domingo, 29 de maio de 2016

Identidade Secreta

"Os reis deixaram aqui suas coroas e cetros; os heróis, suas armas. Mas os grandes espíritos, cuja glória estava neles e não em coisas externas, levaram com eles sua grandeza."

Fiquei muito impressionado como, em 2016, tivemos tantos lançamentos consecutivos de filmes de super-heróis. Batman Versus Superman foi lançado em 24 de Março, Capitão América: Guerra Civil foi lançado em 28 de Abril e X-Men: Apocalipse em 19 de Maio. Nos últimos três meses, nós tivemos praticamente um lançamento mensal para cada uma das mais icônicas personagens em quadrinhos que já existiram. Sem falar que está previsto para 4 de Agosto pelo menos mais um lançamento, Esquadrão Suicida. Neste caso, serão vilões que apelarão para o lado altruísta de si mesmo (vamos esperar o filme explicar esse enredo). Enfim, será que há alguma lógica por trás dessa "febre"?

Superman foi o primeiro super-herói em quadrinhos criado, no ano de 1938. Este link mostra em detalhes a cadeia de eventos históricos que culminou no lançamento do primeiro gibi desta personagem. Aquela revista serviu como estopim para o surgimento de tantas outras figuras, como Batman, Mulher-Maravilha, Vingadores, X-Men etc. A maioria dos lançamentos e das criações de super-heróis aconteceram no  final da década de 30 e início de 40. O que ocorria naquele período? Pois foi uma época de recuperação após a maior recessão econômica já vista, bem como o intervalo entre os dois maiores conflitos mundiais, a Primeira e a Segunda Grande Guerra.

E hoje, o que acontece hoje? É um período que busca a recuperação após a pior crise econômica mundial desde aquela primeira da década de 30. Além disso, guerras civis, crises políticas e terrorismo estão espalhados pelo mundo como nunca visto antes. Seria coincidência estarmos tão interessados em super-heróis novamente? Parece que alguém está esperando um salvador, um messias. Consciência coletiva... global? Aliás, sabia que um dos criadores da figura do Superman foi Joseph Shuster, canadense, filho de imigrantes judeus, o primeiro povo a esperar por um salvador, um messias?

Desviando: O Capitão América foi criado por Joe Simon e Jack Kirby, e fazia parte da Timely Comic (atualmente Marvel Comics) de Martin Goodman. Após dar um calote nos dois criadores da personagem, que acabaram indo procurar emprego na DC Comics, Goodman decidiu que não precisaria contratar mais ninguém para tocar suas publicações. O que ele fez? Promoveu a editor um office-boy de 19 anos que não lia quadrinhos, Stanley Lieber, ou Stan Lee, que foi apenas o criador de Vingadores, X-Men, Homem-Aranha e outros heróis.

Voltando: Existe um programa de TV chamado Os Super-Humanos de Stan Lee, da History Channel. É uma série que procura por humanos capazes de feitos extraordinários, impossíveis para qualquer outro ser humano comum. Tem de tudo, homem que não se fere com furadeira, outro que consegue entrar em uma banheira de água fervendo sem queimar-se, ainda outro que é imune a choques elétricos, um que consegue estourar bolsas de água quente apenas assoprando etc. A ideia do programa é promover uma caçada por alguém que possa ser considerado um super-herói da vida real, com super poderes de verdade. Então, eu fiquei pensando, se existisse um herói como dos quadrinhos, o que ele precisaria fazer para que eu acreditasse nele? Usar uma fantasia? Voar? Lançar fogo pelos olhos? Talvez ricochetear a bala de uma arma de fogo? Ou ainda, erguer automóveis como quem ergue uma folha de papel? Seria necessário todas essas coisas juntas, ou pelo menos uma delas? Pense você, alguém aparece na sua frente e diz que é um super-herói, o que você esperaria ver para acreditar nele?


Durante este devaneio, eu resolvi extrapolar a questão. Não sei como ser menos direto, portanto, se Deus aparecesse na minha frente, o que Ele precisaria fazer para que eu acreditasse que Ele existe e é Deus? Eu fiquei pensando... E se Ele viesse com algum tipo de roupa especial, uma farda por exemplo? Acredito que isso sugeriria a perda da minha liberdade e talvez motivaria a rebelião em mim. Será que eu precisaria ver sinais poderosos, super poderes? Mas isso poderia provocar medo e faria com que eu quisesse esconder-me dEle. Talvez Ele tivesse que aparecer com algum armamento extraordinário? Uhm... Isso inspiraria vingança, "olho por olho, dente por dente" e como em uma reação em cadeia nós poderíamos nos extinguir. Quem sabe Ele tivesse que aparecer com um super exército? No entanto, isso "cheiraria" a dominação e fatalmente iríamos querer destituí-lo do seu "cargo". Ou ainda, teria Ele que mostrar que é um ser avançado de uma galáxia longínqua? Desta vez, que tipo de deus seria um limitado pelas leis da física e da biologia? OK, e um ser transcendente, um espírito pairando no ar, contemplativo? Além de transparecer passividade, nunca teria direito de fazer cobranças, pois não saberia o que é ser um humano.

Há registros de que, certa vez, um homem apareceu dizendo que era Deus, claramente. Ele disse que se desfez da sua divindade e tornou-se igual a nós para nos ensinar o que é a vida de verdade, para mostrar que Ele sabe o que é ser um ser humano e que, consequentemente, conhece todas as nossas aflições. Entre suas missões, uma foi nos inspirar a prática de atos que não sabíamos que éramos capazes de executar, ou que sabíamos, mas estavam inertes. Ele foi simples, sem farda, sem super poderes, desarmado, sem um exército e de carne e osso, apesar de sua natureza divina. Ele disse muitas palavras, que apesar de modestas, são muito difíceis de se entender, a tal ponto que, por pura ignorância de minha parte, as vezes acho mais fácil nem tentar entendê-las. Sem falar dos atos praticados. Aliás, as vezes não tentamos entender algumas coisas apenas por que o assunto é muito batido, de tal maneira, que acreditamos já saber o suficiente. Isso já não é ignorância, mas presunção de minha parte.

Não é estranho? As primeiras características que listei parecem ser de uma divindade em quem acreditaríamos, mas que por outro lado nós não gostaríamos que existisse. As últimas listadas, as mais simples, são aquelas que gostaríamos de ver em Deus, mas que por sua vez, tendo sido exatamente desta maneira, não acreditamos que seja verdade. Se eu não sei o que esperar de Deus e por isso eu não acredito Nele, isso é uma limitação minha, mas não de Deus. Então, começo a acreditar que a questão relevante não é se Deus existe, mas sim o que Deus teria que fazer para que eu acreditasse que Ele existe.

Enfim, cada um deve ter sua própria resposta. Há quem diga que Deus é tudo. Jeová, Jesus, Buda, Oxalá, Natureza, Universo, Infinito etc. Mas deve haver alguma coisa que faça com que todos O reconheçam igualmente, algo padrão.

"Acreditar em tudo é o mesmo que acreditar em nada."

"Se um sistema é muito fechado, ele tende a morrer. Porém, se um sistema for muito aberto, muito fluido, ele tende a se descaracterizar."
Ed René Kivitz 

Para finalizar, "não reconhecer" não é sinônimo de "não existir". Se Deus aparecesse na sua frente bem agora, o que Ele teria que fazer para você acreditar que Ele existe e é Deus? Somente com essa questão em mente estaremos prontos para reconhecê-lO, caso Ele apareça. Inclusive, talvez nos surpreendamos ao descobrir que Ele sempre esteve lá, "disfarçado" entre nós. Ou não, podemos apenas considerar que tudo não passa de "histórias em quadrinhos", coincidências e que não merece mais atenção do que duas horas de uma sessão de cinema.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Eu, Eu Mesmo e Minha Consciência

"Até aos quarenta anos o homem permanece louco; quando então começa a reconhecer a sua loucura, a vida já passou."
Martinho Lutero

Segundo a definição convencional, filosoficamente falando, vida é o fenômeno que anima a matéria. Uma entidade poderá ser considerada um ser vivo se apresentar os seguintes fenômenos, pelo menos uma vez em sua existência: desenvolvimento; crescimento; movimento; reprodução; respostas a estímulos, e; evolução. Resolvido? Nem tanto. De acordo com esse conceito, poderíamos dizer que as estrelas são seres vivos.

Desviando: No caso específico dos seres humanos, também é comum empregar a palavra vida ao se referir ao tempo gasto com o que faz bem, ou com o que dá prazer. Descanso, férias, praia, esporte, lazer, piscina, ar livre, relaxamento, família, amigos etc. É um conceito muito usado para especificar o período entre uma sexta-feira, imediatamente após a jornada de trabalho, e uma segunda-feira, segundos antes do inicio da nova jornada. Tudo bem, segundos antes do inicio da jornada de trabalho é forçar a barra, que tal segundos antes de deitar-se domingo a noite?

Voltando: O fato de exceções como as estrelas encaixarem-se na definição filosófica de vida pode ser remediado se adicionarmos a palavra metabolismo ao conceito. Biologicamente falando, vida pode ser descrita como um processo contínuo de reações químicas e metabólicas, em um ambiente que apresente condições favoráveis a ocorrência e manutenção destas mesmas reações. Por isso que cada célula de nosso corpo, de uma árvore, ou de qualquer outro ser são consideradas vivas. Neste contexto, vida não tem relação nenhuma com consciência. Obviamente, se tentássemos fazer essa correlação, não obteríamos sucesso. Os animais irracionais e os vegetais não possuem consciência, mas são biologicamente vivos (já parou para pensar que chamar um animal de irracional não é um pleonasmo?)

Então, as questões, o que é consciência e qual sua função para a vida? (Claro que não tenho a menor pretensão de dar alguma resposta, por motivos óbvios, não sei). Será que tudo não passa de um incrível, minucioso e camuflado sentido de instinto, que nos ilude a acreditarmos que exista um eu (já citei aqui algo sobre um conjunto de circuitos que acreditava ser alguém). Diz-se que os seres conscientes são os únicos que sabem sobre si mesmo, sabem que existem e que são algo. Ou melhor ainda, são os únicos que possuem a capacidade de diferenciar a si mesmo do outro. Portanto, faço mais perguntas, "o que é ser?", "o que é existir?" e "o que é não ser o outro?". Já que também não sabemos as respostas para esses três conceitos base, então, talvez, a consciência não seja nada mais que a habilidade de fazer perguntas. Questiono, logo existo?

A série americana True Detective falou sobre ilusão, consciência e vida. Segue um vídeo aqui e a transcrição abaixo.

Sobre a consciência: "Eu acho que a consciência humana foi um erro trágico na evolução. Nós nos tornamos demasiadamente conscientes de nós mesmos. A Natureza criou uma parte separada dela mesma. (...) Somos coisas que vivem a ilusão de ser alguém. Temos a noção de que vivemos experiências sensoriais, que temos sentimentos. Programados, com certeza, de que cada um de nós é um alguém. Quando de fato, não somos ninguém."

Sobre a vida: "É isso que eu quero dizer quando eu falo sobre o tempo, a morte e a futilidade. Você olha nos olhos delas, mesmo numa foto, e não importa se estão vivas ou mortas. (...) Sabe o que você vê? Elas escolheram a morte. Não de primeira, mas ali, naquele último instante. É um nítido alívio. Porque elas estavam com medo. E agora elas viram, pela primeira vez, o quão fácil era simplesmente se deixar levar. E elas viram, naquele último nano segundo, o que elas eram de fato. Você, você mesmo, todo esse grande drama, não é nada mais do que um remendo de presunção e desejos tolos. E você pode simplesmente se deixar levar, enfim... agora que você não tem que se apegar com tanta força. E perceber que toda a sua vida, não importa o quanto você amou ou odiou, toda a sua memória, a sua dor... foi tudo a mesma coisa. Tudo fez parte do mesmo sonho. Um sonho que você teve dentro de um quarto trancado. O sonho de ser uma pessoa."

Então, a consciência, que busca sua individualidade e nos separa do outro, talvez seja o nosso grande mal. Ou melhor, quem sabe ela esteja sendo usada de forma errada. Não me admiraria se descobríssemos que ela foi criada com o objetivo de reconhecer o outro, mas não de conhecer a si mesma. Se a teoria evolucionista da seleção natural for mesmo correta, a consciência poderia ter sido desenvolvida apenas para permitir saber que há um outro. Somente assim, juntos, a espécie se perpetuaria. Reiterando, talvez a consciência não tenha sido criada para individualizar, mas para unir. Não tenha sido criada para saber quem é o um, mas para saber que, apenas como vários, os "uns" conseguiriam seguir em frente.


É justamente esta linha de raciocínio que o professor Clóvis de Barros Filho apresenta neste vídeo. É a ideia de um pensador singular, que revolucionou a humanidade ao introduzir o conceito de que a vida que vale a pena viver é aquela completamente dedicada ao outro, de que o amor é mais valioso que a vida (veja o vídeo antes de discordar). Uma ideia, até então, contrária a todos os outros pensadores, que pregavam o bem-estar, o individualismo, as conquistas e a satisfação pessoais.

Desviando: É incrível, como alguém conseguiu ter uma visão da humanidade tão além em uma época tão remota, de forma que chamá-lo de mente evoluída ainda seria limitar muito? É sobre-humana a capacidade de criar e apresentar conceitos que, mesmo com muita explicação, a humanidade inteira ainda pena para entender. O que há por trás desta mente? O que está por de trás das cortinas? O que ela viu além da entrada da caverna? O que foi escrito nas palavras e que ainda não conseguimos ler? Talvez por isso seja mais fácil apenas pedir para que se confie. Talvez por isso seja mais fácil apenas pedir para que se tenha fé.

Voltando: O que estamos tentando entender é "o que acontece se colocarmos consciência em um ser dotado de instintos?" A gente, acontece a gente, os seres humanos. Eu acredito que existem três tipos de seres. Primeiro, os animais, fundamentados na fome e nos desejos, puramente instintivos. Segundo, os seres humanos, que possuem toda a estrutura instintiva como os animais, mas que receberam a dádiva, ou o infortúnio, da consciência. Terceiro, os seres puramente conscientes, sem instinto, ou com estes completamente domados pelas rédeas do discernimento (já citei aqui sobre a possibilidade de aparecerem seres com roupas estranhas, em "caravelas", que nos mostrem que vivemos nus). Por isso nós ficamos nesta batalha entre o que se deseja contra o que se deve, entre o que eu sou contra o que eu gostaria de ser. Quase literalmente, seria a mesma coisa que, por um truque de mágica, dotar um símio de consciência.

Neste sentido, faço duas observações. A primeira é a esperança de um dia alcançarmos o patamar dos seres puramente conscientes, que não vivem para preencher o vazio do eu, mas sim o vazio do outro (o Céu). Então, conseguir escapar de uma vida de fome e sede insaciáveis, de dor e desconforto infindáveis (o Inferno). A segunda observação é que alguém poderia dizer que não seria bom perdermos nossos instintos, pois são justamente eles que nos tornam humanos. Porém, eu não fico plenamente confortável com essa ponderação. Já citei aqui que nossas conclusões são, em sua maioria, tendenciosas. O caso daquela tia que, ao acertar na loteria, não pretende comprar uma casa grande, pois dará muito trabalho para limpar. Ela avalia a situação sob o aspecto de quem não tem dinheiro, mas se esquece que, se milionária, poderia pagar para outras pessoas arrumarem a sua grande casa nova.

Enfim, a nossa sociedade, a partir de nossa geração, está se especificando demais. Está se subdividindo em muitos grupos de interesses. A cada dia surgem mais classes, partidos, tribos, facções, seitas, equipes, corporações, simpatizantes etc (haja sinônimo). Durante meus 36 anos de vida, nunca fui colocado frente a escolhas de lado, a escolhas entre posições ideológicas, tanto quanto atualmente. Perdi as contas de quantas vezes fui "forçado" a diferenciar-me de um grupo e identificar-me com outro, de quantas vezes fui questionado nesse sentido. Se nossa reflexão, sobre o verdadeiro propósito da consciência estiver correta, talvez estejamos tornando-a um problema, ou obsoleta. E se foi mesmo a seleção natural quem a criou, arrisco dizer que, ou seguiremos o caminho da extinção, ou a Natureza vai perceber que errou e dará um jeito de corrigir. Relevante frisar que uma opção não exclui a outra.


domingo, 8 de maio de 2016

ECA! Evocando a Cadeia Alimentar

"O melhor tempero da comida é a fome." – Cícero

Eu fiquei tentado em procurar tudo sobre cadeia alimentar na natureza para expor neste texto da forma mais clara possível. Pensei em escrever um ou dois parágrafos bem técnicos, com o objetivo de evitar ambiguidades. Imaginei "gastar as palavras" para não corrermos o risco de termos pessoas ainda com dúvidas. Porém, eu não sou um cientista e também não aprofundei-me em métodos de escrita técnica, portanto, o "tiro poderia sair pela culatra". Ou seja, sem medo de passar vergonha, eu diria que fiquei com medo de passar vergonha.

Então, lembrei-me de uma boa maneira de explicar algumas coisas, utilizando figuras. Não é o que dizem, que uma imagem vale mais que mil palavras? Mas não qualquer figura, as melhores são aquelas feitas para instruir crianças, pois são criadas para a parte do ser humano que nunca envelhece, o lúdico. Portanto, aí vai. Senhoras e senhores, respeitável público, apresento-lhes a equilibrada cadeia alimentar (fiquei na dúvida se essa imagem foi feita mesmo para crianças).


Por que estou falando tudo isso? Pois eu vi em um site, sobre ciência e religião, uma matéria a respeito do que acontece com corpos mortos dentro do mar. O resultado da pesquisa, executada por criminologistas da Universidade de Simon Fraser e da Universidade de Victoria, ambas no Canadá, apontou que em quatro dias, no máximo, um corpo se decompõe por completo, muito em função do trabalho dos camarões. O que chamou minha atenção foi um comentário feito pelo religioso responsável pelo site: "Graças a Deus, não como camarões e outros frutos do mar, já que está confirmado que eles são os urubus do oceano (eca!)". Eu não vou colocar o link como referência propositadamente, pois não acho que a pessoa deva ser exposta apenas porque disse o que pensa. Mas confesso, tem algumas coisas que acompanho apenas para ter o exemplo do que não repetir. É pertinente ressaltar também que a doutrina do religioso em questão segue algumas regras judaicas sobre não se alimentar com determinados tipos de frutos do mar, para não se "contaminar". Porém, meu enfoque não será teológico, quem sabe um outro dia.

Desviando: Falando em religioso, quando eu ainda estava na faculdade, um colega de classe apareceu muito cansado para a aula. Ele contou que foi devido a um familiar ter passado a noite doente e com febre. Parentes próximos, alguns amigos e esse meu colega ficaram em vigília durante toda a noite, orando para o doente ser curado. Eu perguntei o que o médico havia dito sobre o caso e ele respondeu que eles não eram desse tipo de pessoa, que eles tinham muita fé e não precisavam levar ninguém para o médico, bastaria ficarem orando e o familiar seria curado do que quer que fosse. Eu não soube o que responder naquele momento e senti-me mal por dois motivos. O primeiro foi que, apesar de partilhar da mesma crença que ele, eu jamais teria essa mesma fé. O segundo foi que eu não concordava com ele, mas não conseguia pensar em nada que o convencesse que estava errado. Levei anos para perceber que o primeiro motivo era a resposta, a minha resposta, que eu deveria ter dito usando outras palavras. De Deus eu não desconfio, acredito e sempre vou acreditar que Ele pode tudo. Eu desconfio é de mim, de que tenha mesmo tanta fé que eventualmente eu diga que tenho. Por isso, eu não posso ser negligente e também não quero ser responsabilizado. Prefiro orar lá no hospital, para o caso que a minha fé falhe. Além do mais, convenhamos, eu já tenho tanta coisa que eu não preciso, já sou tanta coisa que eu não deveria ser, se esse tal "superpoder" de trazer à realidade o que se pede fosse infalível, temo pelo que eu me tornaria.

Voltando: Quase convencido pelo "eca!" e, consequentemente, por uma dieta baseada em folhas, foi que veio a minha mente a cadeia alimentar, de que mais cedo ou mais tarde a morte é assimilada pela vegetação. Não satisfeito, ainda tentando convencer-me pelo vegetarianismo, apelei minha consciência para os fertilizantes sintéticos. Porém, lembrei-me também dos agroquímicos utilizados nas plantações que, além de atacarem os "bichinhos inocentes" da natureza, dos quais faço parte, também interferem no equilíbrio da cadeia alimentar. Portanto, está decidido, será água. Eu vou alimentar-me apenas com água. Não, espere, água não. Será apenas refrigerante, pois além de ser mais gostoso, também contém alguns compostos energéticos e sais que ajudam a sustentar melhor. Não, não quero ouvir como o refrigerante é produzido. Lá, lá, lá, lá, lá... (enquanto tapo os ouvidos).

Pois é, sem chance de dar certo, não é mesmo? E pior, como não se "contaminar" enquanto se faz a coisa certa? Bem, para podermos responder a esta pergunta, antes temos que responder outras duas, que talvez você não tenha percebido (quando a gente não percebe, fica bem perigoso). Enfim, as perguntas são "o que é se contaminar?" e "o que é a coisa certa?". Não poderíamos ser diferente desta vez, por isso não teremos as respostas. Não porque eu não queira, mas porque eu não sei mesmo. Porém, mesmo sem as respostas, fazer perguntas como estas é extremamente importante, pois impede que plantem ideias nas nossas mentes sem que percebamos.

Finalmente, uma coisa eu tenho que concordar com aquele religioso: "graças a Deus". Graças a Deus, nós temos condições e podemos escolher o que comer, pois se não pudéssemos, eu não hesitaria em comer, e dar de comer aos meus filhos (se os tivesse), um urubu assado ao estilo frango a passarinho, ou quem sabe ao molho de camarão (nem sei se combinaria). Eu não sou referência para ninguém, mas se fosse, ao invés de utilizar a expressão "eca!", acho que eu preferiria deixar outra mensagem, de que tem muita gente por aí que não tem o luxo de dizer "eca!".