quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Por que o Prêmio Tem de Ser Colocado Atrás de Uma Porta?

"Existem certas ocasiões em que um homem tem de revelar metade do seu segredo para manter oculto o resto."


A expressão "crise dos sete anos" popularizou-se através do filme "The Seven Year Itch", clássico de 1955 que, no Brasil, recebeu o nome de "O Pecado Mora ao Lado". No enredo, o editor de livros Richard Sherman (Tom Ewell) aproveita a viagem de sua esposa para aproximar-se da vizinha, interpretada por Marilyn Monroe.

Enquanto mantém fantasias com a moça, o protagonista dedica-se à leitura de um livro chamado "A Coceira do Sétimo Ano" (tradução literal do nome do próprio filme). A narrativa do livro abordaria uma possível tendência masculina à infidelidade após sete anos de casamento. É como se a personagem Richard Sherman estivesse lendo a história do próprio filme, ou como se o filme estivesse contando a história do livro. Ou seja, tudo ficção.

Não acredito, tudo não passa de um filme e o "mundo" trata a questão como se fosse fato? Pois já ouvi pessoas, que se consideram extremamente racionais, expondo essa "superstição" como quem cita um artigo científico. É interessante como encontramos "fé" nas mais diversas categorias de pessoas, mesmo naquelas que dizem não tê-la.

A ideia enraizou-se de tal maneira que, nos dias atuais, a "crise dos sete anos" não está limitada apenas a tendências masculinas e a infidelidade, mas também é aplicada a qualquer tipo de problema de relacionamento. Nós seres humanos somos tão suscetíveis a sugestões assim? Parece-me bem óbvio, é mais fácil encontrar uma causa externa e intangível para nossos problemas, incluindo deixar-se levar sem requerer explicações, do que tentar reconhecer nossas responsabilidades, buscar por soluções e colocá-las em prática. Preparar a lasanha congelada no forno microondas é sempre mais fácil.

Fiquei curioso e resolvi pesquisar o assunto. Segundo essa reportagem da VEJA, com dados coletados pelo IBGE entre 1984 e 2014, a duração média do matrimônio caiu de 19 para 15 anos. Então, se houver alguma crise previsível nos relacionamentos, ela deve ocorrer aos 15 anos e não aos sete, pelo menos no Brasil de hoje. É o que diz a matemática e acreditamos nela, correto? Eu confesso que só acredito na ciência quando me convém (já tratei deste tema aqui).

Desviando: É impressionante como mesmo essa reportagem na revista VEJA, que supostamente tem o objetivo de trazer alguma lucidez ao assunto, também deixa suas sugestões na nossa mente. Segundo o mesmo artigo, o divórcio vem ganhando força desde 2010, ano em que a legalização da separação teve a burocracia reduzida. Essa interpretação apresentada sugeriu-me (não precisei pensar) que as pessoas não se separavam apenas porque havia muita papelada para assinar, ou muitas regras a serem seguidas. Pois eu tive que refletir para interpretar diferente (e raciocinar é sempre mais oneroso). Por exemplo, talvez o número de separações não tenha sido alterado, ou o tenha por motivos diversos, mas não necessariamente porque a burocracia facilitou. Ou nós acreditamos mesmo que, no passado, duas pessoas ficavam morando na mesma casa e unidas a contra gosto somente porque não conseguiam obter um papel assinado por um juiz? A reportagem seria mais precisa se dissesse que o número de "separações legalizadas" aumentou em virtude de facilidades na burocracia. Consegue perceber a diferença? Está certo, talvez eu esteja exagerando, com mania de teorias da conspiração. Quem sabe o repórter tenha apenas inocentemente interpretado os dados de forma equivocada (não estou tentando ser irônico). Ou mais simples ainda, quem sabe tenha sido eu quem entendeu errado.

Voltando: Não parece estranho? Seria planejado, popularizar que aos sete anos de relacionamento todos os casais passam por uma crise, enquanto a estatística diz diferente? Ou seria mero acaso? Talvez apenas leviandade? Por que não veiculam que cada casal faz o seu próprio relacionamento?

O mesmo "mundo" que prega que podemos conquistar o que desejarmos, com nosso esforço e dedicação, acaba criando regras, sugerindo regras, falácias, que dificultam ou impedem o nosso "sucesso". Qual seria o objetivo de nos abrirem o mundo e ao mesmo tempo criarem obstáculos; e pior, obstáculos que não necessariamente existem? Deixo claro desde já que não conseguiremos responder essa pergunta, mas não estamos escrevendo (eu) e lendo (você) este texto para obtermos respostas, mas sim para fazermos perguntas, correto?

Desviando: Não teremos a resposta, mas presenciei algo que cogito ser uma boa analogia. Dias atrás eu vi um Palio no trânsito. Estava com o vidro traseiro coberto por um grande símbolo da Nike, o logotipo da marca. Fiquei pensando, "a menos que o motorista trabalhe para a empresa, ele está tentando passar uma imagem de que é 'descolado', independente, arrojado, alguém que todos gostariam de ser ou ter como amigo". Essa aparência é buscada, provavelmente, por influência de propagandas da marca, que geralmente apresentam o mesmo estereótipo como propósito de vida. Porém, mal sabe o dono daquele automóvel que todas essas ideias teriam sido criadas na mente dele com um único objetivo, aceitar fazer a propaganda da Nike de graça. Já falei neste texto que nossas ideologias nem são nossas mesmo.

Voltando: Há quem se deixe iludir por uma marca, outros por uma ideia. Há quem não se iluda por nada, mas essa pode ser a mais profunda de todas as ilusões. Não consigo deixar de ir além com minhas dúvidas. Quais são outras ideias que existem por aí, de forma análoga a "crise dos sete anos", cuja origem também não conhecemos, que talvez nem existam, e que mesmo assim assumimos como verdade absoluta? Quem está "vendendo" as ideologias? Incomoda-me muito ter essa dúvida, não porque ela não será esclarecida, mas sim pelo fato de que estar ciente dela não é suficiente para livrar-me de seu contexto.

Enfim, tenho a nítida impressão de que estou participando daqueles jogos onde pedem para escolher uma entre três portas. Duas delas escondem cabras e apenas uma possui um prêmio. Por que colocar a recompensa atrás de apenas uma entre três portas? Por que as portas?

"Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
(...)
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhes nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
(...)
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em que"

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