domingo, 29 de julho de 2018

Quem Sou Eu?

"Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta; caso contrário, estarei reduzido à resposta que o mundo me der."



Quase duas décadas atrás, o vestibular para certa universidade era executado em duas fases distintas. A primeira delas era composta por 180 questões, do tipo múltipla escolha, sobre conhecimentos gerais em português, matemática, física, química, biologia, geografia, historia e inglês. Quem fosse aprovado obteria acesso a uma segunda fase, composta por mais quatro dias de provas. Na segunda etapa, as questões eram dissertativas e as provas específicas por área. Por exemplo, quem almejasse um curso na área de exatas faria as provas de português (incluindo redação), matemática, física e química, sendo cada uma delas aplicada em um dia diferente. Portanto, para poder cursar engenharia, por exemplo, era de se esperar que a preparação para o vestibular demandasse algum esforço, pois apenas os 850 melhores classificados, entre um pouco mais de 13 mil candidatos, seriam aprovados para aquele curso.

Certo ano, depois de um vestibular como aquele, um dos aprovados, já cursando o primeiro ano de engenharia, não participava das aulas. O curso era integral, mas o jovem passava todo o dia no grêmio estudantil entre partidas de sinuca e TV. Quando questionado porque teria se esforçado para ser aprovado para o curso, mas então não o frequentava, respondeu que passou no vestibular apenas porque seus pais queriam que ele o fizesse. Coincidentemente, ou estatisticamente, naquele mesmo ano, outro aluno de engenharia havia planejado desistir do curso, e assim o fez, com a prerrogativa de que os professores tinham péssima didática. De fato, os docentes não entregavam nada de "mão beijada". Há mesmo uma grande diferença entre um curso de alfabetização e um curso profissionalizante.

Enfim, naquela época, pareceu haver alguma coisa errada nas justificativas daqueles dois alunos, mas não consegui traduzir em palavras. Hoje, eu já entendo o que estava estranho, foi o fato de ambos terem terceirizado a responsabilidade de suas escolhas e decisões. A aprovação no vestibular de um foi creditado aos pais, a desistência do curso pelo outro foi creditado aos professores.

Atualmente, pensando em tudo isso, faço algumas perguntas a mim mesmo. Quem eram eles? Quem sou eu? Que escolhas eu faria, que decisões eu tomaria, se estivesse sozinho no mundo? Eu seria exatamente igual? Pois foi aí que eu percebi, eu estou sozinho no mundo, pelo menos do ponto de vista das decisões. As escolhas relacionadas a minha vida, por mais que possam ser expostas e aconselhadas, só poderão ter a minha palavra final. Ninguém poderá decidir por mim.

Vamos considerar que depois da morte exista um julgamento, quando deverei prestar contas de minhas decisões e atitudes. Eu fico imaginando um juiz ouvindo todas as minhas justificativas. Se elas forem direcionadas a alguém diferente de mim, depois de todo o meu discurso de defesa, provavelmente, o mesmo juiz me pergunte: "tudo bem, dentro de tudo isso que você expôs, onde está você? quando foi você? quem foi você?". Quer saber de um baita problema? Eu não sei responder essas questões mesmo hoje. Mas não é essa incapacidade que vai nos impedir de continuar pensando sobre o assunto, certo? Por isso, lembrei-me de mais dois exemplos.

Desviando: Você não acha intrigante o fato de uma ideia tão batida sobre um julgamento final ter tanto a nos ensinar sobre o hoje? E que, mais curioso ainda, essa ideia nos ensine mais sobre o hoje do que sobre um amanhã etéreo, diferente da forma como costumamos rotular? Isso provoca em mim um grande desejo em querer saber mais sobre esses ensinamentos milenares, pois parece-me que lá posso encontrar tudo, ou pelo menos parte, sobre o que nos define como humanos.

Voltando: Um dos dois exemplos está relacionado a um conhecido, que diz que não busca a Deus porque todos aqueles que ele conhece, e que O buscam, são maus exemplos. Fico pensando, não seria mais fácil dizer que não se interessa sobre o assunto Deus? Fato é que ele está se eximindo da responsabilidade. Com aquele tipo de justificativa, ele está literalmente dizendo "não sou eu". E concordo, é difícil dizer "eu vou por esse caminho; se eu estiver errado, a responsabilidade é minha". É mais fácil tentar deixar as duas portas abertas, e a melhor maneira de fazer isso é tirando o fardo dos próprios ombros, lançado-os sobre ombros alheios.

O segundo exemplo ocorreu há alguns dias. Eu presenciei alguém sendo muito grosseiro com uma pessoa "simples" – se é que podemos dizer que existam pessoas "simples". Respondi de bate pronto, "que grosseria é essa?". O "cavalo" respondeu, "pessoas pouco letradas só entendem as coisas na base do chicote". Então, respondi que isso era mentira, que ele estava sendo rude e jogando a responsabilidade da própria ignorância sobre o outro, assim não necessitaria exigir paciência de si mesmo, por exemplo. Você consegue perceber? Sobre a perspectiva do brutamontes, ele não vai precisar olhar para si mesmo enquanto existirem pessoas que ele julga serem merecedoras de "porrada". Na mente dele, a responsabilidade não é dele em ser grosseiro.

Desviando: A propósito, eu não consigo entender a maldade nesse mundo. A maioria das pessoas tenta fazer parecer que a bondade vem de dentro, enquanto a maldade estaria sempre condicionada ao que vem de fora. Então quer dizer que a bondade existe porque somos essencialmente bons? E a maldade porque somos forçados a sermos maus? Não faz sentido. Lorenzo Mammi, no prefácio do livro Confissões de Santo Agostinho, disse: "Se Deus está dentro de nós, é lá que devemos procurá-lo. Ele será aquilo que, em nós, não podemos atribuir a nós mesmos. Aquilo que sobra quando eliminamos tudo". Pensando sobre essa colocação, eu verifiquei em mim que o automático, o instinto, os desejos e as vontades que possuo são todos egoístas. Se não forem controlados, farão com que eu passe por cima de qualquer um. Ou seja, é justamente o contrário, a bondade é o que vem de fora, é algo que busco como referência em algum lugar externo, e que uso para tornar o meu caráter cativo a moralidade.

Voltando: Onde eu estou nisso tudo? Por que as minhas decisões, a minhas vontades, o meu caráter, a minha polidez ou a falta dela, as minhas escolhas e tudo o que eu digo que sou estão condicionados aos outros? Que parte de mim não depende das outras pessoas? Quem sou eu? Quem é você?