segunda-feira, 25 de maio de 2015

É Receio que Estrague, ou Não é Seu?

"Estamos usando nosso cérebro de maneira excessivamente disciplinada, pensando só o que é preciso pensar, o que se nos permite pensar." José Saramago

Segundo a teoria da evolução, o nosso cérebro se aprimorou ao longo de milhares de anos em complexidade e conteúdo, especificamente de dentro para fora, de forma que sua estrutura reflete os estágios dessa evolução.

Dentro do cérebro, o tronco cerebral representa o passado mais antigo, onde as funções biológicas básicas para a manutenção da vida são controladas, por exemplo, o batimento cardíaco e a respiração. Ao redor do tronco cerebral encontra-se o complexo R (de réptil), fonte da agressão, do ritual, da territorialidade e das hierarquias sociais. Mas não é por associação com o comportamento de um jacaré que esse nome foi dado (apesar desta relação existir), foi porque essa parte do cérebro se desenvolveu há centenas de milhares de anos nos répteis. Depois do complexo R, tem-se o sistema límbico, a parte mamífera do cérebro, fonte dos humores, emoções, da preocupação e cuidado com nossa espécie. Finalmente, na parte mais externa, tem-se o córtex cerebral que representa dois terços de toda a massa cerebral e foi formado a dezenas de milhares de anos, onde se encontra a intuição, a análise critica, a matemática, a música, a escrita, a fala... a consciência.

Nesse trecho de vídeo encontra-se tudo o que eu acabei de dizer. Quando tiver um tempo, veja o vídeo todo. Eu gostei bastante, apesar de discordar pontualmente de algumas coisas.

Desviando: Há muito tempo alguém me contou uma história, ou eu li em algum lugar. Não lembro direito.  Um macaco se tornou humano por um dia e aprendeu tudo sobre nós. Como falamos e como nos relacionamos. Aprendeu sobre nossas criações, nossa cultura. Aprendeu como moldamos o mundo ao nosso redor de acordo com nossas necessidades, ou de acordo com o que queremos. Aprendeu que estamos, ou pensamos que estamos, no topo. Aprendeu a ler, a usar computadores, a dirigir. Aprendeu sobre nossos sentimentos, amor e ódio, sobre nossas dores e alegrias. No fim das 24 horas, após ter se tornado um humano completo, voltou a ser macaco e enfrentou o maior de seus desafios. Como contar aos outros macacos tudo o que ele viu e aprendeu? Como fazê-los entender? Com fazê-los acreditar no que eles poderiam ser?

Voltando: Nós e nossa sociedade somos um produto do cérebro? Ele é um ser supremo, escondido, manipulador, preocupado apenas com a perpetuação de sua "espécie cérebro", fazendo uso de uma luva, de uma carcaça, apenas como um meio, uma ferramenta, para moldar o exterior de acordo com suas necessidades? Se for isso, ele tem obtido sucesso, basta dar uma pensada rápida em toda a evolução da humanidade e suas sociedades. Egípcios, Maias, Gregos, Romanos, Idade Média, Idade Moderna, Hoje e por aí vai. Quantos cérebros existiram no passado e quantos existem hoje? O que era a nossa sociedade e o que ela é hoje? Tudo produto do cérebro?

Quando pensamos em um dedo, uma mão, ou em um coração, é fácil e rápido chegar a conclusão de que são partes controladas, apenas seguidores de ordens. Mas quando falamos do cérebro? Ele segue ordens, ou dá ordens? Desejos, prazeres, sentimentos, decisões, planejamento, liberdade, controle, sociedade, consciência. Somos nós mesmos que puxamos o gatilho? Ou são apenas artimanhas de um conquistador?

"Liz Kline: Ele não está tomando decisões?
Dr. Norton: Sim e não. Na vida cotidiana, homens como o Alex tomam decisões. Mas quando ele está em batalha, o visor desce e o software entra no controle, a máquina faz tudo. O Alex é só um passageiro que está de carona.
Liz Kline: Se a máquina está no controle, então quem puxa o gatilho?
Dr. Norton: Quando a máquina luta, o sistema manda um sinal para o cérebro, assim ele pensa que está fazendo o que o computador faz. Alex acredita que ele está no controle. Mas não está, é só uma ilusão de livre arbítrio.
Liz Kline: Droga. Você criou uma máquina que acha que é um humano? Mas isso é ilegal.
Sellars: Não, não. É uma máquina que acha que é Alex Murphy. E a meu ver, isso é legal."
Robocop

Ou o cérebro também não passa de uma ferramenta? Há algo além dele, que o domina, o controla, que manda as ordens e toma as decisões e que apenas precisa de um hardware para que o software seja executado? Se essa for a verdade, não fique tão animado. Considerando que  tudo que foi desenvolvido, construído, toda a evolução da humanidade e de sua civilização nos últimos milhares de anos não passou de busca pelo conforto, de um lugar melhor, mais limpo e mais confortável para que a armadura possa durar mais tempo, então o verdadeiro "eu" é um ser bem egoísta e principalmente superficial.

De um jeito não temos o controle, somos passageiros, peças. De outro jeito nossas ações demonstram que um possível inefável "eu" está preocupado apenas com a roupa que veste. Não quer que ela doa, não quer que ela se esforce, não quer que ela envelheça, não quer que ela padeça. Caprichos?

É angustiante, não temos a resposta, nunca teremos, ou um dia quem sabe teremos. Eu tenho a esperança de que um dia teremos a resposta. OK, não faz sentido ter essa esperança, mas faria mais sentido não ter? Não são apenas duas faces de uma mesma moeda?

Desta vez não vou dizer que nós precisamos fazer escolhas, vou dizer que só precisamos entendê-las. Por quê? Porque o primeiro passo para a cura é aceitar que se está doente. Quem sabe assim possamos ser algo melhor hoje do que fomos ontem. (lembra dos macacos que não subiam a escada sem mesmo saber porque?)

"Oráculo: Doce?
Neo: Você já sabe se vou pegar?
Oráculo: Eu não seria um oráculo se eu não soubesse.
Neo: Mas se você já sabe, como eu posso fazer uma escolha?
Oráculo: Porque você não veio aqui para fazer a escolha. Você já a fez! Você está aqui para entender porque fez essa escolha.
(...)
Oráculo: Você a vê morrer?
Neo: Não.
Oráculo: Você tem a visão agora, Neo. Você está olhando para o mundo sem tempo.
Neo: Então por que não posso ver o que acontece com ela?
Oráculo: Nunca podemos ver além das escolhas que não entendemos.
Neo: Você está dizendo que eu tenho que escolher se Trinity morre ou vive?
Oráculo: Não, você já fez essa escolha. Agora você tem que entendê-la."

Matrix Reloaded

Pensemos no que acreditamos e em como temos nos comportado. Nós acreditamos ser, ou nos comportamos como, uma peça, uma engrenagem? Apenas fazemos parte do plano, seja lá qual for o plano e quem o coloca em prática? Ou nós (o que quer que o "nós" signifique, ou onde que quer o "nós" habite de fato) vivemos o controle, damos as ordens, estamos além de apenas sacos de carne com medo de sangrar?

Pensemos em como estamos vivendo, no que estamos fazendo, como nos sentimos, o que nossos atos dizem por nós. É bem possível que vivamos uma coisa, mas digamos que acreditamos em outra, e mesmo assim estejamos sendo sinceros. Somos inocentes? Só não queremos turbulência? Ou somos de fato peças? Entendamos a escolha que já fizemos faz um bom tempo e avaliemos se nos tornamos quem gostaríamos de ser, ou quem deveríamos ser. E finalmente, depois de entender nossas escolhas, podemos deixar tudo como sempre foi, ou resolver tirar o brinquedo da caixa.

domingo, 17 de maio de 2015

Deuses Tomam Sopa no Topo do Monte Olimpo

"Quanto melhor é uma pessoa, mais difícil se torna suspeitar da maldade dos outros." Marcus Cícero
Na mitologia grega, o monte Olimpo era considerado morada de doze deuses. Esses deuses viviam em um palácio de cristal no topo do monte e regiam a sina dos mortais que viviam a base do monte. Mas os deuses estavam longe de serem perfeitos. Se você pesquisar sobre o assunto verá que entre eles existiam intrigas e ciúmes, por exemplo. O que separava os deuses do Olimpo dos mortais era o acesso a poderes, era o que eles sabiam e que os mortais não sabiam, era o controle que eles podiam exercer sobre o destino, o qual os humanos se limitavam apenas a aceitar. Alguns poucos humanos tentavam enfrentar os deuses, colocando os seus destinos em cheque, mas a opressão era tão forte, que mesmo esses poucos "rebeldes" eram considerados semideuses, filhos de pais deuses com mães mortais. Por exemplo, Hércules, filho de Zeus com uma mãe humana. Ou seja, humano, humano mesmo, só poderia aceitar o seu destino, aceitar que era apenas uma peça no tabuleiro dos deuses.

Fiz um teste alguns anos atrás para uma vaga em uma universidade. Teve uma questão sobre mitologia grega. Na ocasião eu errei a questão. Quem poderia imaginar, mitologia grega? O que tem a ver? Mas sejamos pacientes, chegaremos lá.

Aliás, quem já precisou testar suas habilidades e conhecimentos, através de uma prova de seleção para uma vaga na faculdade ou para um emprego, já ouviu falar de nota de corte. Para quem nunca ouviu falar, ela é a pontuação mínima que separa aqueles que foram aprovados no teste daqueles que não foram aprovados. Cada instituição responsável pela aplicação dos testes define os métodos de cálculo dessa nota mínima. Ela geralmente é calculada em função do número total de pontos possíveis no teste, do desempenho médio dos candidatos, do número de candidatos e do número de vagas disponíveis. Por exemplo, quanto maior o número de candidatos e menor o número de vagas, a nota mínima tende a ser elevada, o concurso é mais concorrido. Exemplo.

Com esse conceito de nota de corte na cabeça, eu estive imaginando qual seria a nota mínima para a bondade. Qual a nota mínima que separa uma pessoa boa de uma pessoa má? Eu sei, você deve estar imaginando que não é possível fazer esse tipo de cálculo, que eu deveria adicionar ao recurso de "desviando" e "voltando", que costumo usar nos textos desse blog, a opção "viajando" (boa ideia). E eu concordo com você, não é possível montar uma fórmula que calcule essa nota mínima. Seriam sete bilhões de candidatos e sete bilhões de vagas disponíveis, uma vez que não há limite. Em teoria, quem quiser ser bom pode ser. Como medir a bondade? Que índice utilizar? Qual a escala de pontuação? Resumindo e sendo mais direto, de zero a dez, que nota separaria os bons dos maus?

Desviando: Se você precisa atravessar uma rua de dez metros de largura e a 150 metros de sua posição vem um carro a 60 km/h, a qual velocidade você precisa andar, ou correr, para que não seja atingido enquanto atravessa a rua? Uma vez realizado esse cálculo, você ainda deverá verificar se é capaz de andar ou correr com velocidade necessária. O que eu quero que você perceba é que você faz essa conta todas as vezes que você precisa atravessar uma rua, mesmo sem nunca ter pensado que tipo de cálculo daria a resposta correta, ainda com o agravante de não ter certeza da velocidade do carro e nem da distância que ele está de você, pelo menos nunca vi um motorista tirar a cabeça pela janela do carro e gritar "eu estou a 60 km/h e a 150 metros de você".

Voltando: Como já decidimos, não acreditamos que seja possível colocar no papel a fórmula para calcular a nota mínima que definiria quem é bom e quem é mau, e nem mesmo que essa nota possa existir. Mas isso não significa que você não viva fazendo essa conta. Isso, acabei de dar um exemplo, os cálculos instintivos para atravessar uma simples rua. Opa...

Imagine que um pai perdeu um filho atropelado por um motorista bêbado. Quem você acha que é mais malvado? O motorista bêbado, ou o principal responsável pelo holocausto? Qual seria a resposta que o pai do garoto morto daria, ou a resposta de uma pessoa que perdeu uma pessoa querida no holocausto? É como se a razão entrasse em conflito com o instinto e fosse necessário imprimir um esforço para não aceitarmos a escolha que fazemos sem pensar. Já ouviu aquela pergunta sobre o que é pior, roubar um real, ou um milhão de reais? Racionalmente, roubo é roubo, é independente do que se rouba, mas eu preciso pensar no assunto para chegar a essa conclusão. O instinto é eu dizer que roubar um milhão de reais é mais... roubo.

Tomo a liberdade de parafrasear uma personagem bem conhecida: "Sabe o que eu notei? Ninguém se apavora quando tudo corre de acordo com o plano. Mesmo que o plano seja horripilante. Se amanhã eu disser à imprensa que um arruaceiro vai levar um tiro, ou que um caminhão com soldados vai explodir, ninguém entra em pânico, porque tudo faz parte do plano. Mas quando eu digo que um hospital vai pelos ares... Aí todo mundo perde a cabeça." O Coringa – Batman, O Cavaleiro da Trevas

É bem fácil perceber esse conflito entre o que sabemos e o que somos quando a questão é tão gritante, mas e quando a questão é mais sutil, quando o limite é quase imperceptível? Quando ouvimos alguém escondido falando mal de nós, ficamos irritados, ou nos lembramos que de vez em quando temos algumas opiniões que não se recomenda expor à pessoa relacionada? As nossas falhas são mais justificáveis que as falhas dos outros? Quando decepcionamos alguém, nós temos uma explicação muito plausível para a falha, tudo se encaixa perfeitamente em nossa mente. Mas e quando alguém nos decepciona, será que há alguma explicação tão passível de aceitação assim? O que gostaríamos que fizessem por nós quando falhamos? O que fazemos pelas outras pessoas quando elas falham conosco? Qual a nota de corte? Quem é bom e quem é mau? Quem merece uma chance e quem não merece? Quem sabe de fato o que anda fazendo por aí? Quem pode ver e quem é cego? Por que nós merecemos ser compreendidos e os outros menos? Quem merece morrer e quem merece viver? (já toquei no assunto pena de morte aqui) Quem é o deus do Olimpo e quem é o mortal?

Desviando: Já ouvi algumas pessoas falarem que o amor mais próximo do amor perfeito é o amor de pai e mãe. A justificativa, ou a base do raciocínio, é que um pai e uma mãe tem amor incondicional pelo seu filho. Não importa quem o filho é, ou o que o filho faça, ou o que deixe de fazer, o pai e a mãe sempre vão amar o seu filho. Inclusive, o pai e a mãe podem até promover juízo sobre o seu filho, caso o que ele venha a ter se tornado o faça merecedor disso, mas os pais nunca vão deixar de amá-lo. Enfim, basta o filho ser e os pais já o amam e eles o amam só por ele ser. Concordo que os pais são privilegiados em ter a melhor possibilidade de se aproximar do amor perfeito como nenhuma outra pessoa, mas discordo da situação. Para mim, quando um pai e uma mãe forem capazes de entregar seu filho em troca de privar o filho de outra pessoa de algum mal, aí sim, acho que vão ter se aproximado do amor perfeito. Já ouvi falar de alguém que foi capaz de fazer isso, mas essa é outra história, ou não.

Voltando: Nós podemos até não acreditar na existência dos deuses do Olimpo, mas temos que concordar que o monte existe e ele consegue mesmo separar mortais e deuses, instinto e verdade. E esse monte é tão alto que sentimos que apenas um deus ou um semideus poderia transpô-lo. Mas e se não precisássemos escala-lo, bastasse movê-lo?
"Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: 'Levante-se e atire-se no mar', e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito." Marcos 11:23
Talvez precisemos apenas fazer as escolhas certas, mais uma vez, aquelas escolhas que não dependem do que é calculado, ou do que é quantificado, ou do que é justo e injusto (já falei disso aqui). Nós sempre teremos razão, sempre seremos vitimas, sempre seremos culpados. Nós todos temos o mesmo peso e a mesma medida. Dois pesos e duas medidas é um conceito apenas conveniente.


Uma parábola conta que o inferno é um lugar onde as pessoas estão famintas e sentadas na frente de um caldeirão de sopa. Cada uma tem nas mãos uma colher cujo cabo é muito comprido e por ser tão longo não podem alcançar as próprias bocas. Enquanto no céu, com o mesmo caldeirão de sopa e com o mesmo tamanho de colheres, as pessoas não passam fome, pois aprenderam a servir umas as outras.

E não nos enganemos, hoje nós estamos falando sobre comportamento e não sobre sentimentos. Nós temos o direito de sentirmos raiva, mas não temos o direito de sermos cruéis (ouvi isso aqui).

domingo, 10 de maio de 2015

Vamos Elefantinho, Pense

"E conhecerá a verdade e a verdade te libertará." Jesus Cristo
Fico imaginando o que o autor dessa frase vislumbrava em sua mente enquanto a pronunciava.


A escravidão sempre fez parte da história da humanidade. Na maioria das civilizações antigas, uma pessoa assumiria a condição de escrava como espólio de guerra após a derrota em um conflito, ou como pagamento de uma divida, por mau comportamento cívico, por atos de pirataria, por ser descendente de escravos, ou por simplesmente pertencer a determinado grupo, povo ou raça. Os escravos perdiam o controle sobre a própria vida, seus donos tinham o direito de comercializá-los e de usufruir de suas qualidades profissionais e de suas forças, podendo inclusive dar cabo de suas vidas. Ou seja, os escravos eram considerados um bem, uma mercadoria.

As atividades as quais se aplicavam esse tipo de mão de obra eram as mais diversas: domésticas, em minas, agricultura, serviços públicos, prostituição (aqui vale uma ressalva, acredito que o conceito de prostituição deveria ser substituído por abuso sexual quando associado a escravidão), atividades de riscos, entre outras. Na Grécia antiga, todas as atividades eram abertas aos escravos, com exceção da política, enquanto em Roma, os escravos não tinham direito algum. No entanto, nos dois casos os escravos domésticos eram mais favorecidos que os demais. Era possível, por exemplo, que os escravos domésticos substituíssem seus donos em reuniões importantes e os acompanhassem em viagens de negócios. Para as demais atividades, o método se assemelhava mais a escravidão como ocorreu no Brasil, em que o castigo era o principal meio de "motivação" para forçar a execução dos serviços. É importante mencionar que no Brasil, inclusive, a escravidão foi exclusivamente racial e voltada aos negros africanos (existiu um período em que os índios também foram escravizados), diferente das demais civilizações onde não existia esse tipo de especificidade.

Como sabemos, hoje em dia a escravidão é condenada pelos direitos humanos: ARTIGO 4° - Ninguém deverá ser mantido em escravidão ou trabalho forçado; a escravidão e o comércio de escravos foram proibidos em todas as suas formas.

Mas eu não tenho tanta certeza de que isso seja realmente uma verdade, tampouco estou fazendo referência a criminosos que ainda continuam subjugando pessoas e crianças ilegalmente. Estou falando de coisas legitimadas. São oito ou dez horas do dia dedicadas ao trabalho e oito horas dedicada ao sono. Das seis horas que restam, parte é dedicada ao banho, à escolha da roupa, a preparação do alimento, à refeição propriamente dita, a lavar a louça, a cortar a grama do jardim, a dar uma ajeitada na casa, para pagar as contas, preparar as crianças para a escola, para levá-las para a escola e depois buscá-las, para ir ao supermercado, a farmácia, a padaria, para levar o cachorro para passear etc. O que sobra de tempo após tudo isso, nós usamos para pensar no dia seguinte, correndo o risco de nos perguntarmos porque deveríamos repetir tudo de novo, a não ser que estejamos com o controle da TV na mão.

O sistema não foi criado para a bateria, mas a bateria foi criada para o sistema. Uma bateria não faz escolhas, tampouco sabe para o que serve de fato, apesar de executar muito bem a tarefa para a qual foi designada pelo sistema.


Desviando: Já ouvi uma história de que cinco macacos foram colocados em uma jaula, com um cacho de bananas pendurado no teto e com uma escada que permitia o acesso até elas. Sempre que um macaco tentava alcançar as bananas os cientistas jogavam um jato de água fria nos macacos. Quando os animais entenderam a regra passaram a impedir na medida da força que qualquer macaco subisse as escadas. Aos poucos, um a um os macacos foram substituídos, de forma que cada novo integrante logo entendia, na base da surra, que não deveria subir as escadas para tentar pegar as bananas. Com o passar dos dias, todos os macacos foram substituídos por novos macacos, que nunca experimentaram o banho de água gelada, mas continuavam seguindo o mesmo procedimento de impedir que qualquer um tentasse alcançar as bananas. Os cientistas concluíram que se os macacos soubessem falar eles perguntariam uns aos outros "por que vocês atacam e batem em quem tenta se aproximar das bananas?" e a resposta certamente seria "não sei, as coisas, por aqui, sempre funcionaram dessa maneira". Eu vou além, acho que a conclusão dos cientistas foi equivocada. Nós somos a prova de que saber falar não implica que esse tipo de pergunta será feita.

Voltando: Nós somos escravos da nossa mente também. Temos medos e expectativas. Temos medo da morte, por exemplo, e fazemos o que for preciso para evitá-la. Alguém um dia disse que a humanidade é a única espécie que tem a certeza da viagem de ida, mas mesmo assim vive tentando devolver a passagem. Temos expectativas de conseguir o que queremos, de sermos queridos, de conquistar, fazemos o que for preciso, lutamos com todas as nossas forças, afinal de contas "querer é poder". E quando nossas expectativas são frustradas nos sentimos injustiçados. Tente falar de "querer é poder", de um mundo justo e cheio de possibilidades para uma mãe cujo filho foi condenado a morte e executado injustamente.

Desviando: Falando em pena de morte, tivemos neste ano dois brasileiros executados na Indonésia por tráfico de drogas. Quando comparamos a forma como os bárbaros resolviam os seus problemas no passado com a forma como fazemos hoje, podemos nos considerar evoluídos. Mal sabiam os bárbaros que a evolução deles dependia apenas de escrever seus códigos em um livro e chamá-lo de lei. Isso mudaria tudo, seriam uma civilização a frente no seu tempo. Mas isso é assunto para um outro post.

Voltando: O povo hebreu, após escaparem da escravidão do Egito, viveram 40 anos no deserto até conseguirem chegar ao destino final para usufruírem da própria liberdade. Isso ocorreu para que a geração que nasceu livre substituísse a geração que nasceu escrava. A geração que nasceu escrava costumava olhar para trás e fazer comentários do tipo "pelo menos no Egito tínhamos carne para comer". Essa história está inteirinha neste pequeno capítulo. Isso me remete a dois pontos: 1 - O elefante que cresceu preso por uma corda, quando adulto, não tem noção de que é forte o suficiente para romper a corda; 2 - De qual geração fazemos parte?
"E finalmente a pergunta. O mistério sobre quem será a história. Sobre quem fecha as cortinas no final. Quem escolhe os passos de nossa dança? Quem nos enlouquece? E muda repentinamente nosso destino? E nos coroa com a vitória quando sobrevivemos ao impossível? Quem é? Que faz todas essas coisas? Quem honra aqueles que amamos com a vida que levamos? Quem manda monstros para nos matar e, ao mesmo tempo, diz que nunca morreremos? Quem nos ensina o que é real e de como rir das mentiras? Quem decide por que vivemos e o que morreremos defendendo? Quem nos acorrenta? E quem guarda a chave que pode nos libertar? É você. Você tem todas as armas de que precisa. Agora lute."
Sweet Pea – Sucker Punch, Mundo Surreal

domingo, 3 de maio de 2015

Caindo no Próprio Blefe, ou Aposta Conveniente?


"O homem não é nada em si mesmo. Não passa de uma probabilidade infinita. Mas ele é o responsável infinito dessa probabilidade." Albert Camus


No Brasil, o jogo de loteria (ou o que chamamos especificamente de Mega-Sena) consiste em escolher seis números em um total de 60 disponíveis. A probabilidade de acertar os seis números sorteados é de 1 em 50.063.860.

Vamos supor que um grão de arroz pese 0,01 grama. Então, 50.063.860 grãos de arroz juntos pesam 500 kg aproximadamente. Isso significa que acertar os seis números da loteria seria o mesmo que “pescar” de primeira um único grão de arroz marcado e escondido dentro de 100 sacos de 5 kg de arroz, sem estar olhando.

Em 2009 o NSC (National Safety Council – Conselho Nacional de Segurança), órgão público americano, divulgou alguns dados curiosos. A probabilidade de que uma pessoa morra em um acidente de carro como ocupante é de 1 em 492, já como pedestre é de 1 em 723. A chance de uma pessoa morrer atacada por um cachorro também foi calculada, 1 em 103.798. Então, a probabilidade que uma pessoa morra por qualquer uma dessas três opções é de 1 em 292. Tabela completa.

Em teoria, se alguém nos sugerisse arriscar um palpite na loteria, deveríamos achar isso uma loucura, pois a chance de morrermos a caminho da casa lotérica em um acidente de carro (como ocupante ou como pedestre) ou atacados por um cachorro é 171.452 vezes maior do que a chance de acertarmos os seis números que serão sorteados. Mas por algum motivo (não me pergunte qual) ainda assim saímos para arriscar o palpite. Então, convenhamos de que não acreditamos somente no que é calculado ou no que é medido, caso contrário estaríamos afirmando que acreditamos em uma coisa, mas vivemos outra. Talvez nem tenhamos pensado ainda no que acreditamos.

Desviando: Um amigo costumava fazer uma piada, de que a probabilidade de ganharmos na loteria é de 50%. Ou se ganha, ou não se ganha. As vezes eu acho que acreditamos mesmo nisso.

Voltando: Apesar de você já ter me convencido de que não acredita tanto assim na matemática, ou pelo menos de que age diferente do que diz que acredita, eu gostaria de insistir um pouco mais no assunto. Vamos aumentar a ordem de grandeza dos números, ou diminuir muito as probabilidades (infelizmente não teremos como realizar cálculos). Tente imaginar a cadeia de eventos desde a criação do universo que culminou no surgimento dessa massa orgânica e que você chama de corpo. Façamos um exercício rápido, sem muito critério e do fim para o começo: um espermatozoide em algumas centenas ou milhares; duas pessoas desconhecidas que em virtude de acontecimentos alheios foram colocadas frente a frente e se apaixonaram (muitas combinações de eventos foram necessárias para que muitos pares se formassem até chegar no seu código genético); algumas condições climáticas especificas na ordem correta para que um planeta suporte a vida; muitos corpos celestes distribuídos no universo com a velocidade, com o tamanho e com as composições corretas; e assim sucessivamente até chegarmos a singularidade que chamamos de Big-Bang (já falei dele aqui).

Continuo pedindo desculpas por insistir em lançamento de dados com você, mas eu gostaria que você também tentasse considerar qual seria a probabilidade de que a consciência que viesse a ocupar esse corpo fosse a sua e não outra, ou seja, como já não bastasse a probabilidade do corpo existir, ele poderia ser ocupado por qualquer consciência, mas por algum motivo você é o inquilino (o software é para a máquina ou a máquina para o software?).

Desviando: Caso você tenha interesse em imaginar como a simples queda de um alfinete na hora errada poderia impedir que você existisse um dia, sugiro você ler o assunto relacionado a Teoria do Caos de Edward Lorenz. Nos seus estudos, quando Edward Lorenz colocou os dados das condições climáticas de hoje no modelo matemático que ele desenvolveu, foi possível “acertar em cheio” o clima do dia seguinte. Então ele teve a ideia de colocar os resultados obtidos dentro do mesmo modelo novamente, tentando prever as condições climáticas do terceiro dia. E assim sucessivamente. Ao tentar prever o clima dias a frente, os resultados não foram aplicáveis, pois imprecisões insignificantes nos dados iniciais (o bater de asas de uma borboleta nos EUA) resultaram previsões catastróficas dias a frente (um tufão no Japão). Por isso a Teoria do Caos de Edward Lorenz também pode ser chamada de Efeito Borboleta.

Voltando: Alguma coisa nos impele a querer continuar, a não desistir, a apostar mesmo que os cálculos mostrem o contrário, a acreditar no que não se pode ver. Eu não vou tentar usar palavras para definir essa coisa, pois se eu usar aquela que eu gostaria, algumas portas, que eu prefiro que permaneçam abertas na sua mente, poderiam ser fechadas. Vamos nos ater apenas ao conceito (talvez um dia desses eu cite essa palavra).

Nesse momento seria esperado que eu dissesse o que eu acredito e que desse a você argumentos irrefutáveis, tentando convencê-lo de que você deveria acreditar também. Mas seriam argumentos de um qualquer apenas. Provavelmente você não se convenceria (com certeza você não se convenceria). Que argumento seria forte o suficiente para falar de coisas subjetivas e pessoais a alguém que não acredita nem mesmo no que pode contar com os próprios dedos? (não se esqueça que você acha a coisa mais normal do mundo ir até a loteria arriscar um palpite) Então, vou usar a resposta de alguém que provavelmente tem credibilidade com você, que possivelmente você já entendeu e concordou (no mínimo aceitou).

"Agente Smith: Por que, Sr. Anderson? Por que, por quê? Por que você faz isso? Por que, por que se levantar? Por que continuar lutando? Você acredita que está lutando... por alguma coisa? Por mais do que sua sobrevivência? Você pode me dizer o que é? Você ao menos sabe? É por liberdade? Ou verdade? Talvez pela paz? Poderia ser por amor? Ilusões, Sr. Anderson. Caprichos da percepção. Construções temporárias de um intelecto humano fraco tentando desesperadamente justificar uma existência sem sentido ou propósito. E todos eles artificiais como a Matrix por si mesma, embora... somente a mente humana poderia inventar algo tão insípido como o amor. Você deveria ser capaz de perceber isso, Sr. Anderson. Você deveria saber disso agora. Você não pode vencer. É inútil continuar lutando. Por que, Sr. Anderson? Por quê? Por que você persiste?

Neo: Porque eu escolhi."
Matrix Revolutions

Eu não tenho certeza sobre as respostas para as perguntas acima, mas sei que há momentos em que temos que fazer algumas escolhas críticas e na maioria das vezes essas escolhas não vão ter relação com as contas que se é capaz de fazer na ponta do lápis, ou em softwares ultramodernos. Já que estávamos falando de jogo, você aposta todas as suas fichas de que tudo se resume ao caos embaralhar as cartas e a probabilidade as distribuir? Você já parou para avaliar se tem mesmo todas as fichas que seriam necessárias para essa aposta? Ou você está um passo a frente dos outros integrantes da mesa e tudo não passa de uma jogada perfeita?

Agradecimentos: A querida DUS pela sugestão da citação inicial e aos grandes amigos RLC e FOS, pela recomendação do tema Teoria do Caos e pela piada dos 50%, respectivamente. O resto eu assumo, são minhas apostas.