"E assim é o ser humano: tão vazio que se preenche com qualquer coisa, por mais insignificante que seja."
O fonógrafo de cilindro foi, na prática, o primeiro dispositivo mecânico de gravação e reprodução sonora. Inventado por Thomas Edison em 1877, popularizou-se de tal maneira que tornou o cilindro um dos itens mais consumidos entre os anos de 1880 e 1910. Em 1889, surgiu o gramofone, ou fonógrafo de disco, cuja concepção é atribuída a Emile Berliner. Os discos eram mais fáceis de produzir, transportar e armazenar, além disso, permitiam gravações de som nos dois lados. Não à toa, após certo aprimoramento, os discos dominaram a indústria fonográfica até o final do século XX. Mais adiante, avanços na elétrica e no magnetismo possibilitaram a criação das fitas cassete, oficialmente lançadas em 1963, pela empresa Philips. Elas consistiam em fitas com dados armazenados magneticamente também dos dois lados, contribuindo ainda mais com a economia de espaço e facilidade de manuseio – também introduziram a facilidade da regravação doméstica. Já entre as décadas de 80 e 90, surgia o disco compacto – compact disk (CD) –, que permitiu o armazenamento de dados digitalmente. Entretanto, o CD foi pouco longevo, pois a tecnologia que permitiu o seu surgimento, também foi o seu fim. Hoje, o principal meio de gravação e reprodução de som é o digital (pen-drives, celulares e streamings).
Dias atrás ouvi uma gravação de voz, era uma despedida incerta de alguém. Incerta, pois insinuava uma expectativa de que o trágico destino ainda pudesse ser apenas uma hipótese equivocada. Dizem que a "esperança é a última morre", ou que "no fim tudo dá certo".
Desviando: Interessante, escrevendo o parágrafo anterior, lembrei-me de um relato de Leonard Mlodinow, em seu livro Subliminar. Darei crédito ao "modo automático" de minha mente, no seu processo de "ligar pontos", sem tentar entendê-la. Leonard disse que, certa vez, o seguinte experimento foi feito... Separaram dois grupos de pessoas e disseram a todos que um novo teste havia sido desenvolvido, para detectar um tipo qualquer de câncer. O exame consistia em lamber uma fita de papel, de modo que o diagnóstico seria dado pela alteração, ou não, da cor da fita. Com os grupos separados, a um foi dito que, se a fita permanecesse branca, após a lambida, o resultado era negativo para o tipo de câncer em questão. Ao segundo grupo foi dito que, se a fita continuasse branca, o resultado era positivo. O que não foi dito aos dois grupos é que as fitas eram simples pedaços de papel e que não havia nada nelas que pudesse fazê-las mudar de cor. Enfim, todas as pessoas do primeiro grupo lamberam uma única vez a fita e se deixaram aliviar da tensão nos ombros. Enquanto as pessoas do segundo grupo, uma a uma, lamberam a fita, uma, duas, três, quatro, incontáveis vezes, até a exaustão, no anseio desesperado de que ocorresse a alteração de cor, até desistirem e devolverem as fitas aos experimentadores, com o olhar de uma criança que é obrigada a devolver o brinquedo a um adulto. Sei qual olhar é esse e me compadeço quando ele vem de adultos. Às vezes, podemos senti-lo até no tom de voz. Acho que foi essa a associação da minha mente com a gravação que mencionei.
Voltando: A pessoa dona da voz fez a gravação minutos, ou quem sabe segundos antes de sua morte. O que ela não sabia ainda era "como" lhe aconteceria, ligeiramente diferente de nós, que, por enquanto, não sabemos "se" algo pode nos acontecer em minutos.
O que me inquietou foi o fato de aquela gravação ter sido feita vinte anos atrás e não existir nada nela que me fizesse desconsiderar a possibilidade de ter sido feita há somente vinte minutos. Aliás, eu só me dei conta que era uma gravação antiga minutos após tê-la ouvido, quando entendi do que se tratava.
É muito estranho que a evidência da existência de uma pessoa não seja suficiente para identifica-la no tempo. Não tendo, aquela mensagem, sido gravada há vinte minutos, mas sim há vinte anos, faz com que ela não signifique nada hoje. Digo, perde-se a necessidade de efeito para uma causa – ou vice-versa. É só um registro, mas não um "gatilho". E por não significar nada hoje, permanecendo a indiferença da evidência no tempo – por não ser possível identificar se hoje, ou se há vinte anos –, por que eu deveria acreditar que a mensagem teve algum significado no momento em que foi criada? A gravação, no instante em que a ouvi, era somente um "nó" no tempo, unindo o "agora" com o "há vinte anos". Ela fez o passado parecer um sonho. Nós parecemos um sonho.
Percebe? A marca no tempo não perpetuou, ao contrário, revelou a insignificância. Chego à conclusão de que um legado não nos eterniza, mas nos confina. Ele confirma que não somos nada. Uma marca no tempo é apenas um "nó", eliminando todo significado e importância que damos ao "tique-taque". Não faz a menor diferença. Não fazemos a menor diferença.
Desviando: A quem possa interessar, aquela gravação foi a despedida de uma passageira de um dos voos do atentado de 11 de setembro, em 2001, nos EUA. Também já falei sobre nossa insignificância aqui.
Voltando: É muito estranho ouvir uma pessoa falar sobre a hipótese da sua morte, minutos ou segundos antes de ela se concretizar, quando hoje sabemos que foi tão certa. A irracionalidade de nosso cérebro parece nos impelir a tentar entrar em contato com aquela pessoa, do "agora" para "há vinte anos", e dizer a ela o que precisa ser feito, ou o que ela vai enfrentar. Nossa mente não "desata" bem "nós" no tempo.
Nossos corações, definitivamente, não foram preparados para aceitar o leite derramado, inclusive e principalmente, quando a jarra de leite é a nossa própria existência. E essa é causa, encarar o leite derramado nos revela que nós nem sabemos se existimos de verdade.