"Quarto duplo significa que duas pessoas podem ficar pelo preço de uma, que tem de pagar o dobro se estiver sozinha."
Ralph Shaffer
Charles Darwin foi um naturalista,
escritor, geólogo e cientista que viveu no século XIX. Ele publicou em 1859 o
livro chamado "A Origem das Espécies", onde compilou um importante estudo, formulado
durante uma viagem de aproximadamente cinco anos por várias regiões do mundo. O
estudo se baseou na grande variedade de características geológicas, fósseis e
organismos vivos encontradas naquelas regiões visitadas, resultando na teoria da evolução. Essa teoria consiste na
consideração de que todo ser vivo tem um ancestral comum e a descendência desse
ancestral foi sendo moldada, sendo adaptada ao longo do tempo às diferentes
condições presentes no nosso planeta, por seleção natural, culminando em todas
as espécies que existem hoje na Natureza da forma como são.
De uma forma bem resumida, a teoria explica que o ambiente apresenta
inúmeros obstáculos para a sobrevivência de um ser vivo e apenas aqueles seres que
se adaptam geneticamente melhor conseguem sobreviver. Por exemplo, o ambiente
pode apresentar variações extremas de temperatura, baixa disponibilidade de
alimentos, grande variedade de predadores ou organismos parasitas, e apenas aqueles
seres que possuírem as melhores proteções contra calor e frio, que forem os mais
velozes, os mais fortes, os mais "espertos" conseguirão sobreviver. Vale citar
que as adaptações genéticas necessárias às diferentes condições do ambiente,
considerando que o ancestral foi comum, ocorrem por mutações, recombinações e
transferências genéticas ao longo das gerações.
Um ponto interessante de se pensar é que ao longo de milhares de anos, a Natureza ditou as condições sobre as quais os seres vivos foram se adaptando.
Considerando que o processo de seleção natural ainda continua e que os seres
humanos estão interferindo nas condições, que tipo de seres vivos existirão
daqui tantos outros milhares de anos? Como serão os seres humanos? Enfim...
Desviando: Vamos exercitar a imaginação. Um professor renomado, de uma
universidade também renomada, publica em um jornal a teoria que formulou
explicando como toda a água do planeta chegou até aqui há milhões de anos
atrás. Tudo bem fundamentado sobre ótimos métodos científicos. Lá na matéria está
escrito que a probabilidade da teoria estar certa, arredondando para cima, é de
1%. Enquanto lemos a notícia, o "Zé da Esquina" encontra com a gente e dá o
palpite dele sobre como toda a água do planeta chegou até aqui na Terra. Nessa
hora, a gente acha que ele pode ter ingerido bebida alcoólica demais, deixamos
a dica para ele não dirigir naquele estado, nos despedimos e fechamos o portão
de casa. Lá dentro, não tendo muito mais o que fazer, resolvemos realizar
alguns cálculos rápidos e descobrimos que a probabilidade do "Zé da Esquina" ter
acertado é bem pequena, mas dá para arredondar para 1% também. A pergunta é: o
que pesa mais, um quilograma de chumbo ou um quilograma de algodão? Fico com o
direito de duvidar tanto do professor renomado quanto do "Zé da Esquina" e ter minhas próprias convicções, que também não chegam
a 1% de chance de estarem corretas, nem de longe.
Voltando: A teoria da evolução funciona bem para explicar a Natureza
(não sei com que precisão), mas que tipo de história ela nos conta? Essa teoria
sugere o que devemos ser, ou explica o que nos tornamos? (já falei um pouco
sobre conto de fadas aqui)
Sempre haverá alguém melhor adaptado que nós, mais forte, mas
inteligente, mais rico, mais conquistador, mais eloquente, com melhor
currículo, com uma casa melhor, com um carro melhor, mais poderoso do que cada um
de nós e por aí vai. Então, o que podemos fazer?
Talvez fosse óbvio responder que deveríamos correr atrás (seja lá do que
for), deixar nossa marca no mundo ("just do it"), construir algo que ficará para
a posteridade (importante usar as melhores argamassas), mas isso é o mesmo
que concluir que nós não somos importantes. E de fato, no nosso mundo, o
importante é o que se constrói, é o que fica, o importante é perpetuar a
espécie dos fortes, perpetuar o código genético dos "espertos". Eu e você, ou melhor, a existência
dos indivíduos chamados pelo meu e pelo seu nome não são importantes. Acho que essa
é a história contada, mas ainda estou em dúvida se é uma sugestão ou uma
explicação.
Desviando: Se existisse somente um tipo padrão de doença mental no mundo
e 99% das pessoas tivessem essa doença, que nome daríamos para esse padrão?
Provavelmente de realidade. A loucura é a ilusão que se vive sozinho, a sanidade
é a ilusão que se vive coletivamente. (já falei um pouco sobre isso aqui)
Voltando: Por que queremos cargos? Contra quem competimos? Pelo que
competimos? Há bons empregos para todo mundo? Há vagas na universidade, bons
salários, direitos, oportunidades e mesmo três refeições diárias e dignas para
todo mundo? O que o ambiente que conhecemos por realidade oferece? O que é
preciso fazer para conseguir o que se oferece? Que tipo de pessoa se dá bem? O
que é se dar bem? Qual seria o custo de ser diferente? (já falei sobre valores aqui)
Se a realidade que construímos fosse (estou amenizando) uma "doença", qual
seria a cura? Com certeza não seria ser vítima, já que a exposição ao agente
causador poderia piorar o quadro. Também não seria seguir o ditado "se não pode
vencê-los, junte-se a eles", afinal de contas, ninguém sai por aí tentando se
tornar um vírus para se curar de uma gripe. Então como?
Os negócios podem ser agressivos, mas nós não precisamos sê-lo. OK, o
mercado irá nos “engolir” se formos gentis. Mas ele já não está nos engolindo?
Nós podemos ser mansos ao expor nossas ideias. OK, podemos ter baixa assertividade
com aparente passividade. Mas já não estamos falando sozinhos mesmo quando
somos firmes? Podemos guardar parte do dinheiro do restaurante para ajudar
alguém com fome. OK, nos esforçamos muito para termos o que temos e merecemos
desfrutar disso. No entanto, não podemos esquecer de colocar na conta os
comprimidos que nos ajudam a ficar acordados durante o dia e aqueles que nos
ajudam a dormir durante a noite. Nós podemos emprestar na certeza de que não
receberemos de volta e não se preocupar com isso. OK, então estaremos
trabalhando para os outros. Mas já não estamos trabalhando para os outros?
"Professor
Norman: Os golfinhos não inventaram o sonar, eles desenvolveram-no,
naturalmente. E esta é a parte crucial da nossa reflexão filosófica de hoje: podemos
concluir portanto que os seres humanos estão mais preocupados em 'ter' do que 'ser'?"
Lucy (2014)
O que estou tentando dizer é que nos comportamos como se desejássemos
comprar algum produto e a loja do fim da rua o vendesse por um custo razoável,
porém acessível, mas descobríssemos que em uma cidade a alguns quilômetros de distância
o mesmo produto pudesse ser encontrado de graça. Então, gastaríamos com
combustível para a viagem e com o pedágio da estrada o equivalente ao custo do
item na loja da esquina. Quando voltássemos para casa contaríamos vantagem
dizendo que fomos "espertos", sagazes ao encontrar um local onde o produto é de
graça. E perceba que não estamos entrando no mérito se o produto que desejamos é o que precisamos.
O nosso mundo é realmente dos conquistadores, dos mais fortes, dos "espertos",
mas um mundo diferente consiste apenas em perceber que o problema não é quanto se custa, mas é pelo que
estamos pagando. Se as nossas escolhas fossem pela mercadoria certa, o mundo não seria dos "espertos",
eles não estariam adaptados, não teriam lugar. E eu não estou falando dos outros, mas estou falando de nós. A teoria da evolução seria
outra.