domingo, 27 de agosto de 2017

O Que Falta para a Inteligência Artificial?

"A consciência é um instinto que faz que nos julguemos à luz das leis morais. Não é mera faculdade; é um instinto"
Kant

Em 1956, John McCarthy cunhou o termo Inteligência Artificial. Os desenvolvimentos nesse campo foram iniciados logo após a Segunda Guerra Mundial, com o artigo "Computing Machinery and Intelligence" do matemático inglês Alan Turing. Os principais pesquisadores definem essa área como "o estudo e projeto de agentes inteligentes", onde agente inteligente é um sistema que percebe seu ambiente e toma atitudes para maximizar suas chances de sucesso.

Tomando essa definição para agente inteligente, eu fiquei pensando... Um cachorro é uma inteligência, pois ao "implorar" por uma migalha da mesa de seu dono, ele está buscando maximizar suas chances de sucesso. Concluo, então, que uma inteligência não está necessariamente relacionada a racionalidade, a consciência e a identidade, como poderia instintivamente sugerir um primeiro pensamento. Portanto, nossa tarefa de desenvolver uma inteligência artificial fica muitíssimo mais complexa do que podemos estar imaginando, uma vez que há certa dificuldade em responder a pergunta, "o que é inteligência?".

Outro problema é o fato de tomarmos o ser humano como o padrão de inteligência a ser imitado artificialmente. Sem perceber, limitamos o conceito quando decidimos nos copiar. Por exemplo, uma inteligência artificial deveria trabalhar com símbolos e sons que sejam semelhantes a palavras e ideias da forma como usamos? Ou poderia haver outro tipo de comunicação, algum processamento sub ou supra simbólico além de nossas capacidades? E por que há o problema em tomarmo-nos por referência? Porque nem sabemos se somos inteligentes mesmo.

Desviando: Sobre esse assunto, de outras possibilidades para padrões de inteligência, recomendo o conto "A História da sua Vida" de Ted Chiang, inspiração para o filme "A Chegada", ou mesmo o filme.

Voltando: Já que mencionei um cachorro no início, vou estender meu exemplo ao bicho de estimação da família. Quando eu vou comer alguma fruta, uma maçã, por exemplo, a cadelinha ergue as orelhas e arregala os olhos. Se fico parado, senta-se diante de mim. Se me movo, segue-me pela casa onde quer que eu vá. Quando paro no sofá, ela se senta na minha frente e fica me encarando. Uma espécie de ritual, implorando por um pedaço da suculenta e adocicada maçã. Tomando uma lasca, eu vou com a mão na direção da boca do animalzinho. Ela se levanta, apoia as duas patas dianteiras na beirada do sofá e, com cautela, abocanha a fatia que lhe dou (eu aposto que ela pensa que tomou a maçã de mim). Então, ela volta-se para si e para sua fome e, tão logo termine de comer o que tem, fixa a sua atenção em mim novamente.

Como sabemos, os animais são seres irracionais. Portanto, o comportamento da cachorrinha que acabei de descrever é baseado em instinto. Atos puramente mecânicos. Ela age em busca de comida da mesma forma que corremos para o banheiro quando temos uma dor de barriga.

Dias atrás aconteceu algo comigo que achei muito estranho. Levantei-me do sofá e fui até a cozinha. Sobre a mesa, retirei a tampa da fôrma que acondicionava um bolo. Na gaveta peguei uma faca, com a qual cortei uma fatia. Eu senti e vi a faca primeiro forçando a maciez e depois cortando a fatia. Comi. Fui com a faca novamente até o bolo para separar outro bocado. E desta vez, enquanto a faca ainda forçava a massa, "acordei". O que eu estou fazendo? Comendo um bolo? Mas não lembro-me de ter sentido fome, tampouco de ter concluído que para saciá-la deveria ter vindo até a cozinha pegar uma fatia de bolo. Nem ao menos me lembro de ter caminhado até aqui.

Descrevi a situação do ponto de vista de quem acordou depois que tudo aconteceu, mas não do ponto de vista de uma pessoa que planejou o que iria fazer. Meus atos foram tão mecânicos quanto uma pessoa que repete diariamente o mesmo caminho com o carro e, ao chegar ao seu destino, percebe que fez tudo no automático, sem ter prestado atenção no trajeto.

Nós podemos ter centenas de pensamentos a cada hora, pensamentos incontáveis, e dos quais não conseguimos nos lembrar. Inevitavelmente acabei fazendo algumas perguntas. Quão mecânico eu tenho sido? No meu dia a dia, por onde anda a minha consciência? Para o que ela tem servido de fato? O que ela é? Ela existe mesmo? Talvez ela seja somente mais um artifício, apenas um instinto que descobriu que existe.

Desviando: Ultimamente tenho acreditado que, na história da humanidade, as ideias evoluíram mais rápido do que a linguagem. Milênios atrás alguns conceitos universais e atemporais já haviam sido pensados, e mesmo hoje não conseguimos descrevê-los apropriadamente. Por isso, muitas palavras soam como simples alegorias e, consequentemente, tem seu significado banalizado, ou desacreditado. A exemplo da dúvida que ocorreu-me sobre inteligência e consciência, tenho deixado de acreditar que sei o significado de algumas palavras apenas porque elas foram sempre usadas. Na medida de minhas capacidades, tenho pensado mais sobre elas, pois significam mais do que a primeira impressão pode revelar. Começo a olhar diferente, por exemplo, para conexões entre instinto, carne, trevas e pecado, ou entre razão, espírito, luz e pureza. E cada dia que passa, parece-me que o Sábio era (ou é?) mais sábio do que eu pensava.

Voltando: Eu já contei aqui aquela história do macaco que se tornou humano por um dia e ao final das 24 horas, ao voltar a ser macaco, não tinha ferramentas e capacidades suficientes para explicar a humanidade aos demais de sua espécie. Desta vez, gostaria de propor uma reflexão diferente, e se nós nos tornássemos chimpanzés por um dia e, ao retornarmos à condição de humano, descobríssemos que não temos agido diferente deles, mas seja apenas a mesma questão de saciar o próprio apetite, só que em proporções maiores e de forma dissimulada?

É, talvez tudo resuma-se a somente isso. O dia que criarmos uma máquina que sente fome teremos criado a inteligência artificial.