"Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia."
Ilusão de ótica é uma
imagem que engana o nosso sistema visual, fazendo-nos ver algo que não está
presente ou que é de outro modo. Geralmente, isso ocorre porque imagens deste
tipo confundem os atalhos que nosso cérebro desenvolveu para interpretar com
sucesso o mundo à nossa volta.
Na figura abaixo à esquerda,
vemos o quadrado A mais escuro que o quadrado B. Porém, veja na figura à
direita que, quando inserimos duas retas da mesma cor de A, elas se misturam
também à cor de B. Isso indica que, na realidade, os dois quadrados possuem a
mesma tonalidade. O que causa a ilusão é a quantidade de luz que chega aos
nossos olhos.
Nosso cérebro desenvolveu-se
para ser capaz de diferençar um quadrado branco pouco iluminado de um quadrado
negro muito iluminado. Para fazer essa diferenciação, ele precisa considerar a
luminosidade constante e, assim, em situações como da figura acima, ele acaba
sendo iludido.
Repare em outro exemplo, na figura abaixo. Apesar de serem iguais, nosso
cérebro tem a ilusão de que as retas horizontais possuem tamanhos diferentes,
sendo que a inferior parece ligeiramente menor.
Este segundo engano acontece,
pois nossa mente aperfeiçoou-se em estimar perspectivas. É este atalho que ela
toma que nos permite, por exemplo, entender que uma pessoa não está diminuindo
de tamanho ao passo que se afasta de nós. Novamente, nos aproveitamos de um
recurso útil de nosso sistema visual para persuadi-lo.
Pois bem, baseado na ocorrência de ilusões de ótica, eu tive um lampejo.
É possível que nosso cérebro seja ludibriado também por ilusões de conceito,
assim como com ilusões de ótica?
O primeiro caso que veio à minha mente foi o de pessoas famosas. Veja,
por exemplo, os astros internacionais Marilyn Manson, Lady Gaga e Miley Cyrus (poxa, não citei
nenhum brasileiro; não sei se isso foi bom ou ruim). Quando estas pessoas estão
sobre um palco, ou diante de uma câmera, vivem uma personagem rebelde, passando
uma mensagem de liberdade, de mentalidade progressista e de rompimento com os
padrões. Um adolescente admira esta demonstração de espírito "selvagem" e livre,
pois parece ser a resposta para seus sentimentos em ebulição. Então, aquele
jovem passa a copiar a maquiagem, as roupas, o comportamento, as palavras, a
rebeldia etc de seu ídolo. Aquela "criança" começa a viver durante 24 horas de
seu dia o conceito que aprendeu com o famoso. Porém, o astro, em si mesmo, vive
aquele comportamento somente durante suas exibições. No cotidiano, aquele ídolo
é tão prosaico quanto qualquer um. A pessoa formadora de opinião sugere comportamentos
fora do padrão quando é vista, mas quando não é, ela tem hábitos tão banais quanto
os de uma pessoa comum. Portanto, o cérebro do jovem foi enganado por uma
ilusão de conceito.
Recentemente, presenciei outro caso. Uma mulher, que atualmente se
reconhece como homem, deu a seguinte declaração: "órgão genital não define nada".
Provavelmente ela esteja certa, dependendo do aspecto avaliado. Quem pode
saber? Porém, nosso objetivo não é discutir isso. O ponto que quero destacar é,
de onde veio essa declaração? Pois partiu de uma pessoa que fez tratamento
hormonal para criar barba e formas masculinas, e que fez uma operação plástica para
retirar os seios. Percebe? Ela fez uma alegação que pode influenciar dezenas,
centenas, milhares de pessoas a tomarem para si a ideia que ela transmitiu, mas
ela mesma não vive aquela ótica, uma vez que uma simples barba e seios
definem muita coisa para ela. Outra ilusão de conceito, pois com as palavras é
dito uma coisa, mas com a vida é dito outra. No que devemos acreditar?
O conceito que ouvimos nos faz inferir diversos comportamentos e estilos
de vida a respeito da pessoa que o proferiu, mas que não são necessariamente verdade.
De fato, na maioria das vezes, não é verdade.
O que mais em nosso dia a dia é ilusão de conceito? Pense na política,
nas reportagens de TV e da internet. Pense nos jornais impressos e nas
revistas. Pense nas ideologias e nos discursos militantes espalhados pela
sociedade. Pense nos padres, nos pastores, nos sacerdotes, nos médiuns e nos
pais de santo. Pense sem seu chefe, no seu terapeuta, no seu coach (já que está na moda), no seu
professor, no seu instrutor da academia, em seu médico. Pense em seus pais, em seus
filhos, em seus parentes. Pense em seu colega de trabalho e no amigo que toma
uma cerveja com você. Pense em tudo o que você ouve e lê. Então, questione-se, quais
são as ilusões de conceito?
Desviando: Uma árvore pode parecer uma macieira, pode ter folhas como
uma macieira, pode cheirar como uma macieira, pode dar sombra como uma
macieira, mas se der laranjas, inequivocamente será uma laranjeira.
"Toda árvore é reconhecida por seus frutos. Ninguém colhe figos de espinheiros, nem uvas de ervas daninhas."
Voltando: Enfim, cheguei ao ponto que é o objetivo desta reflexão. A
dúvida para a qual tentei obter uma resposta, mas que, como de costume, só me
trouxe mais dúvidas.
Dias atrás, recebi um vídeo onde Eduardo Marinho questionava as ilusões oferecidas pelo mundo que construímos. Concordei
com todas as observações dele, mas algo me incomodou. Não nele, mas em mim.
Pensei um pouco e concluí que foi o fato de perceber que talvez não seja
possível ser diferente do que se critica. Eu me perguntei, afastar-se das
ilusões que o mundo oferece é menos alienado, é aproximar-se mais da verdade?
Existe mesmo diferença entre uma pessoa que escolhe buscar tudo o que o mundo
oferece e outra que escolhe privar-se das mesmas ofertas? Seria possível que o
desapego às ilusões seja apenas uma ilusão de conceito?
Uma pessoa quer viver todas as "riquezas" e a outra quer isolar-se de
todas elas. Pois agora penso que ambas são iguais, uma vez que tem o mesmo
objetivo, mas o que as diferencia é o objeto. Uma quer ter muito para ser imune
às frustrações, a outra não quer ter nada para ser imune às mesmas frustrações.
Uma quer ter tudo para ser melhor que os outros e a outra pensa que é melhor
por querer não ter nada. Ambas estão apenas querendo inflar seu ego, ou protegê-lo,
cuidando do próprio umbigo. O valor de uma é material, o valor da outra é a renúncia.
Porém, tanto o querer quanto o não querer continuam sendo "riquezas", ambos são
motivos de busca, de orgulho e assim são considerados. Os dois tipos de pessoas
continuam ansiando por satisfação. A diferença é o que cada uma reconhece como felicidade.
Desviando: "Tem
aqueles achando, mais ou menos, que menos é mais
Mas
se menos é mais, como você mantém um placar?
Quer
dizer que pra cada ponto que faz, seu nível cai
É como começar do topo"
Voltando: Cada uma das duas pessoas do exemplo tem suas justificativas
para considerar o copo meio cheio ou meio vazio, e não é possível refutá-las.
Porém, o difícil mesmo é olhar para a realidade é ver apenas um copo com água.
Então fiquei pensando, quem pode libertar-se? Existe alternativa? Quem
sabe a escapatória seja a opção de deixar o próprio umbigo de lado e passar a preocupar-se
com o bem estar do outro e não de si mesmo. Ao invés de se inquietar com a
questão se seu copo está meio cheio ou meio vazio, talvez a solução seja oferecê-lo
a quem está com sede. Só espero que essa terceira alternativa não seja apenas mais
uma forma de culto ao próprio umbigo.