"É necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal."
Após a Primeira Guerra Mundial, além de sair derrotada da batalha, a Alemanha sofreu severas imposições fiscais, econômicas e políticas impostas pela França e Inglaterra. Foi criado o Tratado de Versalhes, que obrigava o país germânico a pagar elevadas indenizações à Rússia, França, Inglaterra e EUA. Ela também foi obrigada a devolver a Alsácia e a Lorena para os franceses, ceder o Corredor Polonês à Polônia e ajudar na reconstrução econômica dos países europeus devastados pelo combate. Todas essas medidas desfavoráveis geraram um senso de humilhação no povo alemão, suscitando um espírito revanchista. Somada à todas as imposições econômicas, o Crash de 1929 acentuou ainda mais a crise financeira do país, levando milhares, ou milhões, de alemães à miséria. Todo este cenário favoreceu o surgimento de políticos autoritários, entre eles, Adolf Hitler que, rancoroso pela derrota alemã, foi fundamental na ascensão do Nazismo, culminando na Segunda Guerra Mundial.
Enfim, o povo alemão estava inserido em um contexto que tornou lógicos os discursos de Hitler, curativos para as feridas. Entretanto, as demais nações, afastadas da conjuntura interna da Alemanha, perceberam a "irracionalidade" dos atos e das decisões. A partir de um ponto de vista externo, os problemas morais e éticos da nova ideologia tornavam-se visíveis.
A constatação da diferença entre os dois pontos de vista (interno e externo), me fez questionar, se nosso mundo estiver integralmente inserido em um contexto social, econômico e político, que nos insinue uma trajetória cujo desfecho não é favorável à humanidade – em todos os sentidos da palavra –, como perceber que seguimos pelo caminho errado, uma vez que não há outro mundo com o qual comparar o nosso? Neste caso, como as "irracionalidades" de nossos comportamentos e ideias poderiam ser reveladas?
Lembro claramente de uma máxima que aprendi quando criança. Eu a escutava dos familiares, dos professores, de apresentadores de televisão, em desenhos animados, lia em livros, em histórias em quadrinhos etc, e ela dizia, "nada justifica a violência". Com este conceito, eu aprendi que sempre há uma forma racional e justa de resolver qualquer problema – reitero a palavra "qualquer". Ouvir essa ideia sendo repetida incansavelmente, me fez absorvê-la como algo verdadeiro e absoluto. Ela passou a delimitar a fronteira entre resolver um problema e tornar-me parte dele. Apesar da consciência de que não consigo agir desta maneira sempre, ela é o meu juiz invariavelmente. Quero dizer, quando o "coração esfria", não consigo racionalmente concluir que agi bem, tendo sido violento, qualquer que seja a situação. Tornou-se parte da minha "programação".
Já assumi que, como seres emocionais, é muito difícil nos controlarmos em determinadas situações. Assim como fez recentemente uma atriz, que esbofeteou uma mulher por cometer atos racistas contra sua filha. Ou como a atitude de um homem, que desferiu um soco na face de outra pessoa racista. Reações como estas sempre existiram. As duas vítimas tiveram atitudes absolutamente previsíveis. Não foi isso o que me espantou. O que me choca, atualmente, é o fato de nossos absolutos estarem sob desconstrução. Veja, você pode conferir aqui um artigo onde o colunista diz claramente: "há situações que justificam a violência"; entre outras expressões igualmente alarmantes. Mesmo na reportagem da atriz, que compartilhei links acima, o tom da manchete e do texto é que os tapas não foram agressão, mas apenas confronto físico. Repito, não me preocupa quem está com o coração quente, o que me assusta é o tom justiceiro de quem está com a cabeça fria.
Nós ao menos nos lembramos que as Cruzadas no Oriente Médio, o Nazismo na Alemanha, o Fascismo na Itália, o Genocídio em Ruanda, as ditaduras de Mao Tsé-Tung, Stalin e Genghis Khan foram todos empreendidos por pessoas com cabeça fria, pautando-se na premissa de que havia algo que justificasse a violência?
Desviando: No meu livro, Formigueiro 52A, tanto no conto "A pergunta de um milhão" quanto em seu comentário, eu sugeri que uma pessoa não deveria ser medida por sua capacidade de matar pela verdade, mas por sua disposição em morrer por ela. É claro que matar e morrer são dois extremos e que, apesar de eu achar mesmo que precisamos estar prontos à possibilidade dessas opções, nós deveríamos ficar atentos a todas as situações que podem ser representadas metaforicamente por elas. Um exemplo seria, mergulhar em uma discussão política até uma consequente divisão (matar), ou render-se à inevitabilidade das ideias fixas de outrem (morrer).
Voltando: É prudente esclarecer que não considero os meios de comunicação os "desconstrutores" dos absolutos, entendo que eles são somente uma entre as diversas formas usadas pela sociedade para expressar a si mesma. Novamente, meu susto é com o fato de estarmos alterando o que deveria ser imutável, e que, inclusive, até aqui nos ajudou a manter o demônio acorrentado.
Indo além, nossa sociedade, seja por qual motivo for, válido ou não, nem ao menos acredita mais na justiça sendo promovida por órgãos competentes. Você pode fazer uma busca rápida na internet e encontrar inúmeros casos de pessoas que foram expostas através de mídias sociais e submetidas a condenações públicas, inclusive com sentenças já colocadas em prática, antes mesmo de serem denunciadas à Justiça – quando o foram. Falei disso aqui também. Talvez alguém diga que o judiciário não tem sido competente. Porém, devemos lembrar que ele é mais uma forma de expressão da sociedade. Então, quem continua sendo o responsável? Já falei aqui sobre o surgimento do Quarto Poder.
Se não existir uma ética e uma moral acima de nós, qual será o limite? Hoje podemos dar tapas e socos em pessoas racistas. Entretanto, quando nossas mentes estiverem cauterizadas para esse tipo de violência, o que satisfará nossa índole, ego, honra, ou o que for? Fuzilamento? Fogueiras? Guilhotina? Apedrejamento? E no próximo ano, quais serão os motivos que passarão a justificar a violência? Percebe? Vale observar que tampouco pensamos ainda na seguinte questão, a massa pública é realmente justa?
Por fim e de qualquer modo, a minha dúvida permanece. Como identificar se estamos no caminho certo? Com o que, ou com quem podemos nos comparar? Para não estarmos perdidos, é necessário que exista algo verdadeiro e absoluto além de nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário