domingo, 12 de março de 2017

De Quem São Nossas Ideias?

"Uma ideia torna-se uma força material quando ganha as massas organizadas."
Karl Marx


Quando criança, eu sempre preferi brincar ao ar livre, assistir desenhos animados e jogar videogame a ler um livro. Leitura, para mim, resumia-se a livros escolares com o objetivo de responder corretamente as questões das provas. Lia-os e memorizava os parágrafos daqueles capítulos que seriam assuntos para os testes.

Eu li dois livros de história até meus dezoito anos. Ou foram três? Sim, foram três. Inclusive, quando li o último eles ainda eram livros de estória. Lembro-me deles, "Na Mira do Vampiro", "A Desintegração da Morte" e "Aventuras de Xisto". Após os 18 anos, li alguns durante a preparação para o vestibular. Foi aquela leitura obrigatória para poder fazer a prova e ingressar em uma faculdade. Entre eles, "O Primo Basílio", "A Relíquia", "Dom Casmurro", "Memórias Póstumas de Brás Cubas", "O Cortiço" e mais um ou dois. Todos foram lidos por obrigação. Depois dos 20 anos, ganhei um ou outro livro de presente e os li, desta vez sem a obrigação, mas também sem pretensão alguma. Continuava preferindo o videogame (pois é, mesmo nessa idade), o futebol, a bicicleta etc.

Desviando: Ao lembrar-me de minha época de vestibulando, veio à minha mente o discurso de um professor do curso preparatório para o vestibular, em 1998 (ou 1999?). Ele dizia, "por toda as suas vidas, mesmo aqui no curso preparatório, vocês tem sido treinados para responder perguntas, pois está na hora de passarem a fazê-las".

Voltando: Sabe quando meu comportamento com relação a leitura mudou? Quando eu descobri que ler não estava necessariamente ligado a uma obrigação. Ou melhor, mudou quando eu descobri que eu poderia escolher o assunto que me interessava. Parece óbvio? Para mim não era.

Se eu fosse um militante pós moderno, aquele que não limita-se apenas a causas políticas, mas que também tenta interferir nas estruturas sobre as quais a sociedade se alicerça, eu poderia usar a minha história para dizer que os pais precisam educar seus filhos de forma diferente do que eu fui educado. Diria que devem deixá-los, desde pequenos, escolherem o que desejam ler. Eu talvez diria, inclusive, que devemos atuar nas escolas para que as crianças não sejam obrigadas a lerem livros que não querem, pois se deixarmos nas mãos dos pais, eles não saberão como criar seus filhos. E completaria dizendo, "abaixo as obrigações, um viva a livre escolha". Enfim, aquele tipo de discurso bem Neomarxista. Afinal de contas, uma árvore se conhece pelos frutos e, olhando para nós, só podemos concluir mesmo que a educação da época que nos criou foi péssima. Tentei ser irônico, mas pensando no mundo de hoje, acabei ficando na dúvida.

Porém, não luto esse tipo de causa. Tenho absoluta certeza que, se hoje aprendi que posso escolher o que eu quero ler e, principalmente, que posso fazê-lo, foi porque um dia li muitas coisas que não queria. Se não ficarmos atentos com algumas ideologias, nós podemos nos esquecer que não nascemos preparados. Em dado momento de nossas vidas, nós dependemos de escolhas feitas por outras pessoas, na maioria das vezes nossos pais, que queriam nos ensinar a fazer perguntas e não somente a respondê-las (já falei sobre confiança aqui). Liberdade não é necessariamente sinônimo de autonomia. Então, se nos entregarmos a influências modernas sem necessariamente pensar antes sobre elas, acabamos nos tornando uma peça, em um tabuleiro, que acha que é o jogador (já falei sobre esse tema aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, entre outros – pelo jeito sou bem repetitivo, preciso mudar meu repertório).

Não estranhamente, tudo isso veio como um flash em minha mente quando li essa reportagem. Obviamente, precisei traduzir em palavras o piscar das ideias. Ela discorre sobre o fato de que, entre os mamíferos, apenas algumas espécies de primatas, incluindo a nós, desenvolveram a visão tricromática. São olhos com três tipos diferentes de células sensíveis a luz, que nos dão a capacidade de enxergar diferentes cores. Essa evolução teria ocorrido em função dos alimentos, para não morrermos de fome, permitindo que pudéssemos distinguir as frutas maduras das frutas verdes. A prova, segundo o texto, foi um experimento com 80 macacos rhesus (esse tipo de macaco, por uma condição genética, pode apresentar dois ou três receptores na retina). Metade da população do teste, com visão tricromática, conseguiu encontrar mais facilmente as frutas para se alimentarem do que a outra metade sem aquele tipo de visão. Infelizmente, a reportagem não citou referências e também não apresentou dados sobre os demais seres vivos existentes no planeta com seus diferentes tipos de visão, para os que podem ver.

Desviando: Você sabia que o fator Rh do sangue foi descoberto através de pesquisas com o macaco rhesus, em torno de 1940 pelos médicos Karl Landsteiner e Alex Wiener? Por isso a sigla Rh.

Voltando: Se a reportagem for verídica, parece-me que achamos uma resposta para a visão em cores, que, segundo meu ponto de vista, vem ao encontro de nossa necessidade de nos sentirmos especiais. Perceba que a capacidade de enxergar diferentes cores foi associado a uma evolução. Porém, raciocine comigo, em todas as espécies de seres vivos que existem no mundo, considerando as que enxergam e as que não enxergam (não se esqueça da vegetação também), nós e alguns poucos primatas, pelo menos entre os mamíferos, somos os únicos que temos a visão tricromática como um sinal de evolução, já que ela nos ajuda a não morrermos de fome. Sinceramente? Isso não é evolução, é no máximo uma diferenciação. Vou além, isso é equilibrar o jogo ao nosso favor, pois somos tão limitados que precisamos, além de enxergar, ver colorido para conseguirmos alimentos, enquanto a maioria dos seres vivos do planeta vivem muito bem, às vezes melhor e mais eficientemente, sem esse "dom". Queremos ou não queremos ser considerados especiais? Eu até acredito que somos mesmo, mas por outros motivos.

Tentar propagar esse tipo de ideia a respeito de evolução é ingenuidade ou é proposital? Ela sugere um padrão do que é bom e do que é ruim. E já citei Chesterton aqui, quando ele disse no livro "Ortodoxia", que classificar a natureza sob um prisma moral é algo que só existe na nossa mente, mas não na natureza. Portanto, se esse tipo de "interpretação" dos fatos é proposital, qual seria o objetivo? Querem me ensinar a fazer perguntas, ou querem que eu apenas engula respostas? Inclusive bem indigestas, às vezes.

Enfim, remetendo novamente a influências modernas, há um jogador? Quem concluiu as pesquisas e quem escreveu a matéria seriam jogadores ou peças? Há mais alguém em outro nível além deles? E eu, como encaixo-me nesse tabuleiro? E olha que não entrei no mérito da veracidade da reportagem, estou assumindo que é real.

Pensando na citação inicial deste texto, na frase de Karl Marx, por que alguém iria querer que uma ideia alcançasse as massas para tornar-se uma força material? Conhecer a origem de uma ideia não é o objetivo final, mas apenas parte do processo para descobrir onde se quer chegar com ela. Definitivamente, parece ser muito prudente fazer perguntas ao invés de apenas submeter-se às respostas. Desta maneira, pelo menos, poderemos escolher o jogo do qual vamos querer ser as peças.

"Todo mundo está procurando alguma coisa
Alguns deles querem te usar
Alguns deles querem ser usados por você
Alguns deles querem abusar de você
Alguns deles querem ser abusados"

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