"Muitas vezes as coisas que me pareceram verdadeiras quando comecei a concebê-las tornaram-se falsas quando quis colocá-las sobre o papel."
Existe uma ferramenta de Gestão da Qualidade chamada de "5 Por Quês", que
foi desenvolvida por Taiichi Ono, pai do Sistema de Produção Toyota. Ela consiste em formular cinco "por quês" consecutivos com o objetivo de convergir para a causa raiz de um defeito ou
problema (já falei de causa e efeito aqui).
Nada impede que mais ou
menos "por quês" sejam formulados. O número 5 vem apenas da observação do criador
da receita de que essa quantidade é suficiente para descobrir o motivo central
de uma falha. Geralmente, quando somos indagados sobre um problema, tendemos a
encontrar uma desculpa e um culpado, mas não a procurar a causa primária. Mais
ou menos assim:
Primeiro porquê, temos um
sintoma
Segundo porquê, temos uma
desculpa
Terceiro porquê, temos um
culpado
Quarto porquê, temos uma
causa
Quinto porquê, temos
a causa raiz
Apesar deste método ser muito utilizado nos ambientes corporativos, ele
também pode ser usado no nosso dia a dia. Sabe quem é craque nesse tipo de técnica?
Crianças em torno dos cinco anos de idade. Aquele período da vida em que todas elas
tornam-se "chatas", pois querem saber o porque de tudo.
Criança: Pai, por que não
podemos ficar juntos o tempo todo?
Pai: Porque o pai tem que
trabalhar.
Criança: Por que você tem
que trabalhar?
Pai: Porque precisamos pagar
as contas.
Criança: Por que temos
tantas contas para pagar?
Pai: Porque compramos muitas
coisas.
Criança: Por que compramos muitas
coisas?
Pai: Porque precisamos
suprir as nossas necessidades.
Criança: Por que temos
tantas necessidades?
Pai: Vai brincar lá
fora, vai.
É incrível como os "5 Por Quês" funcionam tão perfeitamente. Nós conseguimos
(ou toleramos) no máximo três ou quatro respostas, pois a desculpa e o culpado
são fáceis de encontrar. No diálogo entre a criança e o pai, exatamente no momento que a vida vai ser
avaliada, que será dado nome e significado às escolhas feitas, que se correrá o
risco de que "os olhos sejam abertos", é que a resposta é evitada. Talvez porque a essência
demande muito de nossa mente, ou porque simplesmente não sabemos a resposta, ou
quem sabe ainda porque não queremos, providencialmente, conhecê-la.
Usei aspas ao chamar a criança de chata, pois na prática nós somos os
chatos. É incoerente para uma criança gastar seu tempo ou aceitar conclusões
que não valham a pena, que não lhe sejam úteis, que não façam sentido. E é
neste período da infância que ela é moldada ao mundo dos macaquinhos que não deixam
ninguém pegar o cacho de bananas no topo da escada, só porque sempre foi assim (já
falei dessa metáfora aqui).
Aplicando a lógica dos "5 Por Quês", acabei avaliando minhas conquistas e
os objetivos que ainda tenho. Foi quando cheguei a conclusão de que um dos
grandes problemas que enfrentamos, durante essa curta jornada que chamamos de
vida, são as expectativas. Aliás, tenho pensado muito nas minhas recentemente,
pelo simples fato de ter percebido de que tenho bem poucas.
Por exemplo, dizem que os pobres são os únicos efetivamente felizes,
pois não são presos a bens materiais, sucesso e a status. Porém, pode ser que essa ideia esteja equivocada.
Desviando: "(...) o reles antidemocrata de hoje lhe dirá
solenemente que não há na natureza nenhuma igualdade. Ele está certo, mas não
percebe o adendo lógico. Não há na natureza nenhuma igualdade; mas também não
há nenhuma desigualdade. A desigualdade, tanto quanto a igualdade, implica um
padrão de valores.
Ver
aristocracia na anarquia dos animais é exatamente tão sentimental como ver nela
democracia. Tanto a democracia quanto a aristocracia são um ideal: a primeira
diz que todos os homens são preciosos; a segunda, que alguns homens são mais
preciosos que os outros. Mas a natureza não diz que os gatos são mais preciosos
que os ratos; a natureza não faz nenhuma observação sobre o assunto. Ela nem
sequer diz que o gato é digno de inveja ou que o rato é digno de dó. Nós
pensamos que o gato é superior porque temos (ou a maioria de nós tem) uma
filosofia particular afirmando que a vida é melhor que a morte. Mas se o rato
fosse um rato pessimista alemão, ele talvez não pensasse que o gato o havia de
algum modo derrotado. Pensaria que ele havia derrotado o gato chegando antes
dele à sepultura. Ou então poderia sentir que ele de fato infligira um tremendo
castigo ao gato mantendo-o vivo."
Voltando: É bem provável que os autenticamente felizes não sejam nem os
pobres e nem os ricos, mas aqueles que conseguiram conquistar todas as suas
expectativas. Porém, não pelo sucesso, mas sim porque perceberam que o vazio,
força motriz de tantos planos e objetivos, não foi preenchido. Talvez sintam-se
frustrados, no entanto, não perceberam quão felizes são, pois a partir de agora
nada os prendem mais. Eles finalmente libertaram-se da ilusão de que precisam
de algo.
Aqueles que ainda estão em busca de seus planos não perceberam que
querem apenas por querer. Por exemplo, já ouviu alguém dizer que com suas
forças e dedicação são capazes de conquistar o mundo? Pois eu pergunto-me, após
conquistar o mundo, o que faremos com ele? É claro que estou usando um exemplo
extremo, mas o objetivo é poder ter a referência de como aplicar os "5 Por Quês" aos nossos objetivos. Ficarei sinceramente feliz caso você consiga viver bem
com as respostas que encontrar.
Fechando o laço (foi a melhor palavra que achei para a ideia de loop), é justamente por isso que a
expectativa torna-se um problema. Ficamos constantemente presos a ilusão da
conquista e não percebemos que sempre tivemos tudo, ou melhor, que nunca
precisamos de nada. Como no caso do gato e do rato de Chesterton, o problema é o padrão de valores implícito na nossa realidade. Ou seria um padrão admissivelmente imposto?
Desviando: Imagine uma pessoa que vai a um bosque gravar vídeos, junto
a um riacho, árvores, pássaros, grama e tranquilidade. Seu objetivo é que
sirvam como referência e ajuda para quem esteja precisando apenas de um "empurrãozinho". Seria lógico dizer que o acesso que essa pessoa tem ao campo e que
os momentos que pode passar naquele local viabilizam o seu objetivo, gravar
vídeos sobre o tema e ajudar pessoas a "encontrarem-se".
Porém, eu parei para refletir sobre esse caso e cheguei a seguinte
conclusão. Se o objetivo desta pessoa fosse viver entre as árvores, junto a um
riacho, aos pássaros etc, seria muito mais óbvio pensar que o trabalho que ela
está executando, de gravar vídeos de motivação, é apenas o pano de fundo para
que possa, ou deve (com o perdão da ênfase), viver a vida que sempre quis ter.
O que separa a satisfação da inquietação neste caso? Porque ela continua vídeo
após vídeo? São as expectativas, aquela vontade de fazer a diferença na vida de
alguém, de encontrar um propósito para a sua própria vida, de eternizar-se
quando consegue espalhar um pouco de si mesma dentro de outras pessoas.
Tentando ser um pouco mais otimista, quem sabe o trabalho de gravar os
vídeos seja uma estratégia inconsciente, para que ela possa convencer-se conscientemente
de viver a vida tranquila no campo. Enquanto o seu lado consciente fica
insatisfeito, sempre buscando algo, preso a ilusão das conquistas, o seu eu
mais profundo fica lá dentro gritando, "cara, olhe ao seu redor". Passo até a
ficar com outra dúvida agora, qual parte de nós é mais racional, a razão
propriamente dita ou os "instintos"?
"É
o coração que sente Deus e não a razão."
Aliás, porque eu continuo escrevendo textos atrás de textos neste blog?
Já sei, vai brincar lá fora, vai.
Voltando: Não à toa, já foi dito que uma casa onde há morte é melhor do que uma onde há nascimento. Não porque a morte seja melhor do que a vida,
mas sim porque quando pensamos na morte deixamos de avaliar a vida sob o prisma
das expectativas.
Agradecimento: Ao RT que indicou-me a ótima leitura "Ortodoxia" de
Chesterton.