"Preciso aprender a andar sozinho, para ouvir minha própria voz."
O som é uma onda mecânica
que se propaga em meios materiais, como sólidos, líquidos e gases. No ar, por
exemplo, a velocidade do som é de aproximadamente 1247 km/h. Isso equivale a dizer
que, viajando a essa velocidade, levaríamos aproximadamente 24 minutos para nos
deslocarmos da cidade de São Paulo à cidade do Rio de Janeiro. E mais, que leva
somente 0,0006 segundos para ouvirmos nossa própria voz. Se é que somos mesmo
capazes de escutar o que sai de nossas bocas.
Recentemente tivemos o caso do garoto que, supostamente, tentou roubar a bicicleta de um deficiente físico.
Ele foi pego em "flagrante" por um tatuador, vizinho do dono da bicicleta, que gravou
em sua testa as seguintes palavras: "eu sou ladrão e vacilão". Tudo foi registrado
em vídeo por uma terceira pessoa que, ironicamente, já cumpriu pena por roubo.
Descrevi a ocorrência levantando a dúvida, pois tudo o que se sabe foi o
que o vídeo mostrou e o que o tatuador disse na gravação. São as palavras de um
contra as palavras do outro. Qual é a verdade? Não quero entrar nessa
discussão. Tampouco quero estender-me demais nesse assunto, pois acredito que existam
tantas outras pessoas sofrendo problemas tão sérios quanto, e sem haver quem grite
por elas.
Minha intenção é citar outra situação. Uma pessoa que conheço, ao ler
que estavam arrecadando doações para remover a tatuagem da testa do garoto, disse: "Estão preocupados com um ladrão? Esse moleque tem que sofrer mesmo. Bandido bom
é bandido morto. Tem que deixar a tatuagem na testa dele." Esclareço que não foi
necessariamente essa opinião que deixou-me pasmo. Não é a primeira vez que
testemunho uma pessoa ser mais influenciada pelo que dizem do que pelo que é
fato. O que intrigou-me mesmo explicarei a seguir.
Segundos depois (eu disse segundos depois) de tecer aqueles comentários, essa mesma pessoa viu um
vídeo, quase uma pregação, sobre não julgar os outros pela aparência. Um belo discurso
sobre olhar além da casca, ver sempre o valor das pessoas além de suas falhas e
de suas fraquezas. Ao terminar de ver o vídeo, essa pessoa falou em alto e bom
som: "Poxa, que mensagem bonita. Realmente, nosso mundo está precisando de mais
amor, mais compreensão, mais compaixão, mais pessoas querendo melhorar o mundo."
Não consigo usar palavras para expressar minha sensação melhor do que a
imagem abaixo consegue fazê-lo.
Não estou relatando o que me contaram. Eu estava lá. Eu vi e ouvi.
Fiquei chocado. Fiquei quieto. Fiquei tentando pensar em todas as porcarias que
eu devo falar sem perceber, para poder arrepender-me delas.
Desviando: Imagine que existam dois lojistas concorrentes na mesma rua. O
primeiro lojista adquire, com seus fornecedores, produtos sem notas fiscais,
sonegando impostos. O segundo lojista exige notas completas e,
consequentemente, acaba vendendo os produtos a um preço mais elevado do que o
primeiro. Um cliente qualquer, comparando os preços, sai da loja mais cara e, dirigindo-se
a loja mais barata, diz: "o dono dessa loja é um ladrão, explora o povo, vende
os produtos duas, até três vezes mais caros que o comerciante lá do fim da rua." No fim do dia, já em casa, ao ver as notícias do país, o mesmo consumidor se
pergunta, em voz alta: "como nossos governantes conseguiram afundar nossa nação
nessa crise política sem precedentes?"
Há uma ideia, não consegui descobrir o autor, que diz o seguinte: "ao
avaliarmos uma situação, nós não procuramos por respostas, mas procuramos pelas
respostas que queremos encontrar."
Voltando: Nós ouvimos as nossas próprias palavras? Talvez procuramos por
verdades circunstanciais, úteis para validar nossas escolhas e ficarmos seguros
delas. O quanto acreditamos em uma verdade absoluta e o quanto queremos adaptar
a verdade às nossas necessidades? O quanto algo é e o quanto forçamos que seja?
Enquanto fazia essas perguntas, lembrei-me do vídeo abaixo, do
historiador Leandro Karnal, falando muito bem sobre verdades customizáveis. E como já fiz aqui, aqui e aqui, uso menos das minhas palavras neste texto, assim poderemos
apreciar o vídeo à tempo de conferir no celular a cacatua dançando ao som de Bob
Marley.
Enfim, fico imaginando o que pode haver dentro de minha boca que
obrigue-me a fechá-la para impedir que moscas sejam atraídas para dentro
dela.