terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Vamos Girafinha, Levante-se

"Só se servem do pensamento para autorizar as suas injustiças e só empregam as palavras para disfarçar os pensamentos."
Voltaire


Dias atrás eu vi uma reportagem na TV que deixou-me bastante impressionado. Foi sobre o nascimento de uma girafa em um parque de Santa Catarina. O filhote veio ao mundo pesando 80 kg e com 1,90 m de altura. Aprendi com a matéria que a "girafinha" precisa ficar de pé em no máximo uma hora após seu nascimento, caso contrário sua mãe a abandonará para não ficar a mercê de predadores. Eu fiquei admirado com as imagens da filhote levantando-se após 30 minutos de seu nascimento. Três ou quatro dias depois, ela se comportava completamente adaptada ao ambiente. O bicho nasce pronto. Incrível.

Os seres humanos são tão vulneráveis e dependentes quando nascem. Somos filhotes tão incompletos. Sem coordenação motora, sem comunicação, sem força, sem dentes, sem garras, sem pelos, enxergando mal, ouvindo mal etc. Um bebê, se deixado sozinho em qualquer lugar, irá definhar até a morte. Porém, o filhote de girafa não, basta que ele levante-se em no máximo uma hora após o parto. No caso de animais em cativeiro, nem isso é um problema, pois a bióloga informou na reportagem que, se a bebê girafa não tivesse se levantado, eles a teriam ajudado. As intervenções em prol das crias humanas duram anos.

Talvez em épocas mais remotas, ou em diferentes tipos de civilização, um humano beirando os 15 anos de idade tornar-se-ia independente. Hoje, considerando o processo artificial de seleção "natural" que estamos implantando, praticamente apenas após a faculdade (para quem pode estudar) acabamos nos firmando na vida. Talvez a partir dos 20, para quem não continua os estudos, as coisas estejam mais estáveis. E mais, se levarmos em conta os laços afetivos, podemos concluir que nunca nos tornamos independentes. Então, foi pensando em filhotes, em faculdade, em um lugar à sobra e principalmente em independência, que acabei fazendo algumas reflexões.

Questionei-me, como uma criança atravessa a rua? É confiando nos pais. Elas não tem noção do perigo que correm, mas apenas agarram-se às mãos de seus protetores e os seguem. E como um adulto atravessa a rua? Com suas próprias pernas, literal e metaforicamente falando.

Você já ouviu um religioso que, frente a dificuldades suas ou de outros, acaba dizendo, "não se preocupe, Deus vai cuidar desta situação"? Por que alguém que tem fé que Deus sempre o ajudará a atravessar a rua, tranca a porta quando sai de casa, ou o carro ao estacionar na rua? Esse tipo de pessoa acredita mesmo em Deus ou é um ateu camuflado? Quer saber a minha opinião? O religioso tem sim fé, mas ele acredita errado. Ele ainda não entendeu quem é Deus (se é que alguém pode dizer que entendeu). Ele se relaciona com o Pai sempre terceirizando a responsabilidade. Ainda não aprendeu a atravessar a rua sozinho, precisa sempre contar com uma mão na qual agarrar-se.

Desviando: Muito do preconceito contra Deus gira em torno da seguinte ideia, as pessoas ainda não entenderam que elas podem trilhar a sua própria busca por Ele. Obviamente, se desejarem encontrá-lo. É instintiva, a ideia de que se deve acreditar no Deus do padre, do pastor, do líder, do pai, da esposa, da namorada, da avó, do religioso que ainda não entendeu quem é Deus. E quando digo que é instintiva, digo que não é racional, como se fosse a reverberação de um cérebro primitivo inserido em um mundo moderno. Como se fosse o penitente bater de cabeça no chão de um corpo ajoelhado. Dessa forma, para alguns, não se busca a Deus para que o braço não seja dado a torcer, pois se assim o fizer, estará submetendo-se a vontade de homens que, inclusive e eventualmente, nem mereçam confiança. Seria mais ou menos como não tomar suco de laranja, por não gostar de limão. Sem lógica, mas conveniente para quem tem preguiça de espremer laranjas.

Voltando: Imagine uma pessoa que passou no vestibular e ouviu de alguém que torcia por seu sucesso, "Graças a Deus". Ao que o aprovado respondeu, "Graças a mim e ao meu esforço. Aliás, se Deus tivesse me ajudado, Ele seria bem injusto, já que teria deixado centenas de outras pessoas de fora". Posso dar minha opinião de novo? Essa ideia é mais egoísta do que Deus poderia ser injusto.Vou explicar...

Pense nos elementos sobre os quais não se tem controle? Por exemplo, eu passei no vestibular e sei que dependi de um conjunto de fatores alheios a minha força. Alguns deles fizeram com que meus pais achassem importante manter-me financeiramente até que eu completasse os estudos. Não dependeu de mim nem mesmo a escolha de quem seriam os meus pais. Eu não fiquei doente no dia do vestibular. O trânsito até o local da prova não estava parado. Tive a "sorte" de morar próximo a escolas muito boas, apesar de públicas. Contei com a ajuda de amigos e familiares durante os estudos. Enfim, não consigo sequer reconhecer todos os fatores. Sem falar da possibilidade de um Universo puramente causal, onde eu apenas teria sido o "sortudo" em ser aquele que se esforçaria (já falei disso aqui). Então, dizer que eu passei no vestibular única e exclusivamente por causa do meu esforço, se não egoísta, é pura ingenuidade.

E quanto a "injustiça" divina, que escolheu apenas o senhor boa praça aqui para desfrutar das oportunidades de uma faculdade e dos privilégios que um diploma carrega em um mundo onde "quem pode mais chora menos"? Essa lógica serve apenas para quem acha que Deus só existiria para fazer suas vontades particulares. Esse raciocínio só mostra como nós somos os injustos, os irresponsáveis e, mais uma vez, os egoístas. Nós, e somente nós, criamos um mundo onde poucos tem oportunidades de estudo e no final ficamos perguntando porque Deus não resolve a merd@$%# que criamos (com o perdão da palavra). Como se Deus fosse o ser mais insensível que existisse. E se não resolve, só pode ser porque ele não existe.

Vamos assumir apenas por um momento que Deus pensou, "já vi que vocês não estão entendendo nada, ou estão estragando tudo, então vou ajudá-los a 'descascar o abacaxi' que plantaram". Se um dia Ele pensou isso mesmo, e considerando que Ele nos conhece melhor do que nós mesmos nos conhecemos, como eu já mencionei aqui, então Ele pode não estar preocupado apenas com nossas vontades particulares. Afinal de contas, a ideia "vou fazer com que você passe no vestibular, pois eu vi que você quer muito, que foi um bom menino no ano que passou e merece esse presente de Natal" é do Papai Noel e não de Deus. Ao contrário, o Pai pode ter percebido em você uma pequena centelha e planejou ajudá-lo, não para atender apenas às suas necessidades, mas  para que você deixe de ser criança, passe a atravessar a rua sozinho e leve consigo outras pessoas. Ou seja, o presente verdadeiro pode ter sido uma faca para você começar a "descascar o abacaxi".

Nas nossas vidas, se tivermos sucessos e dissermos que, se Deus existe, Ele é injusto, pois ajudou apenas a mim, só demonstra que considero minhas conquistas como dádivas particulares, que só servem aos meus propósitos pessoais. Assim, só atesto que eu fui engolido pelo sistema, que eu só estou colocando um bloco a mais em um "castelinho" de injustiça, dentro do qual o que vale é "cada um por si e que vença o melhor". Cada um por si e Deus por todos? Sério?

Ei de concordar, acreditar em um deus que só me ajuda querendo ser bonzinho exclusivamente comigo é bem difícil. Eu também não quero buscar esse tipo de deus. Acreditar que todos os pés de limão tem que nascer apenas no meu quintal e, para não me sentir privilegiado, eu deixarei de tomar suco de laranja pode até ser conveniente, mas é incoerente.

Eu estou tentando provar que Deus existe? Claro que não, seria um baita clichê. Eu estou dizendo que as desculpas que usamos para tentar provar que Ele não existe servem apenas para tirar as responsabilidades de nossas costas. A não existência de Deus é providencial.

Sabe qual a diferença entre o filhote de girafa e os seres humanos? Se a girafinha não se levantar, ela será engolida pelo predador. E se nós não nos levantarmos, nós nos tornaremos o predador. Faremos parte do controle, recitando ideias que parecem reluzir independência, acreditando tão sincera quanto ingenuamente que estamos lutando contra, mas sendo o mais fiel dos escravos.

Só para terminar, queremos mesmo que Deus venha resolver nossos problemas? Nós temos o controle sobre como Ele fará isso? Ah, também já falei do "elefantinho" aqui.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Procurando o Caminho de Casa

"Um homem percorre o mundo inteiro em busca daquilo que precisa e volta para casa para encontrá-lo."


O Universo originou-se no Big Bang e desde então vem se expandindo. Porém, essa expansão não é tão intuitiva como parece ser. Ela não refere-se a objetos espalhando-se pelo vazio, mas sim ao vazio sendo "esticado" (na falta de uma palavra melhor). O próprio surgimento do Universo nos dá algumas pistas. Antes que ele viesse a existir, não é que havia um vazio a ser ocupado, o fato é que nem mesmo o vazio existia, não havia nada, seja lá qual for o conceito correto para o nada.

Desviando: Lembrei-me de um amigo que, enquanto ensinava-me programação, sempre dizia, "vazio é diferente de nulo". Tenho a sensação de que quando desenvolvemos a programação para informática encontramos alguns vestígios sobre os segredos do Universo. Já falei disso aqui.

Voltando: Vamos usar um pouco de matemática para entender melhor. Com o Sistema de Coordenadas Cartesianas, desenvolvido por René Descartes, é possível, por exemplo, definir dois pontos quaisquer em um plano e obter a distância entre eles. No plano abaixo, tome os dois pontos A e B, cujas coordenadas são (1,1) e (5,4), respectivamente. A distância entre eles pode ser calculada e é igual a 5. Para aumentarmos o espaço entre estes dois pontos, as coordenadas não podem continuar sendo (1,1) e (5,4) dentro do plano, elas precisam ser necessariamente alteradas.


Não é isso o que ocorre na expansão do Universo. A distância entre os pontos A e B está aumentando, mas as coordenadas continuam sempre as mesmas (a natureza do espaço-tempo é não-euclidiana). Para tentar ficar mais claro (engraçado, falo isso como se eu estivesse entendendo), vamos usar outro exemplo, mesmo que não represente precisamente a realidade. Pegue um elástico de amarrar dinheiro e use uma caneta para marcar dois pontos distantes entre si sobre a borracha. Ao esticar o elástico, você estará aumentando a distância entre as duas marcas, mas cada uma delas ainda continuará sobre o mesmo ponto do elástico. As marcas não terão se movido com relação a borracha, mas será o elástico quem terá se expandido.

O movimento das galáxias não está relacionado exclusivamente a energia cinética (energia associada a qualquer corpo em movimento), mas está também, e principalmente, relacionada a quantidade de espaço que é "criado" (ou expandido) entre elas. A teoria clássica explica a autoestrada parada e o carro movendo-se sobre ela. A teoria da expansão do Universo conta que o automóvel sempre fica parado e é a rodovia que cresce entre ele e o local de origem.

Se voltarmos ao exemplo do elástico de borracha, há uma implicação importante a ser considerada. A borracha romperá, se continuar sendo esticada. Não diferente, para o Universo existe a teoria do Big Rip. Ela diz que, em determinado momento, a velocidade de expansão chegará a um ponto critico. Nesta situação, não somente as galáxias estarão se afastando uma das outras, mas a matéria começará a desagregar-se também. Os átomos passarão a se distanciar uns dos outros de tal forma que não haverá mais nenhum tipo de coesão gravitacional, ou mesmo energia. Será então a morte do tempo. Isso mesmo, "fim", "the end", "c'est fini". Pensei agora, isso seria o nada novamente? De qualquer forma, pode ficar tranquilo, os autores desta teoria, entre eles Robert Caldwell, calcularam que isso só deve ocorrer daqui 21 bilhões de anos.

Aliás, recentemente, o matemático brasileiro Marcelo Disconzi apresentou a solução para a equação de Lichnerowicz. Equação esta que foi criada com o objetivo de descrever o comportamento de fluidos viscosos viajando a velocidades próximas a da luz. Após o seminário de apresentação na Universidade de Vanderbilt, no Tennessee, Estados Unidos, os professores de física Thomas Kephart e Robert Scherrer convidaram o brasileiro para juntos aplicarem a solução encontrada à cosmologia. Então comprovaram que o cenário do Big Rip é realmente possível. Se desejar, você pode conferir mais detalhes sobre o trabalho do brasileiro aqui.

Desviando: Certo texto diz que nós, seres humanos, nunca nos saciamos durante busca por respostas, mesmo que não sejamos capazes de descrevê-las. Diz também que, associado a isso, tudo se repete. Mais precisamente:

"Todas as coisas trazem canseira. O homem não é capaz de descrevê-las; os olhos nunca se saciam de ver, nem os ouvidos de ouvir.
O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol."
Eclesiastes 1:4-11

Voltando: Chega a ser constrangedor, mas às vezes meus neurônios "fritam" tentando entender algumas ideias, tentando encontrar-me na realidade em que vivo. Eventualmente chego a alguma conclusão, mas não consigo expressar-me e sinto-me como naquela situação, quando queremos nos lembrar de uma palavra, mas ela não escapa da ponta da língua. Frequentemente, após nadar muito contra a maré, descubro que a ideia não é um sentimento particular, tampouco novo. Absolutamente sempre, pelo menos um alguém, seja lá de que época for,  já conseguiu expressar parte das ideias. Como quem conta com um amigo para lembrar da palavra, se não satisfeito, fico mais aliviado.

"E agora você está tentando explicar
Coisas que não precisam de explicação
(...)
Agora acabou
Agora que você é mais velho,
Você está sonhando com a luz do sol da sua juventude?
Você sabe que é inútil olhar para trás
Não há redenção lá para você
(...)
Enquanto você estava procurando algo
Todos os seus amigos se estabeleceram
Tem sido assim para sempre
E você só notou agora?"

Foi sempre assim, mas não significa que deveria ter sido. Acho muito difícil olhar ao meu redor e não questionar-me a respeito do Universo, sobre o que havia antes e o que haverá depois. Esse tipo de pergunta, ainda que não possa ser respondida (não pode?), encolhe demais a minha realidade, faz com que, por exemplo, até uma simples garoa e todo o processo que culmina com as gotas caindo do céu deixem de ser triviais. Afinal de contas, por que seria tão natural e esperado que a chuva ocorresse no Universo? Seria porque ela ocorre na Terra? Pensar assim não é limitar o Universo por baixo, mais especificamente por um único planeta? Já falei aqui que, se Alice tivesse nascido no País das Maravilhas, ela não se admiraria com nada.

Enfim, que tipo de realidade pode haver além daquela que queremos enxergar? O que podemos estar perdendo? Como vou escolher viver os dias que me restam? Eu estou disposto a tirar a cabeça de dentro da caixa? Já falei um pouco sobre coragem aqui e aqui. Confesso, é bem possível que eu esteja apenas preocupado demais com questões irrelevantes. Quem sabe minhas dúvidas sejam só tolices e expliquem os risos de alguns leitores sugerindo ingenuidade no que leram. Não me admiraria se eu realmente me descobrisse imaturo. Porém, neste caso, o que seria relevante então?

"Nós construiríamos um foguete
E então voaríamos para bem longe
Costumávamos sonhar com o espaço sideral
Mas agora eles estão rindo na nossa cara
Dizendo: acorde, você precisa ganhar dinheiro
(...)
Gostaria que pudéssemos voltar no tempo
Para os bons velhos tempos
(...)
Mas agora estamos estressados"

Você já parou para pensar que, considerando a velocidade de expansão do Universo e o aumento da distância entre galáxias e planetas, o ponto exato onde você nasceu está muito, muito longe? Cada dia que passa ficamos cada vez mais distante de casa. Qual será o nosso destino final? Onde repousaremos as nossas mentes, as nossas aflições, os nossos medos? Onde encontraremos um padrão diferente, mas aconchegantemente familiar e diremos, enfim, "lar doce lar"?

Abraço: Ao FOS, que abriu minha mente para o fato de que vazio não é igual a nulo.