos foram bloqueados mesmo antes de se saber o que continham. Eu poderia dizer novamente que não me importei, mas ei de confessar que, desta vez, me pareceu estranho. De qualquer forma, não foi desconfortável o suficiente a ponto de gerar alguma atitude em mim, já que não integro a principal audiência daqueles canais e emissoras.
Dias atrás, um texto deste meu blog foi retirado do ar – verdade. Quando li a mensagem do informativo, recebida por correio eletrônico, discorrendo o motivo, meu coração acelerou, não pela insignificância da causa, mas sim pelo bloqueio em si. A sensação de ser calado é muito estranha, pelo menos depois que somos adultos. Então, tentei fazer uma lista de nomes e contatos a quem pudesse recorrer. Percebi que alguns deles eram os mesmos citados nos parágrafos anteriores, então, por que se importariam comigo, se não me importei com eles?
Desviando: Já concluí comigo mesmo e há algum tempo que, quando você tem que explicar sobre o que falou: (1) não foi bem dito na primeira vez; (2) a não compreensão do interlocutor é de sua responsabilidade, mas não dele. Você também não tem se sentido exausto com pessoas que, na obrigação de explicarem o que disseram, o fazem responsabilizando o ouvinte? Acho que estou ficando ranzinza.
Voltando: Felizmente, enquanto eu tentava elaborar a explicação para o que quer que eu tivesse escrito, meu texto voltou ao ar – também verdade. Parece ter ocorrido algum engano, alguém clicou sobre algum botão errado – espero. Assim, tudo retornou à sua normalidade para mim, entre rotineiros sons de gritos mudos e indiferenças.
Cheguei à seguinte conclusão, a batalha travada sobre os campos da liberdade de expressão é o único conflito cujo fim não se deseja, e que todos vencem quanto maior for a troca de munição entre os oponentes. É justo que haja consequências legais – éticas, acima de tudo – para os crimes de guerra, mas não se pode vetar o direito ao combate, por qualquer que seja o meio.
Alguém poderia perguntar, "mas como saber o que é honesto ou desonesto em um embate entre ideias?" Eu só saberia responder, "não podemos punir a liberdade por nossa incompetência em definir o limite entre o bom e o mau". É um ato humilde – de reconhecimento de nossas limitações – colocarmos a liberdade acima de tudo.
Desviando: A inspiração para as minhas palavras foi o poema "É Preciso Agir" de Bertolt Brecht.
"Primeiro
levaram os negros
Mas
não me importei com isso
Eu não
era negro
Em
seguida levaram alguns operários
Mas
não me importei com isso
Eu
também não era operário
Depois
prenderam os miseráveis
Mas
não me importei com isso
Porque
eu não sou miserável
Depois
agarraram uns desempregados
Mas
como tenho meu emprego
Também
não me importei
Agora
estão me levando
Mas já
é tarde.
Como
eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo."
Agradecimento: Ao RNS, que me sugeriu a leitura do poema.