"Ninguém se conhece tão bem como aquele que mais desconfia de si próprio."
A pirataria moderna refere-se ao
desrespeito aos contratos e convenções de cópia, venda e distribuição de
produtos, de forma que não haja a devida remuneração aos verdadeiros
proprietários intelectuais, criadores, autores ou distribuidores. Copia-se de
tudo, roupas, calçados, utensílios domésticos, remédios, livros, filmes, séries
de TV, softwares, jogos eletrônicos e músicas. Estima-se que o Brasil perca em torno de 130 bilhões de reais por ano com pirataria.
Na maioria das vezes é muito fácil diferenciar os produtos falsos dos
verdadeiros. Destaca-se o fato de que os produtos piratas estão muito aquém dos
originais em qualidade. Mas é claro que há tanto quem não se preocupe em ter
produtos falsos, quanto quem prefira adquirir apenas produtos genuínos.
Uma pessoa que critica os produtos falsos, inevitavelmente está defendendo
a autenticidade dos produtos verdadeiros. Em outras palavras, ao ser contra o
falso, se opta pelo verdadeiro. Não dá para ser contra o falso e o verdadeiro.
É uma posição booleana. Esse raciocínio é
tão claro em nossa mente que, ao ler o que eu escrevi, parece que estou
tornando complexo algo muito simples. Porém, o ponto é que quando fazemos essa
conta com laranjas e não com maças, esse raciocínio não fica tão claro assim.
Então, vamos falar de laranjas...
Recentemente, chegou aos meus ouvidos uma declaração de uma atriz e
bailarina brasileira. Ela disse que está cansada de falso moralismo. Perguntei-me
então, se existir moralismo verdadeiro, ela buscará praticá-lo?
Vamos pensar em uma lista de padrões postulantes a moralmente
verdadeiros, entre eles: roupas decentes (tanto para homem quanto para mulher,
obviamente; nós já pensamos em sexo muitas vezes ao dia, ser lembrado com
imagens nos raros momentos em que não pensamos pode ser estressante); sexo com
um único parceiro (como profilaxia); manter durante toda a sua vida um único
matrimônio (sinônimo de sexo com um único parceiro, que é sinônimo de
profilaxia); não usar palavras de baixo calão (afinal de contas, usá-las
demonstra também um vocabulário escasso diante de tão rico idioma); ser fiel ao
parceiro(a) e aos amigos; tomar decisões pautadas pela honra e não pelos ganhos
(pode até salvar sua vida); ensinar os filhos a "guardarem" seus corpos para o
matrimônio (sinônimo de profilaxia e de método contraceptivo); dar audiência a
músicas que tenham bom conteúdo poético, melódico e harmonioso, ao invés de
nádegas em vídeo clipes (ajuda as crianças a "guardarem" seus corpos até o
matrimônio, aquela história de profilaxia e métodos contraceptivos); achar que
o problema da retomada dos altos índices das doenças sexualmente transmissíveis
é da cultura pró-sexo, mas não da moralidade, ao contrário do que esta matéria está dizendo.
Desviando 1: Para mim é muito estranho acreditar que o aumento das taxas
de açúcar no sangue é causado por uma dieta pobre em açúcar, mas sei que há
quem possa acreditar nisso. Se a moral é responsável pelo aumento das taxas de
doenças sexualmente transmissíveis, estamos perdidos, pois duvido que a
libertinagem seja a cura. Sinto como se fosse contra o falso e o verdadeiro ao
mesmo tempo. Mas enfim, deve haver um motivo para pensar assim.
Desviando 2: Pensando especificamente naqueles exemplos, lembrei-me de
uma piada. Um homem leva sua esposa ao zoológico. De frente à jaula do gorila,
ele pede para que ela se insinue para o macacão. Ela aceita o desafio e tira
algumas peças de roupa. Até ameaça se despir completamente. Quando o gorila fica
descontrolado, o marido abre a jaula e fala à mulher, "agora convença-o de que
você está com dor de cabeça". É só uma piada, mas tem um grande fundo de verdade.
Pensemos em todos os estímulos sexuais aos quais todos são submetidos
diariamente. Destaque-se que os que mais sofrem são aqueles cujas doses
cavalares de hormônio estão circulando nas veias. Depois de bombardeá-los com estímulos
como esses, intensamente, tente alertá-los de que precisam ter autocontrole,
para evitarem doenças sexualmente transmissíveis, ou gravidez precoce. Ah sim,
ainda resta a alternativa do "meu corpo, minhas regras".
Voltando tudo: Tenho certeza que cada um de nós teria pelo menos uma
dezena de padrões morais verdadeiros para listar (caso você não concorde com os
meus poucos exemplos, pegue papel e lápis, liste os seus, vai funcionar também,
com o resto deste texto). Portanto, eu me pergunto, dessa pequena lista (ou da
sua), quais entre esses itens são padrões morais falsos?
Onde quero chegar? Se aqueles itens puderem mesmo ser considerados padrões
morais verdadeiros, e se eles prevalecessem na nossa atual sociedade, com
extremo rigor (refiro-me a prática e não a imposição), aquela atriz seria
contra eles, ou ela os apoiaria? Ela é contra algum desses itens, ou ela é contra
quem se diz a favor deles, mas não os pratica? A crítica dela é para que a
moralidade seja adotada? Posso assumir que ela não é uma falsa moralista,
portanto, exerce aqueles preceitos listados (ou os que você listou)? O que ela
está criticando de verdade?
Na minha opinião, nós não pensamos antes de falar, tampouco pensamos no
que ouvimos. Valemos-nos de um bocado de clichês carregados de significados,
mas que não significam nada de fato. Já falei aqui, aqui, aqui e aqui que algumas palavras
e expressões já foram usadas tantas vezes que não pensamos mais nas definições
delas, mas apenas as engolimos.
O problema é a hipocrisia (ou a solução para nossas dúvidas?). A nossa
sociedade não quer moralismo, ela quer libertinagem. Porém, para que durmamos
em paz à noite, nós não discutimos moralidade, mas discutimos hipocrisia como
se estivéssemos discutindo moralidade. Já ouviu essa expressão "faça o que eu
digo, mas não faça o que eu faço"?
Eu te pergunto, qual a sua opinião? Você está cansado de falso moralismo?
Se estiver, vamos botar a moralidade verdadeira para funcionar? Ou você não dá
a mínima para a moralidade propriamente dita, mas apenas se irrita com a
hipocrisia? Perceba, não estou dizendo que temos que ser moralistas, ou
libertinos. Cada um se responsabilize por si. O que eu estou tentando fazer é
conhecer a mim mesmo. Quero saber quem eu realmente sou. Quero ser sincero comigo
mesmo. Pois, sei que tem uma onda aí fora que tenta me empurrar, mas não sei
para onde, portanto não sei se quero ir.
Nós nos satisfazemos em parecer, mas não queremos ser de verdade. Eu já
falei aqui e aqui sobre a nossa mania
de querer validar o que desejamos acreditar, ao invés de querer conhecer a
verdade em si mesma. Já prestou atenção no significado da expressão "a verdade
doa a quem doer"? Você se dispõe a deixar doer em prol da verdade? Ou é só mais
uma expressão usada por pessoas que estão cansadas de falso moralismo? Usando a
metáfora da pirataria, você topa pagar mais caro pelo produto verdadeiro?
Desviando: Certa vez conheci um jovem muito sincero, ou talvez o mais
consciente de si mesmo. Ele era ateu (ou ainda é, perdi contato). Perguntei, "você decidiu ser ateu lendo a Bíblia?" Ele respondeu, "eu não me a risco a ler a Bíblia, não
quero passar a acreditar."
Voltando: Certa vez forcei o seguinte diálogo com uma pessoa.
Eu: Você quer conhecer a verdade ou quer ter razão?
Ele: Quero conhecer a verdade.
Eu: Você é progressista?
Ele: Sim.
Eu: Você lê livros sobre conservadorismo?
Ele: Não.
Eu: Então, você não
deseja ponderar os pontos prós e contras em busca da verdade. Você é apenas uma
criança querendo ser alimentado com coisas que você gosta. Você quer que massageiem
seu ego, reforçando aquilo em que você quer acreditar. Você quer ouvir apenas pensadores
que concordem com você.
Terminei o dialogo dizendo: "Não pense que eu sou diferente de você. Não
foi esse o meu propósito com essa conversa. Não pense que eu estou tentando
mudar a forma como você é. Eu apenas estou querendo que você duvide de si
mesmo."
Em tempo: Como imagino que tenham surgido algumas discrepâncias entre as
nossas listas de padrões morais, mesmo considerando que foram apenas exemplos
pensados sem tanto critério, deixo esse link aqui
sobre a questão, se a moral é obsoluta ou não. Talvez você possa se interessar.