"As verdades são frutos que apenas devem ser colhidos quando bem maduros."
Existem vários tipos de barreiras, ou muitas formas de criar uma. Em primeira instância, refiro-me àquelas mais diretas, como uma porta, uma parede, um muro, uma pedra, um monte e até mesmo um curso d'água. Entretanto, gostaria de focar em outras mais engenhosas.
Durante a pandemia, foi implantada a política do isolamento social, que culminou em algumas polêmicas. Entre elas, discutiu-se a possibilidade de uma cidade litorânea proibir a entrada de visitantes, na ocasião do primeiro feriado prolongado. No fim, o acesso não pôde ser negado, devido a alguma questão legal – algo relacionado ao direito constitucional de ir e vir. Porém, isso não impediu que um "bloqueio" fosse estabelecido: deixou-se somente uma cancela de pedágio aberta na autoestrada. Ou seja, não era que a cidade havia impedido o acesso, mas eram os turistas que "não queriam" visita-la – afinal, se as filas nos pedágios levam horas mesmo com todas as cancelas abertas, imagine com somente uma disponível. Em suma, uma barreira simples e eficaz foi engenhosamente implantada.
Este tipo de bloqueio indireto fez eu considerar algo maior. Um universo imensuravelmente grande é um tipo de barreira muito singular – no sentido matemático da expressão –, pois impede que seus limites sejam alcançados e superados precisamente por serem indetermináveis. É isso o que torna tudo muito "curioso". Aliás, isso torna o Universo singular ou engenhoso? Pondere por um instante o tipo de realidade que estaríamos vivendo se existisse um muro no céu. Enfim, assunto para outra ocasião.
Desviando: Há algum tempo tenho enxergado o Universo como uma festa surpresa de aniversário. Não pela comemoração em si, mas sim pela imprevisibilidade da situação do ponto de vista do aniversariante. A pessoa chega em casa, passa pela entrada com o cômodo principal ainda escuro. Ela joga a chave do carro sobre o aparador, tira os calçados, pendura o casaco no cabideiro, afrouxa os primeiros botões da camisa e, então, acende a luz. Nesse momento, o aniversariante toma um susto, ao perceber que aquele cômodo, indubitavelmente vazio em sua mente, acomodava dezenas de pessoas o espreitando, além de estar organizado completamente diferente do que presumia há poucos segundos. É como não saber que se poderia saber algo. Pois eu fico imaginando se, um dia, a "luz deste cômodo", que demos o nome de Universo, irá se acender.
Voltando: E então, qual o meu interesse em barreiras? É ter identificado bloqueios caracterizados pela forma como algumas palavras tem sido escritas. Você já leu algum texto na internet, ou viu a legenda de algum vídeo, ou qualquer outra escrita, usando palavras da seguinte maneira, M O R T E, VI0LÊNC14, S3X0, 4B0RT0, por exemplo?
Eu deduzi que, se estamos precisando usar "máscaras" para expressar ideias, significa que os algoritmos moderadores – ou as pessoas – não estão conseguindo "separar o joio do trigo". E isso, talvez, culmine em uma barreira indesejável.
Aliás, a descoberta da nossa incapacidade de moderar não é algo novo, mas é uma percepção milenar: "Os servos do dono do campo dirigiram-se a ele e disseram: 'O senhor não semeou boa semente em seu campo? Então, de onde veio o joio?' Então respondeu ele: 'Um inimigo fez isso.' Os servos lhe perguntaram: 'O senhor quer que vamos tirá-lo?' Ele respondeu: 'Não, porque, ao tirar o joio, vocês poderão arrancar com ele o trigo. Deixem que cresçam juntos até a colheita'." – destaque para o fato de que o trigo não foi impedido de crescer por causa da presença do joio.
Pois bem, se o que é autorizado expressar está precisando se disfarçar, concluo que não temos conseguido identificar o que não é autorizado. E mais, questiono se nossa incompetência se limita apenas à incapacidade de fazer diferença entre o que é permitido e o que não é, ou se ela se expande também à definição do bem e do mal. Quero dizer, por que confiamos tanto em nossos julgamentos a ponto de acreditarmos que sabemos distinguir o que "pode" do que "não pode"? Não estou dizendo que não existam diferenças entre o bom e o ruim, mas estou colocando em dúvida se sabemos identificá-las. Como se não bastasse, também estamos acreditando inocentemente que o "não permitido" seja incapaz de se disfarçar, assim como o "permitido" tem feito – como diria um texto judaico, "as verdades podem ser nuas, mas as mentiras precisam estar vestidas."
Negligenciar nossa incapacidade de estabelecer os limites pode resultar em um efeito colateral significativo. Imagine que em um campo desportivo qualquer exista algo relevante para a sociedade ou para o indivíduo, alguma ideia que possa – ou deva – ser expressada. Em contrapartida, nas arquibancadas, cada torcedor representa uma mentira. A figura abaixo esclarece o que estou tentando dizer, mesmo que seja exagerada, em certa medida. O primeiro quadro é a condição inicial, sem nossa interferência. O segundo quadro é o que poderíamos fazer, não tirar o direito dos três indivíduos de escolherem onde desejam focar a atenção – uma interferência legítima de nossa parte, por exemplo, seria garantir que o jogo fosse cativante. O último quadro é o que estamos fazendo, bloqueando tudo, sob a prerrogativa de proteger das mentiras os três indivíduos.
Alguém poderia perguntar: não deveríamos impedir de alguma forma a propagação de ideias nocivas? Gostaria de oferecer mais perguntas. Não seria mais apropriado desenvolvermos consequências em vez de cerceamento? Do contrário, não estamos correndo o risco de silenciar algo que não deveria ser censurado? Nós temos tanta certeza assim que sabemos a partir de que terras a verdade pode brotar?
Fato é que, em vez de ajudarmos na superação de barreiras através de esforços individuais ou colaborativos, mantendo atrativo apenas aquilo que é válido do outro lado, nós estamos "expandindo o universo" e, consequentemente, tornando tudo muito "curioso". Ao criar obstáculos para tudo, agora definidos precisamente pela impossibilidade de serem alcançados, tornamos também tudo inevitavelmente atraente, até a mentira, ou principalmente ela. Quem nunca entrou em um estádio se fascina até com a torcida.
Enfim, nossa colheita antes da hora vai precisar de um pouco mais de tempo para mostrar seu resultado. Porém, em tempo, não posso deixar de registrar que não me arrisquei tratar de algo ainda mais crítico. Entre tudo o que foi exposto, não considerei o fato de que nossas ideias estão sendo submetidas à autorização sabe-se lá de quem. V0c3 s4b3 qu3m t3m f3it0 a c01h3it4?
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