domingo, 9 de outubro de 2016

O Inferno Somos Nós Outros

"Qualquer um que tenha violado um tabu torna-se tabu porque possui a perigosa qualidade de tentar os outros a seguir-lhe o exemplo."
Sigmund Freud


Conhece aquela história do marido super fiel, mas que possui uma esposa muito, muito "zelosa"? Ela vive desconfiada de seu parceiro, descarregando todo o seu ciúmes sobre ele, tratando-o como se estivesse mesmo "pulando a cerca". Um dia ele percebe que está pagando por uma divida que não tem e sem tirar "proveito" da situação de fato. Então, o confiável marido decide fazer por merecer, consuma a infidelidade.

Hoje eu darei motivo para ser considerado mentalmente preguiçoso, pois de fato não vou pensar. Eu vou transcrever o que disse alguém que possui mais crédito na esfera intelectual (interessante eu ter usado a palavra "mais", sugere que eu também tenha crédito). As palavras que serão reproduzidas constituem parte de uma entrevista com o filósofo Luiz Felipe Pondé para a revista Veja, na edição de 13 de Julho de 2011 (espantou-me esse tipo de entrevista na Veja).

Como fiquei sabendo desta matéria? Eu vi uma postagem com o vídeo abaixo que citou a entrevista. Aliás, percebam que o vídeo foi produzido pelo mesmo filósofo. Importante, sem teoria da conspiração, não fiquei sabendo antes da entrevista simplesmente porque não leio a Veja e não a leio por pura preguiça.


Desviando: Já que compartilhei o vídeo acima, aproveito para citar o trecho dele que achei mais interessante, foi quando o filósofo comparou o fascismo ao plano, sabe-se lá de quem (pertinente mencionar isso), de utilizar a escola para "orientar" as crianças sobre escolhas de sexualidade. Nunca tinha feito essa observação. Lembrei-me que, na minha época de criança, falar sobre sexualidade era um tabu. Não que isso seja necessariamente o correto, mas acabei constatando que, talvez, um tabu tenha lá sua função, o de evitar que coloquem ideias nas nossas mentes quando ainda não pensamos a respeito, ou quando ainda não ouvimos a opinião de pessoas que julgamos confiáveis (os responsáveis por nós, por exemplo).

Outro exemplo de tabu pode ser a fé (não vamos falar de religião, pois é corruptível). Dependendo do quanto você pode estar despreparado sobre esse tema, considerá-lo um tabu o protegerá de ser influenciado por alguém que tenha seus métodos de manipulação de "massas".

Ainda desviando: Já que falei de fé, tive outra lembrança. Certo dia pediram para que eu fosse claro sobre o que acredito, pois diante de tanta insatisfação com o mundo seria de se esperar que eu fosse do tipo suicida. Interessante, pois falei justamente sobre isso com minha esposa (psicóloga) recentemente. Eu disse a ela que, para resolver um problema insolúvel, eu acredito ser do tipo que se suicidaria, mas que não mataria. Ela respondeu, "isso você faz mesmo". O verbo fazer no presente bombardeou minha mente de significados mais rápido do que eu pude citar apenas um deles.

Enfim, quais as minhas convicções? Acredito que por mais que eventualmente eu consiga ter alguns sucessos, eu nunca conseguirei ser de fato uma pessoa boa (já falei da escala da bondade aqui). A humanidade nunca vai melhorar no sentido de ser. Nos milênios que se passaram nem sequer mostramos essa tendência. Penso que a transformação só poderá vir de fora. O ponto é, como resolver esse "pessimismo" ao invés de afogar-me em uma banheira? Sugiro essa leitura, mas atendendo ao pedido por clareza, eu escolhi acreditar no único Deus que, ao invés de pedir que nós O alcançássemos através de nossas forças, ofereceu vir nos buscar. Justamente por saber de nossas limitações, Ele apareceu por aqui como pessoa pedindo que apenas confiássemos Nele. Eu nunca tive uma experiência sobrenatural que justificasse a minha escolha, apesar de não conseguir explicar racionalmente algumas coisas, por isso percebi que não fui convencido pelos feitos excepcionais, mas sim pelas palavras. A promessa por uma realidade transformada, assim como quem acorda de um pesadelo pela manhã, é o que mantém-me longe da banheira. Descobri que o plano não sou eu, mas que apenas faço parte, mesmo quando há favores aparentemente em meu benefício, pois se a finalidade fosse a minha pessoa, eu estaria apresentando-me como deus, mas não falando Dele na terceira pessoa. Aliás, já falei exatamente disso aqui.

Voltando tudo: Acabo de perceber que, apesar de não ter fugido ao tema, pensei demais. Há quem possa dizer que expus minha alienação, como quem solta os micos de circo. Prolonguei-me por um assunto geralmente considerado um tabu e isso pode sugerir uma tentativa de exercer influencia. Enfim, transcrevo as palavras de alguém letrado e que, por isso, consegue convencer melhor de que não está querendo convencer ninguém de nada. A única ressalva é que, diferente dele, eu acredito que o tema transcenda a filosofia.

"Veja: Por que a política não pode ser redentora?

Pondé: O cristianismo, que é uma religião hegemônica no Ocidente, fala do pecador, de sua busca e de seu conflito interior. É uma espiritualidade riquíssima, pouco conhecida por causa do estrago feito pelo secularismo extremado. Ao lado de sua vocação repressora institucional, o cristianismo reconhece que o homem é fraco, é frágil. As redenções políticas não têm isso. Esse é um aspecto do pensamento de esquerda que eu acho brega. Essa visão do homem sem responsabilidade moral. O mal está sempre na classe social, na relação econômica, na opressão do poder. Na visão medieval, é a graça de Deus que redime o mundo. É um conceito complexo e fugidio. Não se sabe se alguém é capaz de ganhar a graça por seus próprios méritos, ou se é Deus na sua perfeição que concede a graça. Em qualquer hipótese, a graça não depende de um movimento positivo de um grupo. Na redenção política, é sempre o coletivo, o grupo, que assume o papel de redentor. O grupo, como a história do século 20 nos mostrou, é sempre opressivo.

Veja: Em que o cristianismo é superior ao pensamento de esquerda?

Pondé: Pegue a ideia de santidade. Ninguém, em nenhuma teologia da tradição cristã – nem da judaica ou islâmica –, pode dizer-se santo. Nunca. Isso na verdade vem desde Aristóteles: ninguém pode enunciar a própria virtude. A virtude de um homem é anunciada pelos outros homens. Na tradição católica – o protestantismo não tem santos –, o santo é sempre alguém que, o tempo todo, reconhece o mal em si mesmo. O clero da esquerda, ao contrário, é movido por um sentimento de pureza. Considera sempre o outro como o porco capitalista, o burguês. Ele próprio não. Ele está salvo, porque recicla lixo, porque vota no PT, ou em algum partido que se acha mais puro ainda, como o PSOL, até porque o PT já está meio melado. Não há contradição interior na moral esquerdista. As pessoas se autointitulam santas e ficam indignadas com o mal do outro."

Essa entrevista de 2011 está mais atual do que parece. Eu vi recentemente um líder de esquerda comparar-se a Jesus Cristo (o Deus que mencionei anteriormente).

"Veja: O senhor acredita em Deus?

Pondé: Sim. Mas já fui ateu por muito tempo. Quando digo que acredito em Deus, é porque acho essa uma das hipóteses mais elegantes em relação, por exemplo, à origem do Universo. Não é que eu rejeite o acaso ou a violência implícitos no Darwinismo – pelo contrário. Mas considero que o conceito de Deus na tradição ocidental é, em termos filosóficos, muito sofisticado. Lembro-me sempre de algo que o escritor inglês Chesterton dizia: não há problema em não acreditar em Deus; o problema é que quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra bobagem, seja na história, na ciência ou sem si mesmo, que é a coisa mais brega de todas. Só alguém muito alienado pode acreditar em si mesmo. Minha posição teológica não é óbvia e confunde muito as pessoas. Opero no debate público assumindo os riscos do niilista. Quase nunca lanço a hipótese de Deus no debate moral, filosófico ou político. Do ponto de vista político, a importância que vejo na religião é outra. Para mim, ela é uma fonte de hábitos morais, e historicamente oferece resistência à tendência do Estado Moderno de querer fazer a cura das almas, como se dizia na Idade Média – querer se meter na vida moral das pessoas.

Veja: Por que o senhor deixou de ser ateu?

Pondé: Comecei a achar o ateísmo aborrecido, do ponto de vista filosófico. A hipótese de Deus bíblico, na qual estamos ligados a um enredo e um drama morais muito maiores do que o átomo, me atraiu. Sou basicamente pessimista, cético, descrente, quase na fronteira da melancolia. Mas tenho sorte sem merecê-la. Percebo uma certa beleza, uma certa misericórdia no mundo, que não consigo deduzir a partir dos seres humanos, tampouco de mim mesmo. Tenho a clara sensação de que às vezes acontecem milagres. Só encontro isso na tradição teológica."

Assumindo o risco de ser simplista demais, segundo Sartre, "o inferno são os outros", e eu passei a enxergar-me em todos eles.

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