domingo, 29 de outubro de 2017

Brinquedo de Criança

"Aquele que vem do alto está acima de todos; aquele que é da terra pertence à terra e fala como quem é da terra."

As nossas percepções influenciam na forma como registramos o tempo. Por exemplo, aqueles efeitos cinematográficos de câmera lenta realmente acontecem quando experimentamos um momento de medo. O cérebro "desacelera o tempo" para ter condições de avaliar melhor a situação e tomar uma decisão mais efetiva contra a ameaça em curso.

Outro fator que interfere na percepção do tempo é a riqueza das memórias. A mente processa a abundância de experiências como sendo mais duradouras. Isso, inclusive, explica porque percebemos o tempo passar em ritmos diferentes em cada faixa etária. Quando mais jovens, tudo é novo, o natal nunca chega. Quando mais velhos, tudo é repetitivo, quando nos damos conta já estamos esbarrando em papai-noel novamente. A monotonia tende a "encurtar" o tempo. Fazer sempre coisas novas, ou ao menos tentar dar um enfoque diferente na rotina pode ser benéfico.

O tempo não está sujeito apenas às percepções dos seres humanos. Os insetos percebem-no mais devagar que nós, por exemplo. Eles vêm tudo em câmera lenta sempre. Por isso, não se sinta tão incompetente em suas tentativas malsucedidas de acertar uma barata com um chinelo.

Desviando: Fiquei pensando, talvez a percepção do tempo esteja relacionada a quantidade de informação que somos capazes de captar e processar. Quando olhamos uma gota d'água caindo em um copo, tudo parece instantâneo. Porém, se utilizarmos uma câmera lenta, podemos atentar para os diversos detalhes que não foram percebidos. Talvez o tempo passe mais rápido, ou mais devagar, em função da quantidade de informação que assimilamos e processamos com os sentidos e mente.

Voltando: Neste link, há dez explicações diferentes para o tempo. Além de serem todas muito curiosas, mostram o quanto esse conceito ainda pode ser subjetivo, ou o quanto ainda estamos longe da verdade. Gostei muito, por exemplo, da explicação que levanta a seguinte questão, o presente tem quanto tempo? Um minuto? Um segundo? Um centésimo de segundo? Ao ler essa frase, o início dela ficou no passado, ou enquanto você não a conclui ainda faz parte do presente? Analogamente, o fim dela já é presente mesmo sem sabermos como termina, ou estaria no futuro incerto?

Para mostrar que há mais caroço nesse angu do que estamos imaginando, e se desconsiderarmos o observador? Como o tempo se comporta independente de nós? É instintivo dizer que ele é absoluto, uma vez que estamos confinados em um único ritmo, mas Albert Einstein nos ajudou a romper com esse paradigma (não sei se paradigma é a palavra correta). Einstein provou que o tempo não é uma constante, mas é variável. E essa mudança está intimamente relacionada a gravidade – força associada a corpos que possuem massa.

Uma das consequências da teoria da relatividade é a dilatação do tempo. Quanto maior a massa de um corpo, maior a sua gravidade e, consequentemente, menor é o ritmo do tempo ao redor desse corpo. Por exemplo, se eu estiver aqui na Terra e você estiver em um buraco negro (corpo com massa e gravidade imensas), e nós dois começarmos a contar exatamente no mesmo momento e no mesmo ritmo, se nos encontrarmos depois, nós perceberemos que enquanto a minha contagem está chegando no 100, talvez a sua ainda esteja no 3.

Segundo Einstein, quanto maior a gravidade, mais devagar o tempo passa. Então, vamos exercitar nossa imaginação. Um buraco negro cuja gravidade tende ao infinito teria um ritmo de tempo ao seu arredor que se aproximaria do parado, quase sem tempo. Como assistiríamos o desenrolar do Universo, se aquele buraco negro de gravidade infinita fosse a poltrona de nossa sala? Qual é a verdade? Tudo foi criado em um instante, ou levou uma eternidade? Dando um novo enfoque para algo que já falei aqui (experiências novas, lembra?), quando não se conhece as fronteiras, o tudo pode ter o tamanho que desejarmos, muito grande ou muito pequeno. Aliás, também já falei aqui, aqui e aqui que nossas avaliações são subjetivas, tendenciosas e parciais, que elas dependem do observador.

Nós estamos presos em um ritmo que não é absoluto e deduzindo tudo a partir dessa referência. O que concluiríamos ao olhar o tempo do lado de fora, de um "local" onde não exista tempo? Como descreveríamos o que veríamos? Já falei aqui da dificuldade de um macaco em explicar aos da sua espécie o que é ser um humano, após viver um dia em nossa pele. Como ele se faria entender? Talvez usasse os recursos disponíveis em sua realidade. Conhece alguém que usou muitas ilustrações para falar sobre o que não compreendemos? Tudo bem, não vamos seguir nessa linha, pois é assunto para outra ocasião. Ou é exatamente sobre isso que estamos falando?

"Eu lhes falei de coisas terrenas e vocês não creram; como crerão se lhes falar de coisas celestiais?"

Desviando: É impressionante como tudo parece ter um sentido mais amplo quando damos outro enfoque. Um significado menos óbvio e menos repetitivo.

Voltando: Como dizer o que é real e o que não é real? Como afirmar o que existe e o que não existe? Como podemos ser tão absolutos e soberanos em nossas conclusões, quando tudo o que podemos conhecer e medir está preso no único universo que conhecemos, a nossa mente? Como podemos ser tão seguros de nossas ideias e teorias? Que vantagem há no que é equacionável contra o que não é equacionável, uma vez que tudo depende igualmente da mesma miragem, a ilusão da criança que, ao encaixar a forma correta no espaço correspondente, acredita ser a responsável por trazer o formato geométrico a existência.


Felizmente para a criança, o brinquedo será deixado de lado quando ela perceber que a peça tem sempre o mesmo formato, que não precisa ser encaixada no brinquedo para assumir uma forma. A criança terá entendido que a existência ou as ações dela não são pré-requisitos para a verdade.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Talvez Não Seja Tão Ruim Perder o Trem

"Eu me sinto um estrangeiro / Passageiro de algum trem / Que não passa por aqui / Que não passa de ilusão"



Dias atrás recebi o vídeo abaixo:


Fiquei pensando, o que move essas mulheres? O que as impulsiona dia a dia? Que medo elas têm de modo que se sintam impelidas a continuar nessa rotina? O que há além do trem que valha tanto a pena? Não há outra alternativa de vida? Essa é a única opção? Por que nenhuma delas observa o que está acontecendo ao seu redor? Como nenhuma delas cai em si e não se questiona? Por que nenhuma delas vira as costas para essa realidade, caminha até uma área onde esteja tudo vazio e se liberta da ilusão que a aprisiona? Por que elas não buscam pela sensação de liberdade. Não falo sobre mera necessidade por espaço, mas sim a liberdade da mente, das circunstâncias e, principalmente, dos paradigmas.

Desviando: Já ouviu a fábula sobre o monge e a vaca?

Um monge e seu discípulo seguiam viagem pelo caminho da montanha. Com a aproximação da noite, procuraram onde pudessem descansar. Avistaram uma casinha isolada, simples e rústica, onde morava uma família muito pobre. O monge pediu à família um quarto para pernoitar. O dono da casa ofereceu um pequeno cômodo sem conforto, além de um pouco de alimento, leite e queijo. Enquanto comiam, o monge perguntou ao dono da casa: "Neste lugar não há sinais de comércio ou trabalho, de onde vocês tiram seu sustento?" O dono da casa respondeu: "Temos aqui uma vaca, ela nos dá muito leite, dessa forma vamos sobrevivendo."

No dia seguinte, após se despedir e continuar viagem com o discípulo, furtivamente o monge soltou a vaquinha do pasto e atirou o animal do penhasco. O discípulo, revoltado com o mestre, exclamou que ele havia acabado com a única fonte de sustento da família. O mestre não disse nada e, em silêncio, seguiram viagem.

Passado alguns anos, o monge e seu discípulo precisaram percorrer o mesmo caminho. À noite, resolveram procurar um lugar para descansar novamente. Então, eles foram em direção à casinha rústica da família que os hospedara tempos antes. Chegando lá, viram que o lugar estava diferente. A casa da qual se lembravam não existia mais. Agora, um belo casarão, bem pintado, juntamente com diversas carroças e um agradável jardim. Chamaram pelo dono da casa e este veio recebe-los. Era o mesmo homem de antes, porém bem nutrido, feliz e com roupas novas. Acolheu os monges com um largo sorriso e ofereceu-lhes um quarto muito confortável. Desta vez, a refeição contemplava suco, frutas, pães, queijos, ovos e outras guloseimas. Então, o monge perguntou ao dono da casa: "Neste lugar não há sinais de comércio ou trabalho, de onde vocês tiram seu sustento?" O dono da casa respondeu: "Ocorreu uma tragédia conosco anos atrás, nossa vaca se soltou do pasto e caiu no precipício. Nós entramos em grande aflição e nos vimos obrigados a procurar outras formas de nos manter. Assim, aprendemos a plantar e a cultivar diversas frutas e hortaliças, começamos a fazer produtos próprios e comercializá-los na cidade. Graças à perda da nossa vaca, hoje temos uma vida muito melhor do que antes."

Voltando: Eu direcionei a mim as mesmas perguntas que fiz ao ver o vídeo das mulheres que se espremiam na estação de trem, então entendi cada uma delas. A minha vaquinha ainda não caiu do penhasco.

Agradecimento: Obrigado a RBS por compartilhar o vídeo comigo.