"Na admissão de uma opinião ou doutrina, os homens consultam
primeiramente o seu interesse, e depois a razão ou a justiça, se lhes sobeja
tempo."
Marquês
de Maricá
A Segunda
Guerra Mundial, que ocorreu entre os anos de 1939 e 1945, foi causa de 70 milhões de
mortes, aproximadamente. Um estado de guerra total, quando os envolvidos
destinaram suas capacidades industriais, econômicas e científicas em prol do
combate. Foi durante aquele conflito que ocorreu o Holocausto, quando
aproximadamente 20 milhões de civis perderam suas vidas, entre eles, judeus,
soviéticos, poloneses, ciganos, pessoas com
necessidades especiais, homossexuais e testemunhas
de Jeová. Além disso, também foi a única
vez em que armas nucleares foram utilizadas, mas como "a
história é [contada] pelos vencedores" – com a liberdade de
parafrasear George Orwell – dizem que existiu
somente um "bicho-papão" naquela batalha, o restante "entende-se" por atos "legítimos".
Desviando: Recomendo o filme Conspiração, sobre a decisão pelo
Holocausto, ele é muito bom. E tenho a impressão que a frase "a história é
contada pelos vencedores" também já foi dita por alguém.
Voltando: Utilizando a Segunda Guerra como pano de fundo, arriscarei
tratar de um tema já mencionado superficialmente aqui, mas agora com um
texto completamente dedicado a ele. A dúvida que desejo retomar é, o que torna
um ideal moral elevado, seu aspecto conceitual, ou seu resultado prático?
No livro "O
dilema de Einstein", o autor Jeremy Stangroom propõe o que ele
chama de um impasse ético. Se tivéssemos uma máquina do tempo, deveríamos
voltar ao passado e matar Adolf Hitler antes de sua
ascensão? Responder que sim é um ideal moral elevado conceitualmente.
Entretanto, e se nós tivéssemos nascido em consequência da ocorrência da Grande
Guerra? Aliás, se tivéssemos sucesso em nossa empreitada temporal, o que seria
dos filhos, netos, bisnetos e tataranetos de casais que se uniram em virtude do
conflito e que hoje povoam o planeta, imensuravelmente? Muitas pessoas ficaram
viúvas, conheceram novos parceiros durante e após o conflito, e seus
descendentes "foram abençoados, foram
férteis, multiplicaram-se, encheram a terra e subjugaram-na". Bem, poderíamos "resolver" essa questão sustentados na matemática, dada a proposta de ser a "única explicação
para o Universo". Para isso, bastaria verificarmos se hoje os descendentes da
Guerra superam as 70 milhões de vítimas fatais do combate – isso foi uma ironia.
Pois é, por que confiamos tanto na nossa capacidade de julgamento?
O que estou tentando entender é, o que acontece com um ideal moral
conceitualmente elevado quando levamos em conta as consequências práticas dele?
E, caso essa história de viagem no tempo pareça abstrata e fantasiosa, o mesmo
paradoxo ocorre em uma situação mais verossímil, também apresentada pelo Jeremy
em continuidade à discussão do tema. Ele discorre sobre um nascimento como
resultado de um estupro:
"(...) se não há uma exigência
moral de alguém sacrificar a própria vida para impedir determinado mal, então
também não se pode exigir que a pessoa lamente a ocorrência de um mal se a
única maneira de o impedir seria à custa de sua existência.
"Entretanto, embora aqui acabe
o paradoxo – obrigação moral de lamentar a ocorrência de um grande mal –, ainda
seria estranho dizer que não lamentamos o Holocausto. Será que podemos trazer
de volta as lamentações?
"Só podemos especular a possível construção de tal argumento. Veja, por
exemplo, o que podemos dizer de um estupro que resultou em um nascimento.
"A. Sinto muito que o custo da minha existência tenha sido seu estupro.
"B. Sinto muito por você ter sofrido.
"A expressão do sentimento pode ser quanto aos fatos nus e crus da
situação. 'Sinto muito que tenha sido assim. Escolho a existência, mas, se eu
pudesse alterar as circunstâncias de meu nascimento, o faria'. Essa é uma forma
de lamentar não a ocorrência do estupro, mas sim o fato de que só por meio dele
uma existência foi possível."
Sabe por qual motivo os impasses anteriores ocorrem? Porque um ideal
moral elevado conceitualmente pode deixar de sê-lo quanto aos seus resultados
práticos. Ou assumimos isso, ou somos potenciais máquinas de matar à mercê de
gênios em retórica.
Não foi isso o que aconteceu na Segunda Guerra Mundial? Os líderes de
ambos os lados fundamentaram seus discursos sobre ideais morais elevados conceitualmente,
pelo menos para seus próprios povos, sem apresentar também às suas respectivas
nações quais seriam os resultados práticos dos mesmos ideais.
Não é estranho pensar isso, que verdades podem ser usadas para sustentar
mentiras? Pensando assim, quem sabe Platão chegasse à conclusão
que o homem não tem que sair da Caverna, mas a Luz é que deveria
penetrá-la.
Bem, por enquanto estamos apenas xingando nossos "adversários" de boçais,
gado, "esquerdopatas", fascistas, facínoras, escrotos, safados, etc. Tem xingamento para
todos os gostos e para todos os lados, sem falar nos "linchamentos virtuais". Já paramos para ponderar a profundidade disso, de pessoas se ofendendo por causa de diferenças políticas?
"É assim que começa. A febre, a raiva, a sensação de impotência, que
transforma homens bons em cruéis."
Alfred – Batman VS Superman (2016)
Diariamente, sofremos bombardeios com esse tipo de impasse moral, seja na TV,
na igreja, na escola, no cinema, nas revistas em quadrinhos, nas redes sociais,
na barbearia, na manicure, etc. E nunca – assumindo o risco da generalização –,
nunca se trata igualmente, ou se leva em consideração na mesma proporção, os
resultados práticos dos conceitos morais. Somos péssimos em simulações mentais.
Atualmente, temos sido impelidos a "engolir" ideologias originadas em
ideais morais elevados conceitualmente, sem que sejam também analisados os
resultados práticos. Vou além, até mesmo o fato de se propor colocar em
discussão um ideal moral pode fazer sermos tachados, excluídos, classificados,
rotulados, julgados, condenados e virtualmente linchados por esse
posicionamento. E o problema disso é, quando os dois lados lutam pela "verdade e justiça" como distinguir quem é o monstro? Ora, "a
história é contada pelos vencedores."
Desviando: Coincidentemente, dias atrás eu ouvi a seguinte frase de José Antonio Bruno: "Nenhuma
ideologia propõe a morte do seu ego. Nenhuma delas propõe uma nova natureza
humana, um salto ontológico existencial para ser um novo ser."
Voltando: Concluo com a observação de que sempre somos levados por "ventos de doutrinas" e pior, nos deixamos
levar, às vezes cegamente, outras vezes negligentemente, quase sempre
convenientemente. Há esperança? Não sei, mas Mario
Quintana já disse certa vez, "no fim tu hás de ver que as coisas mais leves
são as únicas que o vento não conseguiu levar."