terça-feira, 29 de novembro de 2016

Porque Sim Não é Resposta

"Muitas vezes as coisas que me pareceram verdadeiras quando comecei a concebê-las tornaram-se falsas quando quis colocá-las sobre o papel."


Existe uma ferramenta de Gestão da Qualidade chamada de "5 Por Quês", que foi desenvolvida por Taiichi Ono, pai do Sistema de Produção Toyota. Ela consiste em formular cinco "por quês" consecutivos com o objetivo de convergir para a causa raiz de um defeito ou problema (já falei de causa e efeito aqui).

Nada impede que mais ou menos "por quês" sejam formulados. O número 5 vem apenas da observação do criador da receita de que essa quantidade é suficiente para descobrir o motivo central de uma falha. Geralmente, quando somos indagados sobre um problema, tendemos a encontrar uma desculpa e um culpado, mas não a procurar a causa primária. Mais ou menos assim:

Primeiro porquê, temos um sintoma

Segundo porquê, temos uma desculpa

Terceiro porquê, temos um culpado

Quarto porquê, temos uma causa

Quinto porquê, temos a causa raiz

Apesar deste método ser muito utilizado nos ambientes corporativos, ele também pode ser usado no nosso dia a dia.  Sabe quem é craque nesse tipo de técnica? Crianças em torno dos cinco anos de idade. Aquele período da vida em que todas elas tornam-se "chatas", pois querem saber o porque de tudo.

Criança: Pai, por que não podemos ficar juntos o tempo todo?
Pai: Porque o pai tem que trabalhar.
Criança: Por que você tem que trabalhar?
Pai: Porque precisamos pagar as contas.
Criança: Por que temos tantas contas para pagar?
Pai: Porque compramos muitas coisas.
Criança: Por que compramos muitas coisas?
Pai: Porque precisamos suprir as nossas necessidades.
Criança: Por que temos tantas necessidades?
Pai: Vai brincar lá fora, vai.

É incrível como os "5 Por Quês" funcionam tão perfeitamente. Nós conseguimos (ou toleramos) no máximo três ou quatro respostas, pois a desculpa e o culpado são fáceis de encontrar. No diálogo entre a criança e o pai,  exatamente no momento que a vida vai ser avaliada, que será dado nome e significado às escolhas feitas, que se correrá o risco de que "os olhos sejam abertos", é que a resposta é evitada. Talvez porque a essência demande muito de nossa mente, ou porque simplesmente não sabemos a resposta, ou quem sabe ainda porque não queremos, providencialmente, conhecê-la.

Usei aspas ao chamar a criança de chata, pois na prática nós somos os chatos. É incoerente para uma criança gastar seu tempo ou aceitar conclusões que não valham a pena, que não lhe sejam úteis, que não façam sentido. E é neste período da infância que ela é moldada ao mundo dos macaquinhos que não deixam ninguém pegar o cacho de bananas no topo da escada, só porque sempre foi assim (já falei dessa metáfora aqui).

Aplicando a lógica dos "5 Por Quês", acabei avaliando minhas conquistas e os objetivos que ainda tenho. Foi quando cheguei a conclusão de que um dos grandes problemas que enfrentamos, durante essa curta jornada que chamamos de vida, são as expectativas. Aliás, tenho pensado muito nas minhas recentemente, pelo simples fato de ter percebido de que tenho bem poucas.

Por exemplo, dizem que os pobres são os únicos efetivamente felizes, pois não são presos a bens materiais, sucesso e a status. Porém, pode ser que essa ideia esteja equivocada.

Desviando: "(...) o reles antidemocrata de hoje lhe dirá solenemente que não há na natureza nenhuma igualdade. Ele está certo, mas não percebe o adendo lógico. Não há na natureza nenhuma igualdade; mas também não há nenhuma desigualdade. A desigualdade, tanto quanto a igualdade, implica um padrão de valores.

Ver aristocracia na anarquia dos animais é exatamente tão sentimental como ver nela democracia. Tanto a democracia quanto a aristocracia são um ideal: a primeira diz que todos os homens são preciosos; a segunda, que alguns homens são mais preciosos que os outros. Mas a natureza não diz que os gatos são mais preciosos que os ratos; a natureza não faz nenhuma observação sobre o assunto. Ela nem sequer diz que o gato é digno de inveja ou que o rato é digno de dó. Nós pensamos que o gato é superior porque temos (ou a maioria de nós tem) uma filosofia particular afirmando que a vida é melhor que a morte. Mas se o rato fosse um rato pessimista alemão, ele talvez não pensasse que o gato o havia de algum modo derrotado. Pensaria que ele havia derrotado o gato chegando antes dele à sepultura. Ou então poderia sentir que ele de fato infligira um tremendo castigo ao gato mantendo-o vivo."

Ortodoxia – G. K. Chesterton (Edição Centenária 1908 - 2008)

Voltando: É bem provável que os autenticamente felizes não sejam nem os pobres e nem os ricos, mas aqueles que conseguiram conquistar todas as suas expectativas. Porém, não pelo sucesso, mas sim porque perceberam que o vazio, força motriz de tantos planos e objetivos, não foi preenchido. Talvez sintam-se frustrados, no entanto, não perceberam quão felizes são, pois a partir de agora nada os prendem mais. Eles finalmente libertaram-se da ilusão de que precisam de algo.

Aqueles que ainda estão em busca de seus planos não perceberam que querem apenas por querer. Por exemplo, já ouviu alguém dizer que com suas forças e dedicação são capazes de conquistar o mundo? Pois eu pergunto-me, após conquistar o mundo, o que faremos com ele? É claro que estou usando um exemplo extremo, mas o objetivo é poder ter a referência de como aplicar os "5 Por Quês" aos nossos objetivos. Ficarei sinceramente feliz caso você consiga viver bem com as respostas que encontrar.

Fechando o laço (foi a melhor palavra que achei para a ideia de loop), é justamente por isso que a expectativa torna-se um problema. Ficamos constantemente presos a ilusão da conquista e não percebemos que sempre tivemos tudo, ou melhor, que nunca precisamos de nada. Como no caso do gato e do rato de Chesterton, o problema é o padrão de valores implícito na nossa realidade. Ou seria um padrão admissivelmente imposto?

Desviando: Imagine uma pessoa que vai a um bosque gravar vídeos, junto a um riacho, árvores, pássaros, grama e tranquilidade. Seu objetivo é que sirvam como referência e ajuda para quem esteja precisando apenas de um "empurrãozinho". Seria lógico dizer que o acesso que essa pessoa tem ao campo e que os momentos que pode passar naquele local viabilizam o seu objetivo, gravar vídeos sobre o tema e ajudar pessoas a "encontrarem-se".

Porém, eu parei para refletir sobre esse caso e cheguei a seguinte conclusão. Se o objetivo desta pessoa fosse viver entre as árvores, junto a um riacho, aos pássaros etc, seria muito mais óbvio pensar que o trabalho que ela está executando, de gravar vídeos de motivação, é apenas o pano de fundo para que possa, ou deve (com o perdão da ênfase), viver a vida que sempre quis ter. O que separa a satisfação da inquietação neste caso? Porque ela continua vídeo após vídeo? São as expectativas, aquela vontade de fazer a diferença na vida de alguém, de encontrar um propósito para a sua própria vida, de eternizar-se quando consegue espalhar um pouco de si mesma dentro de outras pessoas.

Tentando ser um pouco mais otimista, quem sabe o trabalho de gravar os vídeos seja uma estratégia inconsciente, para que ela possa convencer-se conscientemente de viver a vida tranquila no campo. Enquanto o seu lado consciente fica insatisfeito, sempre buscando algo, preso a ilusão das conquistas, o seu eu mais profundo fica lá dentro gritando, "cara, olhe ao seu redor". Passo até a ficar com outra dúvida agora, qual parte de nós é mais racional, a razão propriamente dita ou os "instintos"?

"É o coração que sente Deus e não a razão."

Aliás, porque eu continuo escrevendo textos atrás de textos neste blog? Já sei, vai brincar lá fora, vai.

Voltando: Não à toa, já foi dito que uma casa onde há morte é melhor do que uma onde há nascimento. Não porque a morte seja melhor do que a vida, mas sim porque quando pensamos na morte deixamos de avaliar a vida sob o prisma das expectativas.

Agradecimento: Ao RT que indicou-me a ótima leitura "Ortodoxia" de Chesterton.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Por que o Prêmio Tem de Ser Colocado Atrás de Uma Porta?

"Existem certas ocasiões em que um homem tem de revelar metade do seu segredo para manter oculto o resto."


A expressão "crise dos sete anos" popularizou-se através do filme "The Seven Year Itch", clássico de 1955 que, no Brasil, recebeu o nome de "O Pecado Mora ao Lado". No enredo, o editor de livros Richard Sherman (Tom Ewell) aproveita a viagem de sua esposa para aproximar-se da vizinha, interpretada por Marilyn Monroe.

Enquanto mantém fantasias com a moça, o protagonista dedica-se à leitura de um livro chamado "A Coceira do Sétimo Ano" (tradução literal do nome do próprio filme). A narrativa do livro abordaria uma possível tendência masculina à infidelidade após sete anos de casamento. É como se a personagem Richard Sherman estivesse lendo a história do próprio filme, ou como se o filme estivesse contando a história do livro. Ou seja, tudo ficção.

Não acredito, tudo não passa de um filme e o "mundo" trata a questão como se fosse fato? Pois já ouvi pessoas, que se consideram extremamente racionais, expondo essa "superstição" como quem cita um artigo científico. É interessante como encontramos "fé" nas mais diversas categorias de pessoas, mesmo naquelas que dizem não tê-la.

A ideia enraizou-se de tal maneira que, nos dias atuais, a "crise dos sete anos" não está limitada apenas a tendências masculinas e a infidelidade, mas também é aplicada a qualquer tipo de problema de relacionamento. Nós seres humanos somos tão suscetíveis a sugestões assim? Parece-me bem óbvio, é mais fácil encontrar uma causa externa e intangível para nossos problemas, incluindo deixar-se levar sem requerer explicações, do que tentar reconhecer nossas responsabilidades, buscar por soluções e colocá-las em prática. Preparar a lasanha congelada no forno microondas é sempre mais fácil.

Fiquei curioso e resolvi pesquisar o assunto. Segundo essa reportagem da VEJA, com dados coletados pelo IBGE entre 1984 e 2014, a duração média do matrimônio caiu de 19 para 15 anos. Então, se houver alguma crise previsível nos relacionamentos, ela deve ocorrer aos 15 anos e não aos sete, pelo menos no Brasil de hoje. É o que diz a matemática e acreditamos nela, correto? Eu confesso que só acredito na ciência quando me convém (já tratei deste tema aqui).

Desviando: É impressionante como mesmo essa reportagem na revista VEJA, que supostamente tem o objetivo de trazer alguma lucidez ao assunto, também deixa suas sugestões na nossa mente. Segundo o mesmo artigo, o divórcio vem ganhando força desde 2010, ano em que a legalização da separação teve a burocracia reduzida. Essa interpretação apresentada sugeriu-me (não precisei pensar) que as pessoas não se separavam apenas porque havia muita papelada para assinar, ou muitas regras a serem seguidas. Pois eu tive que refletir para interpretar diferente (e raciocinar é sempre mais oneroso). Por exemplo, talvez o número de separações não tenha sido alterado, ou o tenha por motivos diversos, mas não necessariamente porque a burocracia facilitou. Ou nós acreditamos mesmo que, no passado, duas pessoas ficavam morando na mesma casa e unidas a contra gosto somente porque não conseguiam obter um papel assinado por um juiz? A reportagem seria mais precisa se dissesse que o número de "separações legalizadas" aumentou em virtude de facilidades na burocracia. Consegue perceber a diferença? Está certo, talvez eu esteja exagerando, com mania de teorias da conspiração. Quem sabe o repórter tenha apenas inocentemente interpretado os dados de forma equivocada (não estou tentando ser irônico). Ou mais simples ainda, quem sabe tenha sido eu quem entendeu errado.

Voltando: Não parece estranho? Seria planejado, popularizar que aos sete anos de relacionamento todos os casais passam por uma crise, enquanto a estatística diz diferente? Ou seria mero acaso? Talvez apenas leviandade? Por que não veiculam que cada casal faz o seu próprio relacionamento?

O mesmo "mundo" que prega que podemos conquistar o que desejarmos, com nosso esforço e dedicação, acaba criando regras, sugerindo regras, falácias, que dificultam ou impedem o nosso "sucesso". Qual seria o objetivo de nos abrirem o mundo e ao mesmo tempo criarem obstáculos; e pior, obstáculos que não necessariamente existem? Deixo claro desde já que não conseguiremos responder essa pergunta, mas não estamos escrevendo (eu) e lendo (você) este texto para obtermos respostas, mas sim para fazermos perguntas, correto?

Desviando: Não teremos a resposta, mas presenciei algo que cogito ser uma boa analogia. Dias atrás eu vi um Palio no trânsito. Estava com o vidro traseiro coberto por um grande símbolo da Nike, o logotipo da marca. Fiquei pensando, "a menos que o motorista trabalhe para a empresa, ele está tentando passar uma imagem de que é 'descolado', independente, arrojado, alguém que todos gostariam de ser ou ter como amigo". Essa aparência é buscada, provavelmente, por influência de propagandas da marca, que geralmente apresentam o mesmo estereótipo como propósito de vida. Porém, mal sabe o dono daquele automóvel que todas essas ideias teriam sido criadas na mente dele com um único objetivo, aceitar fazer a propaganda da Nike de graça. Já falei neste texto que nossas ideologias nem são nossas mesmo.

Voltando: Há quem se deixe iludir por uma marca, outros por uma ideia. Há quem não se iluda por nada, mas essa pode ser a mais profunda de todas as ilusões. Não consigo deixar de ir além com minhas dúvidas. Quais são outras ideias que existem por aí, de forma análoga a "crise dos sete anos", cuja origem também não conhecemos, que talvez nem existam, e que mesmo assim assumimos como verdade absoluta? Quem está "vendendo" as ideologias? Incomoda-me muito ter essa dúvida, não porque ela não será esclarecida, mas sim pelo fato de que estar ciente dela não é suficiente para livrar-me de seu contexto.

Enfim, tenho a nítida impressão de que estou participando daqueles jogos onde pedem para escolher uma entre três portas. Duas delas escondem cabras e apenas uma possui um prêmio. Por que colocar a recompensa atrás de apenas uma entre três portas? Por que as portas?

"Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
(...)
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhes nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
(...)
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em que"