"Existem certas ocasiões em que um homem tem de revelar metade do seu segredo para manter oculto o resto."
A expressão "crise dos sete anos" popularizou-se através do filme "The Seven Year Itch",
clássico de 1955 que, no Brasil, recebeu o nome de "O Pecado Mora ao Lado". No
enredo, o editor de livros Richard Sherman (Tom Ewell) aproveita a viagem
de sua esposa para aproximar-se da vizinha, interpretada por Marilyn Monroe.
Enquanto mantém fantasias com a moça, o protagonista dedica-se à leitura
de um livro chamado "A Coceira do Sétimo Ano" (tradução literal do nome do
próprio filme). A narrativa do livro abordaria uma possível tendência masculina
à infidelidade após sete anos de casamento. É como se a personagem Richard
Sherman estivesse lendo a história do próprio filme, ou como se o filme
estivesse contando a história do livro. Ou seja, tudo ficção.
Não acredito, tudo não passa de um filme e o "mundo" trata a questão como
se fosse fato? Pois já ouvi pessoas, que se consideram extremamente racionais,
expondo essa "superstição" como quem cita um artigo científico. É interessante
como encontramos "fé" nas mais diversas categorias de pessoas, mesmo naquelas que
dizem não tê-la.
A ideia enraizou-se de tal maneira que, nos dias atuais, a "crise dos
sete anos" não está limitada apenas a tendências masculinas e a infidelidade,
mas também é aplicada a qualquer tipo de problema de relacionamento. Nós seres
humanos somos tão suscetíveis a sugestões assim? Parece-me bem óbvio, é mais
fácil encontrar uma causa externa e intangível para nossos problemas, incluindo
deixar-se levar sem requerer explicações, do que tentar reconhecer nossas
responsabilidades, buscar por soluções e colocá-las em prática. Preparar a
lasanha congelada no forno microondas é sempre mais fácil.
Fiquei curioso e resolvi pesquisar o assunto. Segundo essa reportagem da VEJA, com dados coletados
pelo IBGE entre 1984 e 2014, a
duração média do matrimônio caiu de 19 para 15 anos. Então, se houver alguma
crise previsível nos relacionamentos, ela deve ocorrer aos 15 anos e não aos
sete, pelo menos no Brasil de hoje. É o que diz a matemática e acreditamos nela,
correto? Eu confesso que só acredito na ciência quando me convém (já tratei
deste tema aqui).
Desviando: É impressionante como mesmo essa reportagem na revista VEJA,
que supostamente tem o objetivo de trazer alguma lucidez ao assunto, também deixa
suas sugestões na nossa mente. Segundo o mesmo artigo, o divórcio vem ganhando
força desde 2010, ano em que a legalização da separação teve a burocracia reduzida.
Essa interpretação apresentada sugeriu-me (não precisei pensar) que as pessoas
não se separavam apenas porque havia muita papelada para assinar, ou muitas
regras a serem seguidas. Pois eu tive que refletir para interpretar diferente
(e raciocinar é sempre mais oneroso). Por exemplo, talvez o número de
separações não tenha sido alterado, ou o tenha por motivos diversos, mas não necessariamente
porque a burocracia facilitou. Ou nós acreditamos mesmo que, no passado, duas
pessoas ficavam morando na mesma casa e unidas a contra gosto somente porque
não conseguiam obter um papel assinado por um juiz? A reportagem seria mais
precisa se dissesse que o número de "separações legalizadas" aumentou em virtude
de facilidades na burocracia. Consegue perceber a diferença? Está certo, talvez eu
esteja exagerando, com mania de teorias da conspiração. Quem sabe o repórter
tenha apenas inocentemente interpretado os dados de forma equivocada (não estou
tentando ser irônico). Ou mais simples ainda, quem sabe tenha sido eu quem
entendeu errado.
Voltando: Não parece estranho? Seria planejado, popularizar que aos sete
anos de relacionamento todos os casais passam por uma crise, enquanto a
estatística diz diferente? Ou seria mero acaso? Talvez apenas leviandade? Por
que não veiculam que cada casal faz o seu próprio relacionamento?
O mesmo "mundo" que prega que podemos conquistar o que desejarmos, com
nosso esforço e dedicação, acaba criando regras, sugerindo regras, falácias, que dificultam ou
impedem o nosso "sucesso". Qual seria o objetivo de nos abrirem o mundo e ao
mesmo tempo criarem obstáculos; e pior, obstáculos que não necessariamente
existem? Deixo claro desde já que não conseguiremos responder essa pergunta,
mas não estamos escrevendo (eu) e lendo (você) este texto para obtermos
respostas, mas sim para fazermos perguntas, correto?
Desviando: Não teremos a resposta, mas presenciei algo que cogito ser
uma boa analogia. Dias atrás eu vi um Palio no trânsito. Estava com o vidro
traseiro coberto por um grande símbolo da Nike, o logotipo da marca. Fiquei
pensando, "a menos que o motorista trabalhe para a empresa, ele está tentando
passar uma imagem de que é 'descolado', independente, arrojado, alguém que todos
gostariam de ser ou ter como amigo". Essa aparência é buscada, provavelmente,
por influência de propagandas da marca, que geralmente apresentam o mesmo
estereótipo como propósito de vida. Porém, mal sabe o dono daquele automóvel
que todas essas ideias teriam sido criadas na mente dele com um único objetivo,
aceitar fazer a propaganda da Nike de graça. Já falei neste texto que nossas ideologias nem são nossas mesmo.
Voltando: Há quem se deixe iludir por uma marca, outros por uma ideia.
Há quem não se iluda por nada, mas essa pode ser a mais profunda de todas as
ilusões. Não consigo deixar de ir além com minhas dúvidas. Quais são outras
ideias que existem por aí, de forma análoga a "crise dos sete anos", cuja origem também
não conhecemos, que talvez nem existam, e que mesmo assim assumimos como
verdade absoluta? Quem está "vendendo" as ideologias? Incomoda-me muito ter essa
dúvida, não porque ela não será esclarecida, mas sim pelo fato de que estar
ciente dela não é suficiente para livrar-me de seu contexto.
Enfim, tenho a nítida impressão de que estou participando daqueles jogos
onde pedem para escolher uma entre três portas. Duas delas escondem cabras e
apenas uma possui um prêmio. Por que colocar a recompensa atrás de apenas uma entre
três portas? Por que as portas?
"Todo
dia o sol da manhã
Vem
e lhes desafia
Traz
do sonho pro mundo
Quem
já não o queria
(...)
E
a cidade que tem braços abertos
Num
cartão postal
Com
os punhos fechados da vida real
Lhes
nega oportunidades
Mostra
a face dura do mal
(...)
A
arte de viver da fé
Só
não se sabe fé em que"
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